Maquinário midiático e digital normaliza a extrema direita na política
Normalização do autoritarismo na política está contribuindo para o apagamento da história e a aprovação de leis que proíbem uma educação crítica e o debate de temas polêmicos como escravidão, genocídio, aborto e questões de gênero. O neoliberalismo, em sua forma mais extrema, se aproxima perigosamente do fascismo, à medida que despreza a diversidade, a solidariedade e a justiça social
A mídia conservadora é uma força política relevante em todo o mundo. Com seu maquinário digital, ela normaliza o discurso da extrema direita na política. A técnica das fake-news objetiva espalhar desinformação e desafia o próprio conceito de verdade. Aceitar práticas políticas que confundem a razão e atordoam a justiça pode dificultar um futuro democrático. Imaginar um mundo melhor deixou de ser uma tarefa de aprendizado com a história e a intenção da construção de um projeto de futuro coletivo. Pelo contrário, a normalização do autoritarismo na política está contribuindo para que a história seja apagada e a aprovação de leis que proíbem uma educação crítica e o debate de temas polêmicos como escravidão, genocídio, aborto e questões de gênero. A história e a memória, antes vistas como tesouros cruciais para moldar a imaginação coletiva, estão sendo sufocadas por mecanismos de censura, desinformação e manipulação política.
A revolução nas tecnologias digitais de informação e comunicação, com avanços na microinformática e na engenharia de redes, provocou mudanças subjetivas e culturais aceleradas, impactando profundamente a vida cotidiana. Essas mudanças precarizam o trabalho e intensificam a competição nas relações interpessoais, fomentando o individualismo e automatizando a sensibilidade humana. Somos bombardeados diariamente pelo discurso da performatividade, da produtividade e da meritocracia.
Vivemos em uma era de “pós-verdade”, em que notícias falsas são disseminadas rapidamente pela internet e pelas redes sociais, operadas por grandes empresas de tecnologia por meio de algoritmos e filtros-bolha que criam, difundem e naturalizam a mentira em detrimento de um diálogo honesto. Esse espetáculo midiático, produzido pela máquina da mídia conservadora, controla o debate público e impede a mobilização crítica, transformando grande parte da população em zumbis do neoliberalismo, alimentados pela intolerância e controlados pelo consumo de drogas, também produzidas pela indústria química e farmacêutica.
O capitalismo, esgotado na modernidade, já não é mais uma opção desejável. Ele destrói vidas, desmantela a sociedade e está destruindo os próprios Estados-nações. As mudanças climáticas, o agravamento de problemas urbanos, desastres ambientais, secas nos rios da Amazônia, enchentes no Rio Grande do Sul e incêndios no Pantanal são todos sintomas de um colapso sistêmico iminente. Além disso, multiplicam-se os crimes ambientais, o desemprego, a fome, a violação dos direitos humanos, a violência, o racismo, as epidemias, a miséria e a exclusão. Nesse contexto, a vida humana perde o sentido, e problemas como depressão e suicídio atingem índices alarmantes nas grandes metrópoles.
As tecnologias políticas autoritárias variam desde estratégias discriminatórias, ancoradas no discurso de “tolerância zero”, até dispositivos normativos que regulam nosso cotidiano. Estas estratégias foram exacerbadas por uma máquina ideológica conservadora, na qual a elite financeira controla não apenas os principais veículos midiáticos tradicionais, mas também as plataformas digitais e tecnológicas em nível global. Essas ferramentas de comunicação, quando manipuladas pela extrema direita, promovem uma ignorância generalizada na sociedade e oferecem uma visão superficial dos complexos problemas do mundo real. Esse maquinário de desinformação enfraquece a empatia e desmoraliza a coragem cívica, ao mesmo tempo que promove uma lógica individualista e despolitizada, centrada no interesse pessoal.
