Lançado pelo selo Tusquets Editores, Pedro Jucá desponta como nome da literatura contemporânea brasileira com Amanhã tardará
Entrevista com Pedro Jucá, autor dos livros Amanhã Tardará e Coisas Amor
Amanhã tardará (Editora Planeta do Brasil, 320 págs.) é o primeiro romance e segundo livro do escritor cearense Pedro Jucá, nome que ascende na literatura brasileira contemporânea. Inaugurando linha de autores nacionais do selo Tusquets, da editora Planeta, a obra traz uma profunda reflexão sobre as complexidades das relações familiares e as marcas indeléveis que a infância deixa sobre o desejo, a sexualidade e a percepção do tempo.
A trama gira em torno de Marcelo, que, com a iminência da morte do pai, retorna dos Estados Unidos para a pequena e fria cidade de Ourives, onde cresceu. Lá, ele se vê forçado a confrontar o passado e as dolorosas memórias familiares, incluindo a ruptura com a irmã e as relações que moldaram sua personalidade. A tragédia arrasta a família inteira para um sofrimento profundo e nunca expurgado. Às margens desse excesso de silêncio, temas como trauma, finitude e sexualidade assombram cada personagem da trama e os encaminha para um desfecho que, de tão inevitável, só consegue ser surpreendente.
Do início ao fim do livro, o leitor encara um romance de formação com aspectos psicológicos delineados e incisivos. Em uma narrativa densa e introspectiva, mas fluida, e com influências da psicanálise, Pedro Jucá explora temas universais como o trauma, o comportamento humano e a imponência da passagem do tempo. O livro, cuidadosamente construído, promete cativar os leitores com sua abordagem sensível e profunda das cicatrizes emocionais que carregamos ao longo da vida.
Pedro Jucá nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1989. Morou na capital cearense até 2018, quando migrou para o Paraná, no sul do país. O motivo da mudança foi profissional: havia sido aprovado no concurso para Procurador do Estado, morando inicialmente em Paranaguá, no litoral, e depois em Curitiba, onde permanece até hoje, vivendo com seus três gatos: Willow, Hopper e Nimbus. O cearense é formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), pós-graduado em Escrita Criativa pela Universidade de Fortaleza (Unifor), e pós-graduando em Psicanálise, Arte e Literatura pelo Instituto ESPE.
Na breve carreira, já foi contemplado com prêmios como o Prêmio Ideal Clube de Literatura, Prêmio Off Flip e Prêmio de Literatura UNIFOR. Do processo de isolamento nasceu o livro de contos Coisa Amor (Editora Urutau) e também os primeiros rascunhos de Amanhã Tardará, que levou mais de quatro anos para ser finalizado. Atualmente é agenciado pela Agência Riff e escreve crônicas para o portal Curitiba Cult.
Se você pudesse resumir os temas centrais de “Amanda Tardará”, quais seriam?
Tempo, trauma, infância. Memória, morte, sexualidade. Talvez isso não diga muito, mas, como se trata de um romance de formação, é difícil condensar um ‘e se?’, suposta pergunta fundamental de toda narrativa longa. E se nascêssemos, crescêssemos, atássemos e desatássemos laços, sofrêssemos, gozássemos etc.? Amanhã Tardará conta mais de 30 anos da história de uma família – que, se é verdade a frase de abertura de Anna Kariênina, é feliz à maneira comum, mas infeliz à própria maneira. Como protagonista e narrador, temos Marcelo, com suas dores e delícias, suas vicissitudes, sortes, reveses, dele, de sua irmã Inês, sua mãe Hilde, seu pai Joca, seu tio Dico e seus avós. É uma história cotidiana sobre laços familiares – com todas as suas complexidades, nuances, contradições, incongruências, inconsistências e descompassos. Sobre o potencial inesgotável do trauma. Sobre como nossas ações são sobredeterminadas por conteúdos inconscientes que, na maioria das vezes, queremos esconder. Sobre como a neurose – essa nossa insistência em fingir que não sabemos o que talvez saibamos – pode ser constitutiva e destruidora. Sobre como o desejo é elusivo. Sobre como a família é brutal. Sobre nosso destino sublime e infernal de carregar indeléveis, na memória e no corpo, os traços da primeira infância. Sobre como só olhamos o mundo uma única vez, na infância – e o resto é memória (epígrafe de Gluck). Sobre como, na maioria das vezes, amor e morte são feitos irmãos pelo Destino. Sobre como existe um gap fundamental entre nosso corpo – tão frágil, desprovido de carapaças, garras, dentes – e nossa mente, capaz de sonhar e criar mundos e fantasmas que vão nos acossar e caçar a nós mesmos.
