Literatura e enredos de escolas de samba
A fonte de inspiração dos enredista e carnavalescos para elaboração de seus enredos é, em grande parte, a literatura e seus ícones, seja em romances, poemas, cordel e outros gêneros
A cultura popular é a base de todas as manifestações. Literatura, cinema, teatro e tantas outras como têm ponto de partida a vida real, representadas através do imaginário de quem a transcreve. Nada é mais representativo desta interação entre o real e o imaginário do que a literatura, que tem a arte de desrealizar.
Quantas obras literárias foram adaptadas para o cinema, para o teatro e para a televisão? E, como sua maior interação, a cultura popular apresenta a literatura em todas as suas vertentes na passarela do samba, representação uma que nos remete ao Teatro de Revista: as alas e alegorias passando como páginas que vão contando a história do enredo escolhido.
Não é de hoje que as Escolas de Samba apresentam enredos nas histórias literárias. Inicialmente, os enredos tinham que abordar temas pátrios. Em 1948, a Escola de Samba Império Serrano trouxe como enredo O Poeta dos Escravos, de Castro Alves. Em 1957, a Escola de Samba Salgueiro apresentou seu enredo baseado no poema do Poeta dos Escravos, Navio Negreiro. A Escola de Samba Portela, em 1966, apresentou Memórias de um Sargento de Milícias, e a Escola de Samba Mangueira, em 1967, O Mundo Encantado, de Monteiro Lobato.
Outros exemplos são Martin Cererê, que remete ao poema de Cassiano Ricardo, de 1928, pela Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense; Macunaíma, herói de nossa gente, da Portela, em 1975, inspirado na obra de Mário de Andrade; e a Escola de Samba Em Cima da Hora, em 1976, com Os Sertões, de Euclides da Cunha.
A fonte de inspiração dos enredista e carnavalescos para elaboração de seus enredos é, em grande parte, a literatura e seus ícones, seja em romances, poemas, cordel e outros gêneros. Podemos citar ainda Carlos Drumond de Andrade, Jorge Amado, Mario de Andrade, Ariano Suassuna, Chico Buarque de Holanda, dentre muitos. Não podemos deixar de fora a Escola de Samba Beija Flor, que, em 2017, apresentou o enredo A Virgem dos Lábios de Mel ─ Iracema, obra de José de Alencar.

Crédito: Vinicius Marvin
Os desfiles das Escolas de Samba de 2024 foram os de maior interação da literatura como base para os enredos e a confecção dos sambas de enredo. A Escola de Samba Grande Rio desfilou com Nosso Destino é Ser Onça, num amálgama de vários autores, dentre eles, Alberto Mussa, Ailton Krenak, Graça Graúna, Câmara Cascudo e Guimarães Rosa. A Portela desfilou com Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves. A Escola de Samba Salgueiro trouxe o enredo Hutukara, inspirado no livro A Queda do Céu, de Bruce Albert e Davi Kopenawa.
Se a literatura é a fonte de enredos e sambas de enredos para as escolas de samba, o universo que as envolve é onde os poetas, romancistas se alimentam para suas criações.
José Leonídio Pereira é autor de contos publicados em antologias, oito livros publicados; dois com o Carnaval como enredo, Safiras de Candinho e Enredando Ilusões.