Esse controle narrativo do neoliberalismo é intensificado com a ascensão da extrema direita e do fascismo no cenário global. Isso é evidente nos Estados Unidos com Trump, no Brasil com Bolsonaro, na Argentina com Milei, na Turquia com Erdogan e em Israel com Netanyahu. O ressurgimento das formas fascistas do passado como força política é um sinal preocupante da radicalização do neoliberalismo contemporâneo. A elite mundial dominante usa os aparatos midiáticos, culturais e digitais como ferramentas para disseminar uma ideologia neoliberal de extrema direita, que normaliza o autoritarismo, ignora os direitos humanos e alimenta o racismo e os conflitos de classes. O discurso de medo e homogeneidade é multiplicado, atacando a diversidade com uma obsessão por métodos não democráticos.
Enquanto isso, o entretenimento alienado prolifera em telas digitais via streaming, servindo como um verdadeiro teatro político para as massas. Redes sociais e aplicativos de comunicação digital alimentam uma indústria cultural que legitima a brutalidade e a violência. A política é demonizada, como se os governos fossem impotentes diante do avanço dos bilionários que controlam as plataformas tecnológicas responsáveis por práticas de desinformação e manipulação. A “ignorância fabricada” pela máquina midiática tem sido amplamente negligenciada. A cultura digital contemporânea está sob o controle de poucas e poderosas empresas de tecnologia – Google, Apple, Microsoft, Meta (Instagram/Facebook), Twitter/X, TikTok, entre outras. O recente caso de suspensão de uma dessas redes pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil ganhou enorme projeção internacional e sublinha a necessidade urgente de uma regulação eficaz das novas mídias digitais.
Há também uma força midiática que normaliza o autoritarismo e a ignorância ao invisibilizar os movimentos sociais de resistência, que são desarticulados, reprimidos e sufocados por uma cultura imediatista e consumista, saturada de propaganda e do culto narcisista ao “self”. Além disso, há uma alienação frequentemente voluntária, como um mecanismo de adaptação e sobrevivência dos indivíduos. Nesse contexto, o pensamento crítico desaparece em meio a uma avalanche de notícias, imagens, anúncios, reality shows, games e outros elementos que reforçam a atomização social e a mercantilização da vida cotidiana. Da mesma forma, a crescente repressão a intelectuais, artistas, universidades e professores é ignorada, assim como os ataques à democracia e aos movimentos sociais. Questões como direitos reprodutivos, aborto, drogas e sexualidade são excluídas do debate público. A mídia hegemônica invisibiliza a resistência popular e normaliza o sofrimento social, ao mesmo tempo em que difunde a narrativa de que não há alternativa ao modelo econômico vigente.
Por outro lado, os problemas se agravam. Esse fenômeno de financeirização da economia, desvinculado da produção real e baseado na especulação, acaba por aumentar as tensões sociais e políticas, além de aprofundar as crises humanitárias e ambientais. Guerras, imigração forçada, nacionalismo, xenofobia, tensões nas fronteiras, construção de muros, imigrantes que naufragam diariamente no Mar Mediterrâneo, ataques contra a democracia no Equador e no Peru. As questões políticas coletivas são invisibilizadas. Silêncios semelhantes se fazem presentes na cobertura da grave crise internacional global, com suas tensões em torno de guerras nucleares e o impacto desastroso do sistema neoliberal em termos ecológicos e ambientais. É desse modo que o processo político conturbado que temos vivido no mundo contemporâneo (des)aparece do noticiário. O mesmo silêncio recai sobre os conflitos na África, no Iraque e no Afeganistão. É criminoso o silêncio em relação ao genocídio de Israel contra o povo palestino e a morte de crianças e civis como método de guerra se expandindo agora para o Líbano.