Por que escolher esses temas densos como esses para trabalhar?
Eu escrevo sempre a partir de questões que me atormentam. Algumas são mais ou menos resolvíveis, da ordem de problemas; outras são absolutamente irresolvíveis, verdadeiros enigmas e aporias. Outras ainda eu acho que sequer quero resolver (rs). Eu escrevo para verter em palavras minhas próprias angústias, para tentar estetizar sob a forma de narrativa, tentar dar alguma forma a ecos impalpáveis dos fantasmas pessoais.
Isso não quer dizer, em absoluto, que eu só escreva autoficção. Quem dera, aliás – existe uma certa facilidade, ao menos para mim, em escrever sobre mim mesmo. O Coisa Amor contava, sim, com alguns contos autoficcionais. Minhas crônicas eu considero como não-ficção – sou eu ali, Pedro Jucá, falando das coisas da vida. No romance, eu inventei quase tudo – o que, de novo e por outro lado, não quer dizer, em absoluto, que eu também não fale de mim e mesmo de pessoas ao meu redor. Graciliano Ramos dizia algo como que ele não tinha como sair de si para escrever. E que, se seus personagens eram muito díspares, é porque ele também era vários. Eu também sou vários, sou muitos. E nem sempre – quase nunca – essas partes de mim estão de acordo entre si. É por isso que eu escrevo livro. No fundo, a gente escreve é para ser lido. Mas, ainda mais fundo que isso: a gente escreve porque escrever nos aponta caminhos.
Por exemplo: levei anos para entender o porquê de ter escrito um livro em que a questão da respiração é tão central, tão crucial. Até que, um dia, do nada, a ficha caiu: eu mesmo, Pedro, tenho questões com a respiração. Sou, afinal, uma pessoa ansiosa, e em muitos momentos eu vejo que desaprendi a respirar. A gente escreve o livro, e, de alguma maneira, o livro vai escrevendo a gente também.
O que motivou a escrita de “Amanhã Tardará” e como foi esse processo? Quanto tempo levou para escrever o livro?
Desde que a primeira versão da primeira frase foi escrita até a publicação, passaram-se mais ou menos quatro anos. De todo modo, eu acredito que coloquei no papel uma primeira versão inteira da história depois de um ano e meio de intenso trabalho. Depois disso, foi o tempo de deixar a história decantar, revisar, procurar leitura crítica, leitor beta etc. Escrever é um processo contínuo, nunca para – até que você conscientemente decida (porque é da ordem de uma decisão racional) interrompê-lo. Chega, eu desisto aqui. Publicar um livro passa necessariamente por, mais que aceitar um livro, desistir de um livro.
Quanto ao processo em si, fui muito duro comigo mesmo. Nesse um ano e meio, escrevi de domingo a domingo, não importando quase nenhuma circunstância. Na maioria das vezes, contava com no máximo uma ou duas horas por dia para escrever. Às vezes, no finalíssimo do dia, tipo das 23h às 0h. Raras vezes, salvo aos finais de semana, escrevi mais do que três ou quatro parágrafos de uma vez só.
Aí funcionava assim: eu escrevia esses três ou quatro parágrafos e, no dia seguinte, começava pela sua revisão. Com o tempo que restava, mais três ou quatro parágrafos eram escritos, parágrafos que, no dia seguinte, eu viria a revisar etc. Quando eu terminava uma parte, voltava e revisava-a inteira. Até tentava me dar algumas férias a cada parte escrita, mas logo a história me puxava de volta pela mão. As ideias vinham e eu não conseguia resistir. De toda forma, escrever não é ter ideias: é saber colocá-las no papel. Então, é claro que existe inspiração (flashes que normalmente nos assomam nos momentos mais inoportunos, como no banho – ainda bem que meu telefone tem resistência à água, rs), mas escrever, para mim, é um ofício, um trabalho: a transpiração conta muito, muito mais. Ao todo, eu devo ter revisado o texto no mínimo uma dezena de vezes. Algumas delas, integrais.
Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Graças aos deuses, nenhuma (risos). Eu sei que essa é uma demanda do público – de publicidade e de mercado – atual, mas penso que a literatura deva ser, em si mesma, amoral. Acho que a moral cai melhor para uma fábula – que, vá lá, também é literatura, mas não é a isso que se propõe a literatura que eu quero produzir. Em si mesma, a literatura não deve servir para nada – vivemos num tempo em que o utilitarismo tomou conta de tudo: comemos para construir músculos (ou vitaminar o corpo ou perder gordura, etc.), dormimos para poder restaurar o corpo e voltar a trabalhar, lemos porque precisamos atingir, sabe-se lá, que metas, bater os recordes dos coleguinhas ao lado. E eu mesmo sou muito assim, não dá para negar.
Que a literatura sirva, portanto, como um respiro e um oásis dessa obrigação exaustiva da serventia, de que tudo precisa servir para algo. Um livro deve retratar uma verdade inerente ao próprio livro. É como a vida, que eu não acredito ser dotada de um sentido imanente. Cada vivente define, olhando para trás, o sentido e o significado dos acontecimentos que viveu. Da mesma forma, o leitor: cada um vai se deparar, num livro, com os próprios conteúdos. De toda forma, para não dizer que fui cínico demais, acredito que algumas linhas de força perpassam o romance como um todo: os perigos de não fazer as pazes com o próprio desejo; de varrer para debaixo do tapete não só a poeira, mas a própria vassoura; de não elaborar, em palavra ou diálogo, o oco que temos dentro da gente.
O que esse Amanda Tardará representa para você? Acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma? Por quê?
Representa uma conquista e um ato de coragem. Uma narrativa longa, de fôlego, é sempre um investimento de altíssimo risco: são dias e dias, meses, anos à volta com uma história – e um texto – que, no final das contas, podem nem funcionar. Que o livro tenha sido escrito e que tenha sido publicado ainda soa meio surreal para mim. Deu certo. Nem acredito. A escrita de um livro sempre transforma o autor. Sempre. É difícil precisar como, mas ele serve um pouco como ponto de ancoragem para a sua própria vida. O livro se torna uma espécie de farol em meio à passagem do tempo: a vida vai acontecendo numa temporalidade própria, mas o livro está lá, sujeito a uma lógica própria de passagem do tempo.
Sendo mais específico, acho que o Amanhã Tardará me transformou em um escritor mais maduro, isto é, com mais habilidade em saber renunciar a trechos, conceitos, ideias, palavras. O que eu queria mesmo era contar uma história – e deixar que muitas das concepções com as quais eu queria trabalhar acabassem surgindo muito da própria estrutura do texto. Nas revisões finais, eu limei e limpei o texto, que, embora ainda tenha algum grau de rebuscamento – isso era importante para compor a voz do Marcelo –, se tornou muito mais enxuto, mais simples, mais direto. Tudo isso para que o texto não se interpusesse entre a história e o leitor, não houvesse tanta fricção nessa interface; tudo isso para que a história saltasse para o primeiro plano. Existem escritores de palavras e escritores de histórias, de narrativas. Eu adoraria ser um escritor do segundo tipo (mas conheço minhas próprias limitações e sei que é muito comum que eu acabe me enredando na beleza e no absurdo das palavras).
Como a bagagem do livro anterior que você escreveu ajudou na construção da obra?
O Coisa Amor era muito mais hermético. O vocabulário pesado, as temáticas (ainda mais!) duras, as personagens enigmáticas. Era preciso engatar a primeira marcha e forçar o carro a caminhar. Gosto do livro, mas entendo que ele não seja para todo mundo. Isso me fez buscar escrever um romance mais fluido (e, para minha surpresa, acho que funcionou: muitos leitores vêm me falar da fluidez do livro, de como ele é fluido, de como, apesar do tamanho, a leitura termina rápido até demais). Contribuiu muito para isso também a escrita das crônicas no Curitiba Cult. Eu me lembro de, a cada revisão, retornar para um pensamento constante, quase como quem retorna à respiração durante uma meditação: mantenha o texto simples, evite qualquer palavra que demande uma ida ao dicionário, trate tudo com leveza. O Amanhã Tardará é um livro que trata de temas pesados e espinhosos, mas acredito que eles sejam tratados com leveza – até com ternura. Uma amiga minha, psicanalista, disse que viu muito o Riso no livro. A Jeovanna Vieira me falou, brincando, que meu traço tóxico era a ternura. Se no Coisa Amor eu fui Lars Von Trier e nas crônicas eu fui Filme Sessão da Tarde, o Amanhã Tardará veio para talvez mesclar esses dois polos.
