Juventudes com sonhos atacados vão às urnas
Diante do quadro de tamanhas injustiças e desgovernança, nossas juventudes que viveram um processo de exaustão pelos ataques frontais a sua potência de sonhos se erguem
Nesses últimos quatro anos, o governo de ímpeto antidemocrático criou uma máquina pública de matar sonhos. A sensação é que uma geração de sonhadores foi experimentando cansaço e desânimo diante de tanta desconstrução de políticas sociais e esperança pública.
É comum que os sonhos diminuam no fluxo da vida, conforme se passam os anos. Alguns sonhos são alcançados gerando um senso de realização, mas outros vão sendo substituídos por uma necessidade de conformação com o que já foi conquistado. O realismo do tempo que se passa aparece com algumas “vozes” que dizem: resta-lhe pouco tempo, faltam recursos e possibilidades.
É natural que o choque de realidade vá se revelando durante os anos. O tempo passa, as pressões da vida se embaraçam com o encanto e as responsabilidades demonstram que o alcance das coisas demanda um empenho e estratégia que não são tão simples quanto o universo da imaginação.
Porém, o que estamos vendo com nossa realidade política não é apenas esse fluxo natural que torna o sonho difícil de ser alcançado. A força que nos governa criou, a partir do retrocesso e falta de projeto de nação, uma estrutura de impossibilidades para que nunca se alcance os anseios. Fez isso de forma cruel matando sonhos precocemente, não dando a chance de jovens sequer tentarem. É uma realidade dura posta em um tecido social de profunda desigualdade.
A estrutura de desigualdade se consolidou com os problemas históricos do Brasil. Há no país 9,1 milhões de crianças e adolescentes na faixa de 0 a 14 anos vivendo em situação domiciliar de extrema pobreza (renda per capita mensal inferior ou igual a um quarto de salário-mínimo) e 9,7 milhões em situação de pobreza (renda per capita mensal de mais de um quarto até meio salário-mínimo).[1] Um estudo organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizado entre 30 países em 2018, identificou que o Brasil ocupa a segunda pior posição de mobilidade social. Uma criança que nasce nos lares mais pobres do Brasil pode levar cerca de nove gerações para mudança social. Essa dura realidade impõe sobre a criança a condição social da pobreza até o final de sua vida. “A falta de mobilidade ascendente implica que muitos talentos são perdidos”, afirmou a OCDE no documento.
Esse brutal cenário só pode ser superado com iniciativa política de larga escala, mas no decorrer de quatro anos o principal líder do país não só ignorou o problema da desigualdade, mas ele contribuiu para aprofundar a crise social, econômica e política. Essa sensação de crise agravada com a falta de reversão do problema, desalentou muitos jovens. Foi criado um deserto para imaginação. Como sonhar diante de uma realidade social tão dura e um governo de retrocessos?
Essa não é uma resposta simples para se responder e justamente por não ser tão simples que precisamos continuar sonhando. Nós só conseguimos superar isso alimentando nossa força com sonhos, sonhar nos projeta a esperança e luta contra forças contrárias e limitantes.
Diante do quadro de tamanhas injustiças e desgovernança, nossa juventude que viveu um processo de exaustão pelos ataques frontais a sua potência de sonhos se ergue. Por mais que autoridades políticas tentem minar a democracia, o povo ainda tem o mecanismo democrático do voto, e uma juventude que carrega o direito de sonhar demonstra o desejo de ver um futuro diferente, com a disposição de construir civicamente um solo capaz de fomentar ainda mais suas expectativas e os sonhos da sua geração.
Esse despertamento da responsabilidade cívica diante de um momento tão difícil é um grande passo para reconstrução
Essa geração percebe que medidas urgentes são necessárias para problemas urgentes, como a questão climática, a violência racial a desigualdade social e a miséria. Sem o enfrentamento célere desses problemas não existirá futuro para que seus sonhos se concretizem.
Teremos a eleição com maior número de jovens de 16 e 17 anos aptos para votar na história, o número cresceu cerca de 51,3% comparado com eleições de 2018. Nas eleições deste ano, 2,1 milhões de jovens nessa faixa etária poderão votar, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Esse despertamento da responsabilidade cívica diante de um momento tão difícil é um grande passo para reconstrução. Esse despertamento que se revela no voto aponta também que podemos ir além, que podemos sonhar, ter esperança e aumentar nosso enfrentamento contra tudo aquilo que quer retirar a chance de sonhar e alcançar. Então vamos adiante, sonhando agindo civicamente e trabalhando para construir esse solo de realizações.
Lucas Louback Silva é ativista pelos direitos humanos e gerente de projetos de impacto social e advocacy na ONG Rio de Paz. Atua coordenando projetos sociais para redução da desigualdade e manifestações públicas de pressão política para redução de mortes violentas.
[1] A Fundação Abrinq – Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2021.