No Brasil, os ataques ao Estado de bem-estar social são evidentes. A luta pelos direitos sociais que estariam garantidos pela Constituição de 1988 não pode se desmobilizar, pois está constantemente sob ameaça por emendas constitucionais e manobras políticas promovidas pela direita e pela extrema direita no Congresso Nacional que buscam ampliar a privatização de serviços públicos como saúde, educação e assistência/previdência social. A desconstrução do Estado de bem-estar social e a normalização do autoritarismo caminham de mãos dadas com uma cultura política que promove o medo, o ódio e a exclusão. A elite dominante, ao alimentar a polarização social, cria um ambiente propício ao florescimento de movimentos ultranacionalistas, xenófobos e racistas, que se utilizam da violência e da repressão para consolidar seu poder. As práticas de criminalização da pobreza e dos movimentos sociais são exemplos claros de como o autoritarismo se materializa na vida cotidiana.
Quando o governo Lula critica o presidente do Banco Central por manter a taxa de juros em 10%, uma das mais altas do mundo, ele expõe a injustiça dessa política econômica que aprofunda a desigualdade e penaliza aqueles que mais precisam de financiamento – geralmente a população endividada e o setor realmente produtivo. Os trabalhadores não recebem o suficiente para cobrir suas necessidades básicas de saúde, habitação e alimentação, vivendo grande parte de sua vida endividada. Em um nível mais amplo, essa dívida interna afeta municípios e estados brasileiros, impactando também a dívida externa do país. Todo esse controle financeiro macroeconômico dificulta a implementação de políticas públicas, mesmo pelos governos mais progressistas, deixando-os reféns de uma política global orientada para aumentar lucros enquanto reduz custos com trabalhadores.
São processos de globalização excludente, em que a relação de centro e periferia continua, com o centro sendo os países de língua inglesa – o grupo dos Five Eyes: Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália, Canadá e Estados Unidos –, que de certo modo comandam o mercado financeiro internacional. Agora, por meio dos cryptomarkets, que representam um “capitalismo de cassino”, tudo se torna um jogo de probabilidades, relacionado ao comportamento das ações na bolsa de valores. O sistema produtivo, que era a base do capitalismo no século XX, dissolve-se no neoliberalismo do século XXI, e o valor do dinheiro se torna abstrato, com a moeda digital desvinculada da produção no mundo real ganhando cada vez mais espaço no ambiente virtual. Especulação imobiliária, Bitcoin, Ethereum: todos são indicadores flutuantes em um mercado de apostas, fluxos cambiais ilegais e oportunismo político.
Os mercados financeiros ditam as regras globais, exacerbando a desigualdade social e promovendo o desmantelamento das redes de proteção social. As criptomoedas intensificam o processo de financeirização da economia, gerando uma concentração ainda maior de riqueza nas mãos de poucos, enquanto a maioria da população enfrenta a precarização do trabalho e a perda de direitos. Os lucros do sistema financeiro e a política de austeridade neoliberal estão interligados. Esse movimento internacional, que vai desde os problemas causados pelos cryptomarkets até a globalização excludente, representa um ataque ao Estado de bem-estar social, com corporações e mercados financeiros avançando sobre os serviços públicos. A exploração material desse sistema é alimentada e pela ideologia neoliberal naturalizada pela mídia hegemônica e pelas redes sociais.
A ascensão da extrema-direita global, apoiada por setores da mídia conservadora e pela máquina digital, representa um sério risco para as democracias ao redor do mundo. Os ataques à liberdade de imprensa, à educação pública, à justiça social e aos direitos humanos estão cada vez mais presentes nos discursos e ações desses grupos, que buscam consolidar um modelo de sociedade excludente e autoritário. A manipulação da informação e a promoção da ignorância servem a um projeto político que visa enfraquecer as instituições democráticas e concentrar o poder nas mãos de poucos. As forças conservadoras, em conluio com as elites financeiras e tecnológicas, se utilizam dos meios de comunicação de massa para legitimar suas agendas políticas. A estratégia da “ignorância fabricada”, com a disseminação de desinformação e a censura de debates críticos, serve para despolitizar a sociedade e impedir a mobilização popular.