Por que escrever um romance? Desde quando escreve dentro do gênero?
Porque, a meu ver, o romance é, por excelência, o lugar onde a literatura acontece. É lá que os grandes dramas humanos podem estar mais bem convolados – há espaço e tempo suficientes para nos aprofundarmos nas personagens, por exemplo. Dá tempo para o leitor se envolver, se identificar, criar empatia. E, se a literatura é o lugar da alteridade, é somente numa narrativa longa que ela vai melhor exercer seu propósito. Já se associou, por aí, um romance a um espelho partido, refletindo enviesada ou defeituosamente a realidade. Talvez eu mude um tanto a alegoria: um romance é um espelho hiperíntegro, uma lente de aumento através da qual conseguimos enxergar, em detalhes, pedacinhos da realidade que, de outra forma, sumiriam no ruge-ruge do cotidiano.
Quais são as suas principais influências artísticas e literárias? Quais influenciaram diretamente a obra?
Eu amo arte de maneira geral. Desde pequeno, eu sempre repeti que há duas coisas que dão sentido à minha vida: comida e arte (que, às vezes, podem vir a ser a mesma coisa, rs). Cresci numa família de artistas – vovô escreveu livros técnicos e redigiu poemas; vovó era formada em acordeon, cantava, tocava piano; mamãe foi professora de dança a vida inteira; meus tios todos têm veia artística. Do lado de pai, vovó sempre leu muito. Então acredito que, antes das influências “externas”, preciso citar essas pessoas cujo gosto artístico foi essencial na minha formação pessoal e artística.
Depois, para falar dessas influências externas, gosto muito de toda literatura “psicológica” e realista. Nunca me comoveram particularmente as alegorias ou a tradição latino-americana do realismo mágico. Para mim, já há absurdidade o suficiente na realidade. Já há magia, terremoto, catástrofe e glória no cotidiano. Foi assim que me aproximei, ainda no colégio, dos contos do Machado, da Clarice e da Lygia. Depois conheci Dois Irmãos, depois o Kundera, com a Insustentável Leveza do Ser. Passeei por Philip Roth e Ian McEwan até chegar em Ferrante, que é meu ícone máximo, talvez. Mas tem muita gente nesse meio que me influenciou, serei injusto com muita gente. Todo livro que já li formou o escritor que sou hoje – ainda que por oposição, no sentido de, com aquela leitura, descobrir o que não quero fazer.
Além disso, também amo cinema, e é impossível que a linguagem cinematográfica não acabe transpassando, de alguma maneira, a literatura que eu produzo. Haneke, Woody, Yorgos, Miyazaki, Spike (Jonze). Nas artes plásticas, tem o Hopper, pintor da solidão urbana, a quem também me sinto filiado em algum grau.
Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
É difícil que eu venha a definir meu próprio estilo. Mas acho que estou com a Dulce Maria Cardoso (acho que foi ela), quando, naquele livro de entrevistas para o Ricardo Viel (saiu pela TAG), ela disse que nunca seria uma autora reconhecida pelo seu estilo, como um Saramago da vida – cada história pedia uma forma específica de ser contada. E eu acho que sou um pouco assim também, sabe? É claro que, num romance, a gente precisa manter um estilo único, para reforçar a ilusão de unicidade e integridade do narrador, sobretudo se ele for de primeira pessoa, mas, nos contos do Coisa Amor, por exemplo, dá para ver bem a diferença acentuada de estilo de uma história para a outra.
Quanto ao Amanhã Tardará, especificamente, acho que há uma prosa hesitante: quer chegar a algum lugar, mas faz rodeios antes. É ainda adjetivosa e adverbiosa, mas não ao ponto de causar a completa obliteração do leitor: há espaço para que ele se verta ali dentro. Há silêncios, há espaços vazios a serem preenchidos por quem lê. E, falando de estrutura, acho que o romance flerta com o romance filosófico: há bastante ação – afinal, mais de 30 anos de história se passam –, mas há também pausa para o comentário do narrador. Há poeticidade, mas não acho que haja prosa poética. Aliás, odeio o termo e odiaria ainda mais essa pecha para o Amanhã Tardará. Romance filosófico calha melhor. “Prosa poética” já se banalizou e desgastou demais.
Você escreve desde quando? Como começou a escrever?
