O leilão do fim do mundo
Conferência do meio ambiente em Dubai e leilão de blocos de petróleo marcado pela ANP para 13 de dezembro colocam uma questão: chegamos ao topo do greenwashing?
Desde o anúncio de que a COP 28 seria realizada no petroestado Emirados Árabes Unidos, um incômodo está instaurado no campo socioambiental e nas pessoas de todo o planeta que fazem as discussões e propõem avanços nas regras do jogo para o enfrentamento das mudanças climáticas. Este é o cenário global. No cenário doméstico temos um outro bode na sala: o leilão da oferta permanente de blocos que será realizado em 13 de dezembro, pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). As perguntas que unem esses dois cenários podem ser: chegamos ao topo do greenwashing? Estamos todos “cooptados” pelo petróleo?
A COP já foi, e deveria ser ainda, o evento onde todos os signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima olhem para um futuro possível, pactuem metas e criem caminhos para torná-lo realidade, abrangendo mitigação e redução de emissões de gases de efeitos estufa e adaptação. A maneira como a humanidade vive hoje torna proibitiva a vida em um tempo que não temos precisão para estimar, mas as evidências da crise se apresentam diariamente nas secas, ondas de calor, tempestades e escassez de água, cada hora num lugar. Se, de um lado, a sede escolhida passa a impressão de que a COP 28 pode vir a ser reconhecida como a Conference of Petroleum, do outro lado, a ANP e o Brasil reafirmam a mensagem e mostram com o próximo leilão que cuidar de áreas ambientalmente sensíveis e das comunidades locais não importa mesmo, pois sua proteção está sempre aquém das supostas vantagens vindas da exploração de novos poços de petróleo e gás.
A sociedade civil brasileira vive o dilema de apoiar um presidente democrático, que cuida de seus biomas, mas que apoia o aumento da exploração dos combustíveis fósseis que, na escala mundial, são os principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas. Não podemos esquecer que, ironicamente, os combustíveis fósseis movem os correntões que derrubam hectares de árvores nativas nas nossas florestas e biomas, que transportam os piratas dos garimpos em seus aviões e helicópteros que sobrevoam nossa Amazônia, Cerrado, Pantanal e zonas costeiras. São os combustíveis fósseis que começam incêndios criminosos, levam grileiros de terras da união de um canto ao outro do nosso país. Não podemos esquecer, também, que o petróleo exportado pelo Brasil irá queimar em algum lugar, e contribuir diretamente pela piora nas condições climáticas.
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O leilão do fim do mundo, marcado para 13 de dezembro, oferece 602 blocos exploratórios e 1 área com acumulação marginal, divididos em 33 setores e 9 bacias sedimentares, no offshore e no onshore. Em todas as bacias podem ser encontradas violações às diretrizes ambientais da própria ANP e das principais políticas ambientais nacionais, como sobreposição com áreas protegidas, territórios tradicionais, manguezais e recifes de corais icônicos, como os existentes na cadeia de montes submarinos próxima a Fernando de Noronha e Atol das Rocas.
Os anúncios do problema estavam claros: esse cenário de investimento maciço em petróleo e gás está de acordo com os 62% do PAC que estão destinados aos combustíveis fósseis. Se essas atividades forem levadas a cabo, virá dos santuários destruídos pelas novas fronteiras petrolíferas o combustível que, unido ao desmatamento criminoso, deteriora a vida nos grandes centros, torna a úmida Manaus em deserto com tempestade de areia, modifica os nossos ecossistemas e impede nossa biodiversidade marinha e costeira de seguir existindo.
Na COP 28, o Brasil tem a oportunidade de se apresentar como o país do futuro, ou do passado. Se, por um lado, o país celebra a redução de 22,37% do desmatamento da Amazônia entre agosto de 2022 e julho de 2023, por outro, o país é atualmente o nono maior produtor de petróleo do mundo – e segue com planos de expansão na produção para saltar à quarta posição. O agravante, que pode custar caro às pretensões do governo em consolidar o país como liderança na geopolítica do clima, é que a maior aposta para essa expansão é a bacia da foz do Rio Amazonas, região extremamente sensível do ponto de vista socioambiental. Apesar de não ter nenhum bloco ofertado neste quarto ciclo, 47 blocos nessa região estão listados na oferta permanente e podem ser leiloados a qualquer momento.
A contradição do governo fica ainda mais nítida quando olhamos para a matriz energética como um todo. Há ausência de perspectiva para uma efetiva transição que preveja a substituição gradual dos combustíveis fósseis como o petróleo – já que sua queima é a principal fonte de emissões no setor. Pior, o governo segue defendendo o avanço da indústria petrolífera em áreas extremamente sensíveis, e fundamentais para o futuro do país.
Permitir que a exploração de petróleo continue sendo uma prioridade dentro da agenda de desenvolvimento nacional é um erro climático, ambiental, mas pode se manifestar também como um grave equívoco político e econômico, considerando as projeções da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) de queda da demanda global por petróleo já em 2028.
Para garantir legitimidade e protagonismo na agenda climática global, o governo brasileiro precisa resolver as incoerências entre a política ambiental e as políticas econômica e energética do país e agir para liderar um acordo global para a criação de zonas prioritárias de exclusão da exploração de petróleo, carvão e gás, onshore e offshore, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta.
Não há como acumular as posições de país que assume a liderança nas negociações multilaterais do clima, se propondo a fazer a interligação entre os países ricos e os países em desenvolvimento, e de país que intenta se consolidar no grupo dos petroestados. Há contradição evidente. O Brasil terá de fazer uma opção, e essa escolha tem urgência. Em plena crise climática e com a perspectiva de queda da demanda pelos combustíveis fósseis — ela terá de ocorrer se pretendemos sobreviver e deixar algum planeta para as futuras gerações —, esperamos que nosso país faça a escolha pela descarbonização e pela justiça climática.
Ricardo Fujii é especialista de conservação do WWF-Brasil; Enrico Marone é porta-voz de oceanos do Greenpeace Brasil; Suely Araújo é coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima; e Juliano Bueno Araújo é diretor-presidente da Arayara.
Mas não é culpa dos políticos bem intencionados. É o sistema. A Michele Obama quis mudar alimentação das escolas públicas para trocar lixo por alimentos nutritivos e, pasmem, a um custo mais baixo. Acho que deve ter sido ameaçada até de morte, só pode, porque pararam tudo. Vivemos sob a égide de uma plutocracia cleptocrática machocrata dominante e branca, que através dos seus sistemas de comunicação é idolatrada por todos, pela ricolatria geral. Os ricos querem transformar tudo em mais riqueza que nem precisam, colocaram todos nós num Titanic, mas eles estão em botes salva-vidas sem um Carpatia para resgatá-los. Eles também fazem parte desse espécie animal ecosuicida.