Infelizmente, a máquina midiática conservadora, agora catalisada também por grandes empresas de tecnologia nas redes sociais, promove um aumento exponencial do número de pessoas reacionárias e ignorantes, cúmplices de uma política de extrema-direita que destrói a dignidade humana, o bem-estar social e a própria democracia. A fusão entre o poder financeiro e a cultura digital insidiosamente normaliza o autoritarismo. A prática política da extrema direita mistura fundamentalismo religioso, ultranacionalismo e uma cultura de mentira e ignorância que abre caminho para o florescimento de sementes fascistas. Essas sementes de violência estão sendo plantadas em uma cultura repressiva e em um sistema educacional negligente.
O neoliberalismo, em sua forma mais extrema, se aproxima perigosamente do fascismo, à medida que despreza a diversidade, a solidariedade e a justiça social. O fascismo não é algo morto na história, não acabou na Itália moderna; ele é uma ideologia racista e discriminatória que continua operando no mundo por meio do ressurgimento das forças de extrema direita. Esse fenômeno, porém, não é isolado. Ele está ocorrendo em diversas cidades brasileiras, muitas vezes de maneira silenciosa, direcionando a sociedade para um caminho perigoso, onde o discurso de extrema direita se materializa em populismo e autoritarismo, infiltrando-se na política local e cotidiana dos municípios espalhados pelo país a fora.
O autoritarismo não se manifesta apenas no terror da repressão policial, mas também na distorção da informação, na perseguição a intelectuais, na intimidação de professores e na disseminação do medo, da ansiedade e do terror. Nesse cenário, é crucial destacar o papel do conhecimento crítico e das instituições educacionais como pilares para a defesa da democracia. No entanto, as universidades e os centros de pesquisa também estão sob ataque, tanto por cortes de financiamento quanto por uma crescente vigilância ideológica promovida por governos de extrema direita. Esses ataques visam limitar a autonomia acadêmica e impor uma visão de mundo conservadora, que desvaloriza o pensamento crítico e a pluralidade de ideias.
A luta pela defesa da democracia e dos direitos humanos exige uma mobilização coletiva que vá além das fronteiras nacionais, conectando movimentos de resistência ao redor do mundo. A construção de um futuro democrático depende da capacidade de enfrentar a lógica neoliberal e suas manifestações autoritárias, promovendo uma forma de organização social baseada na justiça, na igualdade e na solidariedade. É urgente soar os alarmes sempre que o poder concentrado negar aos cidadãos o direito à livre expressão e ao protesto pacífico.
A degeneração moral e política já não é apenas um tema de entretenimento ou uma distorção promovida pela extrema direita. Ela se tornou uma realidade autoritária gritante que não mais se esconde nas sombras da história, mas define a vida cotidiana de milhões de pessoas. Morte e sofrimento massivos são explorados por meio de uma invisibilidade fabricada, e aqueles que permanecem em silêncio ou desviam o olhar encontram consolo em mentiras reconfortantes. Ao fazê-lo, tornam-se cúmplices da brutalidade de um passado fascista que ressurge com força no presente, agora reforçado pela fusão da ignorância fabricada, do colapso da consciência cívica e do apagamento da memória histórica e social.
Por fim, a esperança de um futuro mais justo e democrático reside na resistência popular, na valorização do pensamento crítico e na defesa intransigente dos direitos humanos. As forças progressistas precisam articular uma resposta eficaz contra os ataques do autoritarismo neoliberal, construindo alianças entre diferentes setores da sociedade e promovendo um debate público honesto e inclusivo. Somente através da educação crítica, da cultura política e da participação coletiva será possível reverter o processo de destruição da democracia e impedir que as práticas da extrema direita se consolidem novamente como uma força política hegemônica.
Henry Armand Giroux é Pesquisador no Departamento de Estudos Culturais e Professor Titular da Cátedra Paulo Freire de Pedagogia Crítica na McMaster University, Canadá.
Gustavo de Oliveira Figueiredo é Pesquisador visitante na McMaster University e Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
Esta iniciativa teve apoio do Programa Institucional de Internacionalização da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Ministério da Educação.