Lula fala sobre democracia e universidade pública na USP
Evento lotou o vão dos prédios de História e Geografia na Cidade Universitária e contou com discursos sobre a relevância da política de cotas, rechaços aos ataques antidemocráticos e provocações a Bolsonaro
Na última segunda-feira (15) aconteceu a aula aberta Universidade Pública e Democracia na Universidade de São Paulo – que contou com a presença e fala do ex-presidente e atual candidato Luís Inácio Lula da Silva e outras personalidades políticas e acadêmicas – como Fernando Haddad, Luiza Erundina, Marilena Chaui, Ermínia Maricato e Adriana Alves.
O evento foi promovido pelo coletivo USP Pela Democracia, composto por professores, servidores e estudantes da universidade, com o intuito de promover um debate sobre o papel universitário no contexto atual de violações e ameaças à democracia brasileira. “É fundamental que a universidade pública reafirme o seu compromisso com as políticas de enfrentamento à desigualdade social e às discriminações, na defesa do ensino público, gratuito e de qualidade, assim como na manutenção dos programas de permanência e de ação afirmativa sócio-étnica e racial”, declararam os organizadores do evento.
O espaço escolhido para a aula aberta foi o vão dos prédios de História e Geografia, na de Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), locL marcado por abrigar manifestações estudantis ao longo da história da universidade. A partir das 15h, o público já formava filas em torno do prédio para passar pela barreira de segurança – com revista de bolsas e detector de metais – e adentrar ao evento, marcado para começar às 17h.
O encontro não contou com a presença do vice da chapa petista, Geraldo Alckmin (PSB). Já seu colega de partido, ex-governador Márcio França (PSB), foi vaiado pelo público duas vezes ao ter seu nome anunciado nas falas.

Lula exalta o investimento nas universidades e provoca Bolsonaro
Dirigindo-se aos estudantes, Lula iniciou sua fala ao recordar de casos da sua campanha ao Governo de São Paulo, em 1982, quando chegou ao quarto lugar na disputa, e incitou a importância do voto. “É nossa responsabilidade dizer que país a gente quer. Nós não temos o direito de ficar quietos com a destruição que está em marcha nesse país. Temos que gritar, protestar, e no dia 2 de outubro temos que votar. E o voto significa: tirar quem está aí”, declarou ele.
A aula aberta foi o último evento de Lula antes do início oficial da campanha eleitoral, e o candidato não deixou de criticar o fato de não poder falar das eleições em função do estatuto da universidade e da lei eleitoral, mesmo sendo o tópico mais comentado do momento. “Nós estamos a 48 dias das eleições mais importantes desse país. E é engraçado porque você liga a televisão de manhã, liga o rádio, lê o jornal e só se fala de eleição. E eu não posso falar de eleição, é o fim da picada”, disse.
O ex-presidente ressaltou a importância do investimento na educação e nas universidades, relembrando episódios durante o seu mandato. “Lembro que quando eu ia falar que a gente tinha que fazer universidade, aparecia sempre um ministro da Fazenda dizendo ‘presidente, não tem dinheiro, a gente não pode gastar’. E eu falava ‘se a gente não pode gastar, pare de falar a palavra gasto para universidade, porque universidade significa investimento no futuro desse país”.
Lula pediu para ser convidado mais uma vez para falar na USP e provocou o presidente Bolsonaro para fazer o mesmo. “Uspianos me usem, porque eu adoro vir aqui debater. E nem precisa ser coisa de um só partido, pode ter dois ou vários. Por exemplo, o Bolsonaro podia vir aqui fazer um debate sobre as eleições. Ele não vai vir porque ele não gosta de estudante. Ele não vai vir porque o ministro da Educação dele disse que universidade não precisa ser para todos, só para uma pequena parte”, lembrou.
Antes de encerrar sua fala, o candidato petista pediu que os estudantes não desanimem e que um novo tempo para as universidades está por vir: “É pelo fato de eu não ter tido a oportunidade de estudar que eu quero que os iguais a mim tenham universidade. Eu quero criar as oportunidades. Só vou sossegar quando um filho de uma empregada doméstica puder sentar no mesmo banco de universidade do filho da sua patroa”.

Fome, vítimas da covid e cotas
A professora Marilena Chauí iniciou sua fala usando dados para descrever a atual situação da democracia em meio ao governo Bolsonaro: “Nesse momento existem no Brasil 682 mil mortos pela Covid, 33 milhões de pessoas passando fome e 10 milhões de desempregados. Isto se chama crueldade”.
A filósofa também lembrou dos ataques à educação e as estratégias de disseminação de fake news utilizadas pela extrema direita. “Reina um ódio ao pensamento e esse ódio, disse um filósofo, se traduz numa decisão que é a morte do pensamento. O que nos caracteriza é a diferença entre o verdadeiro e o falso. O ódio ao pensamento é a decisão deliberada de recusar a distinção entre verdade e mentira. Se torna cinismo, e o cinismo se torna arte de governar”, declarou.
Para Marilena o momento é de urgência na recuperação da República. “Não temos a estrutura que o nosso adversário montou. Nossos recursos no mundo eletrônico são menores, de menor alcance, mas nós, como pessoas, no ônibus, no metrô, na feira, no mercado, na rua, somos capazes de levantar a nossa voz”, disse ela. A professora encerrou seu discurso mencionando duas tarefas que vê como principais para o engajamento no processo político: esclarecer que o auxílio emergencial adotado durante a pandemia só foi viável graças aos votos da esquerda e criar uma compreensão na população de que as coisas vão mudar, mas em um ritmo lento diante do que será encontrado. “É preciso recuperar a economia e recuperar a noção do fundo público para que, através dele, possam ser recuperados os direitos sociais. É preciso refazer o Brasil”.
Já Ermínia Maricato, titular aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e ativista pela reforma urbana, falou sobre a importância da política de cotas. A USP foi a última das grandes universidades públicas do país a aderir às cotas raciais, em 2018. “O sistema de cotas iniciou um processo sem volta na universidade brasileira, deu início a uma revolução. Eu quero lembrar vocês que em 40 anos que dei aula nessa Universidade, tive um colega negro e um aluno negro. Agora tem 80 na faculdade de arquitetura, que impactam profundamente o ensino”, declarou ela.
Samantha Prado faz parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.