Lições fundamentais para fazer a diferença
O que as transformações dos últimos 20 anos significam para o desenvolvimento sustentável? A Rio+20 será o momento de responder a essa pergunta e explorar como essas mudanças aceleradas podem ser convertidas em avanços para a sustentabilidade e a promoção da justiça social e na melhoria da qualidade de vidaLuis A. Ubiñas
Estamos a quase uma geração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92), realizada em 1992, e o mundo hoje está bem diferente. Ganhamos mais de 1,5 bilhão de novos habitantes. A maioria de nós agora vive em áreas urbanas. Assistimos à rápida globalização da economia, às ondas maciças de imigração e às revoluções tecnológicas e informacionais que nos conectam como nunca antes na história da humanidade.
O que isso significa para o desenvolvimento sustentável? A Rio+20 será o momento de responder a essa pergunta e explorar como essas mudanças aceleradas podem ser convertidas em avanços para a sustentabilidade e a promoção da justiça social e na melhoria da qualidade de vida do máximo possível de pessoas.
Este especial do Le Monde Diplomatique Brasilcom a Fundação Ford é uma contribuição oportuna a essa discussão. As ideias provocativas e os pensamentos críticos reunidos nesta coletânea nos mostram uma vez mais que um planeta sustentável não depende apenas de decisões cruciais tomadas em conferências internacionais, mas também de inovação, energia e compromisso de nossos incontáveis e reiterados esforços, sejam individuais ou coletivos, públicos ou privados.
Os desafios são enormes se quisermos uma economia realmente sustentável, que proporcione desenvolvimento humano no presente, sem sacrificar o meio ambiente no futuro. Mas há razões para ser otimista: houve muitos progressos, entre eles o crescimento da produção de energia com recursos renováveis, o desenvolvimento de ferramentas de gestão ambiental e a adoção de práticas sustentáveis em setores-chave, como manufatura e transporte. Contudo, essas ações não foram capazes de diminuir a degradação de nosso meio ambiente. Nenhuma delas reduziu o impacto no planeta, cuja conta estamos deixando para nosso futuro ou para o futuro de nossos filhos e netos.
Permanecem muitas questões sobre como concretizar a transição para uma economia sustentável e como garantir que essa transformação também beneficie as camadas mais pobres em todo o mundo. Por exemplo, as tecnologias verdes contribuem para a justiça social oferecendo oportunidades de trabalho digno e melhoria da qualidade de vida em países pobres? Ou acentuam o abismo entre aqueles que desenvolvem tecnologia e aqueles que a usam? O reconhecimento do valor econômico das florestas torna mais fácil o acesso a recursos naturais e a conquista de direitos por parte de povos indígenas e comunidades rurais? Ou levará a novas restrições do uso da terra ocupada por comunidades locais? Sabemos aproveitar a riqueza da diversidade cultural de populações tradicionais do mundo todo? Ou essa herança cultural está sendo varrida do mapa pela globalização?
Soluções duradouras que beneficiem amplamente as populações requerem um comprometimento prévio e explícito com a justiça social – traduzida no desejo comum entre todas as partes envolvidas não de encontrar qualquer solução, mas umasoluçãojusta. Os governos, em particular, devem garantir que políticas e investimentos estejam baseados no compromisso com a inclusão, a equidade e a oportunidade para todos. Reconhecemos que levar adiante esses desafios não é fácil. Mas, na Fundação Ford, aprendemos algumas lições fundamentais que podem fazer toda a diferença. Queremos compartilhá-las neste espaço porque acreditamos no papel fundamental que desempenhariam na agenda sustentável da Rio+20 e de espaços futuros.
Em primeiro lugar, o engajamento ativo da sociedade civil é essencial na promoção da agenda sustentável. Para atenderem à meta da Rio+20 de erradicação da pobreza por meio de uma economia verde e inclusiva, os grupos sociais precisam estar comprometidos e organizados. Reconhecemos que a maioria das transições econômicas representa, ao mesmo tempo, novas oportunidades e desafios aos trabalhadores mais pobres e outros marginalizados. E necessitamos de suas vozes. A ativa participação desses setores nos processos decisórios é o que dará legitimidade e credibilidade aos acordos que devem assegurar a repartição justa dos benefícios e a administração cuidadosa das consequências negativas. Levando em conta essa necessidade, apoiamos e ajudamos muitos líderes a expressar suas aspirações e preocupações para que sejam levadas em conta na conferência. E apoiamos a Cúpula dos Povos pela Justiça Social e Ambiental, que acontecerá em paralelo à Rio+20 e reunirá organizações e movimentos sociais em um fórum para discutir questões levantadas na Conferência das Nações Unidas.
A segunda lição é que o reconhecimento dos direitos indígenas é central para que esses povos definam seu próprio futuro e para o avanço da sustentabilidade. Empoderar populações rurais para zelarem pelos recursos naturais, por exemplo, pode ser uma ferramenta-chave no enfrentamento das mudanças climáticas. As florestas são o lar de centenas de milhões de pessoas, além de fundamentais para modos de vida comunitários e tradicionais. Para esses indivíduos, muitos deles membros de comunidades indígenas, as florestas são fonte de alimento, energia, medicamento, moradia e renda. Garantir a essas comunidades o direito de posse e usufruto das terras onde vivem pode incentivar a proteção e preservação desses recursos. Expandir os direitos comunitários a florestas – e a outros recursos naturais – é um modelo já introduzido e bem-sucedido que muitos países poderiam seguir.
Por último, o desenvolvimento urbano e o crescimento vertiginoso das cidades por todo o mundo devem ser temas centrais em qualquer discussão sobre um futuro sustentável. Todo o crescimento populacional das próximas quatro décadas – 2,3 bilhões de novos habitantes no planeta – se dará em áreas urbanas. Enquanto alguns consideram a rápida urbanização unicamente um problema, enxergamos aí muitas possibilidades. O crescimento das cidades pode ser uma oportunidade para nossos esforços coletivos de expandir as oportunidades econômicas, gerar postos de trabalho e serviços que proporcionem renda e poupança, inclusão social e proteção ao meio ambiente. Mas, para alcançar esses resultados, necessitamos de uma nova forma de pensar cidades justas, que abarquem densidade, diversidade, planejamento inteligente do território e regularização. A forma como desenhamos coletivamente a urbanização definirá o destino de bilhões de pessoas e a sustentabilidade do planeta.
Este ano, a Fundação Ford comemorará seu quinquagésimo aniversário na América Latina. Desde o início, nosso trabalho procurou assegurar que a promessa da democracia se realizasse em toda a região e que as diferentes vozes sociais ganhassem mais espaço e desenvolvessem seu potencial. Nosso trabalho na Rio+20 é a extensão natural dessa história – e uma nova oportunidade de levar melhorias concretas e duradouras à vida de pessoas que sempre são deixadas à margem.
As próximas gerações esperam e necessitam que atuemos com sabedoria e convicção. Esperam que pensemos não apenas no nosso tempo, mas também no delas. Se marcarmos o vigésimo aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento com uma nova visão de sustentabilidade e futuro justo, despertaremos para nossa profunda responsabilidade em relação ao ambiente natural e modificado pelo homem que nos sustenta. Aproveitemos ao máximo essa chance.
Luis A. Ubiñas é Presidente da Fundação Ford.