Comecei a escrever antes mesmo de aprender a ler. Ainda estava na alfabetização, aprendendo o bê-á-bá, quando minha avó Nydia me estimulou a escrever histórias, a fabular. Quase sempre histórias mágicas, com fadas, sereias, gigantes, bruxos. Ela, inclusive, compilou essas historietas numa brochura manufaturada, quando eu tinha 18 anos. Meu primeiro conto mais “sério” eu acho que escrevi por volta dos 15 ou 16 anos. E, antes disso, até me dedicava bastante às redações de colégio – uma redação da oitava série (nono ano hoje) se transformaria, numa versão melhorada, óbvio, num conto que veio a compor o Coisa Amor. Ao longo da vida, escrevi contos esparsos, muitas vezes sob autoencomenda para premiações literárias. Foi só com a pandemia que eu decidi sentar e realmente me implicar naquele que, até então, eu desconfiava ser o grande projeto da minha vida: escrever.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?
Quando estou escrevendo, costumo, sim, ter uma rotina. Meu dia é muito cheio, a Procuradoria me ocupa muito tempo, e, infelizmente, a literatura ainda não paga as contas. E o mais provável é que seja sempre assim. O negócio é que não basta escrever, tem que participar. Isto é: tem que divulgar, usar as redes sociais para isso, responder entrevistas, levar o livro para o mundo. Resultado: atualmente, e há já alguns meses (meses demais!), não estou escrevendo nada de novo. Mas, quando me dedico à escrita, sou bastante metódico: gosto de silêncio, gosto de conforto térmico, não posso ter dor, nem sono, nem fome. Nunca consigo escrever por muito tempo seguido, preciso de pausas. A meta de escrita é mais por tempo do que por palavras: hoje preciso escrever, digamos, 1 hora. Ou melhor: tentar escrever. Nem que seja para passar 1 hora diante do computador e não escrever mais do que uma ou duas linhas. Ou, como inclusive já aconteceu inúmeras vezes, trabalhando uma única frase – procurando e pesquisando e refletindo sobre uma única palavra. Sou meio obcecado com a escolha da palavra justa: aquela que se encaixa perfeitamente naquele contexto de ritmo, de significado, de etimologia, até. Pode ser um verdadeiro suplício, mas, quando o resultado sai legal, vem uma sensação que não encontro com mais nada na vida, ao menos não até hoje. Como diz Dorothy Parker: I hate writing, I love having written.
Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?
O que vem por aí ainda demora muito a chegar. O grosso do Coisa Amor e do Amanhã Tardará eu escrevi durante a pandemia – o que faltava de sanidade mental e vida social sobrava de tempo. Agora, e já tem tempo, a vida normal voltou a fluir. O mundo lá fora chama – e é delicioso tomar parte dele, sair, conversar, fazer trocas, beber, comer. Mas a literatura acaba sofrendo, porque está concorrendo em uma concorrência desleal.
De toda forma, sim, tenho ao menos dois romances (novelas?) cuja escrita já iniciei. O primeiro trata de uma mulher com transtorno bipolar que, por causa da condição psiquiátrica, acaba perdendo a guarda das filhas. Em nível de experimentação de texto, seria um romance (novela?) imediato, praticamente só com ação, sem muita incursão psicológica. Um desafio para mim, que adoro me perder nos meandros do nosso psiquismo. A intenção era deixar que a pura ação se comentasse a si mesma. O segundo, possivelmente o que sairá antes, trata de um homem que, ácido, odiável, implacável, passa os dias a maldizer os vizinhos – até que, um dia, encontra alguém que desorganiza sua vida. A intenção, na forma, seria trabalhar humor em um texto leve, próximo até do meu próprio tom nas crônicas que eu escrevia.
Tenho umas 30 páginas no Word escritas para cada uma dessas histórias. Mas escrevo dolorosamente devagar e, em meio à divulgação do Amanhã Tardará, me sinto excruciantemente sem tempo. Por isso, sei que escreverei essas histórias muito aos pouquinhos. Até 2028 – oremos –, um novo romance sai. Até lá, se o mercado editorial for favorável, talvez saia um livro de crônicas, um compilado das crônicas que escrevi entre 2022 e 2023 para o Curitiba Cult.
Amanda Magalhães é jornalista, pesquisadora, escritora, Mestre em Comunicação e Temporalidades pela Universidade Federal de Ouro Preto. Transita, pesquisa e atua no jornalismo cultural e nas produções audiovisuais. É autora de 5 obras literárias, com destaque para o romance “Do verbo corresponder e o que vem antes”, lançado pela Editora Urutau em 2020.