Lógica de loucos
Serge Halimi
Qualquer um que vilipendiar os privilégios da oligarquia, a corrupção entre as classes dirigentes, as ofertas oferecidas aos bancos, o livre-comércio e a redução dos salários sob o pretexto da concorrência internacional se vê tachado de “populista”.1
Acrescente-se à lista “quem faz o jogo da extrema direita”. E também os críticos à atitude de um porta-voz da casta dirigente francesa, política e midiática que se ofuscou com a “violência de uma justiça igualitária” quando a justiça nova-iorquina se recusou a conceder tratamento diferenciado ao diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), acusado de violência sexual num hotel de luxo de Manhattan. Esse mesmo porta-voz acrescentaria mecanicamente: “A única coisa que se pode afirmar é que, pela proximidade das eleições, o sentimento antielite alimentado por esse escândalo aumentará as chances da Frente Nacional de Le Pen”.2
Proteger as “elites” e seus políticos de uma massa colérica sugere uma forma de higiene democrática… O islamismo na Tunísia foi responsável por legitimar o regime predador de Zine El Abidine ben Ali; na Itália, o “marxismo” contribuiu para as vitórias de Silvio Berlusconi. Essa mesma lógica mental permitiria que, em nome do medo (legítimo) da Frente Nacional, todos os políticos aos quais a população se opõe fossem ipso facto sacralizados para evitar “um novo 21 de abril”.3 O povo rejeita um jogo político escuso? Parte das classes dirigentes replica que os manifestantes são tão fascistas quanto ignorantes.
Permitir a instalação de uma camisa de força intelectual como essa no cenário político seria loucura. A extrema direita francesa avaliou que sua velha ideologia thatcheriana, o ódio de funcionários e o corporativismo fiscal foram desqualificados pelo crescimento das desigualdades sociais e pela degradação dos serviços públicos. Diante desse cenário, não hesitam em recuperar temas associados historicamente à esquerda. Vinte e cinco anos atrás, Jean-Marie Le Pen comemorava o regime de Vichy, os generais traidores da Argélia francesa, e fazia de tudo para ser fotografado em companhia de Ronald Reagan. A filha de Le Pen não hesita mais em citar o general De Gaulle ou em evocar a Resistência e propor a renacionalização da energia e das telecomunicações.4 O fundo xenófobo permanece, mas sentimentos como esse estão suficientemente instalados na sociedade e legitimados pelo poder para que o foco da propaganda da extrema direita se volte a outro tema.
A responsabilidade dessa manobra não se deve somente à esquerda institucional, emburguesada e afinada com a mundialização liberal. A falta de estratégia da “esquerda da esquerda” e sua incapacidade de unir os diferentes segmentos que a compõem também contribuem para o funcionamento dessa engrenagem. Combater a extrema direita certamente não é opor-se aos temas progressistas por ela recuperados (e deturpados), mas sim oferecer uma saída política à população legitimamente exasperada. Insatisfeitos com os dois principais partidos espanhóis, os manifestantes da Puerta del Sol estão pedindo outra coisa?
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).