Mercado Bet: A regulamentação atual é eficaz?
Os efeitos sociais e econômicos desse mercado ainda levantam preocupações, especialmente quanto à saúde financeira dos apostadores e à falta de uma fiscalização mais profunda e eficiente
As apostas esportivas online, também conhecidas como “bets”, conquistaram um espaço significativo no Brasil nos últimos anos. Com a popularização das plataformas digitais e o crescente interesse pelo esporte, esse setor emergiu como uma verdadeira potência econômica, movimentando cerca de 1% do PIB nacional — algo em torno de R$ 100 bilhões. Mais rentável até que nos Estados Unidos, onde as plataformas obtêm uma margem de lucro de cerca de 7%, enquanto no Brasil esse número atinge cerca de 13%.
O mercado bet atrai cada vez mais apostadores de todas as classes sociais. Mas, será que a regulamentação atual é suficiente para controlar os impactos dessa prática na vida financeira das pessoas e na sociedade como um todo?
Em dezembro de 2023, a Lei nº 14.790 foi sancionada, regulamentando as apostas esportivas online. Essa lei, que veio atualizar o texto da Lei nº 13.756/2018, estabeleceu algumas diretrizes importantes, como a exigência de que as propagandas tragam avisos de conscientização, como “jogue como forma de diversão” ou “não jogue como investimento”.
Além disso, as plataformas devem estar licenciadas para operar legalmente no país, e há esforços conjuntos entre o Ministério da Justiça, Banco Central e Anatel para coibir sites irregulares. Mas, apesar dessas medidas, os efeitos sociais e econômicos desse mercado ainda levantam preocupações, especialmente quanto à saúde financeira dos apostadores e à falta de uma fiscalização mais profunda e eficiente.

Crédito: Jonas Leupe/Unsplash
O peso no bolso da população
Um estudo da XP Investimentos mostrou que 64% dos apostadores no Brasil utilizam sua principal fonte de renda para realizar suas apostas. Isso significa que muitos acabam comprometendo verbas essenciais para o sustento diário em busca de um retorno financeiro incerto. A pesquisa revela ainda que 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas, 19% reduziram gastos no supermercado e 14% abriram mão de produtos de higiene pessoal para poder apostar. Essas estatísticas alarmantes demonstram como o mercado de bets impacta diretamente o consumo de bens básicos e essenciais da população.
Diante desse cenário, algumas empresas no Brasil estão indicando as bets como vilãs para a redução do consumo no mercado, a exemplo da varejista SideWalk que entrou em recuperação judicial e alegou que os consumidores estão deixando de fazer compras para apostarem nas plataformas bets.
Por outro lado, temos o Itaú que, em agosto de 2024, publicou seu relatório de Macro Visão afirmando que não encontraram impacto relevante das bets no setor varejista. Ainda assim, a preocupação sobre o impacto financeiro nas famílias brasileiras persiste, especialmente diante da falta de controle efetivo sobre o comportamento dos apostadores.
Proibições e fiscalização rigorosa: lições de outros países
Enquanto o Brasil começa a esboçar uma regulamentação para o mercado de apostas, alguns países europeus, como a Bélgica, adotam medidas mais severas.
Em março de 2023, o governo belga anunciou a proibição de anúncios de apostas em mídias sociais, TV e estádios esportivos, uma tentativa de reduzir o apelo das bets, especialmente entre os mais jovens e vulneráveis. Seria essa uma solução para o Brasil? Proibir ou restringir a publicidade de apostas, da mesma forma como já acontece com os cigarros, pode ser um caminho eficaz para minimizar os danos sociais, evitando que o jogo seja amplamente romantizado e normalizado como algo inofensivo.
A regulamentação brasileira precisa, de fato, avançar para além dos avisos genéricos nas propagandas. É fundamental que se estabeleçam barreiras mais concretas à publicidade massiva das plataformas de apostas, que invadem o cotidiano do cidadão comum, seja na televisão, nas redes sociais ou em eventos esportivos.
Além disso, deve-se implementar auditorias mais rigorosas por parte do governo nas atividades das casas de apostas, verificando a conformidade com práticas éticas e a proteção do consumidor. Um compliance robusto, com due diligence eficiente torna-se fundamental para garantir que menores de idade não participem das apostas e que o sistema financeiro não seja utilizado para a lavagem de dinheiro.
Compliance e due diligence: A necessidade de um controle eficiente
A regulamentação atual, embora um passo na direção certa, ainda peca pela falta de controle mais estrito sobre as práticas internas das plataformas de apostas. O compliance, ou seja, a aderência a regras e normas, precisa ser reforçado.
É essencial que as plataformas adotem processos mais rigorosos de verificação da idade dos jogadores e de identificação de possíveis fraudes. Isso envolve a implementação de due diligence, uma análise detalhada do perfil dos apostadores, que permita detectar comportamentos suspeitos ou fora do padrão, prevenindo, assim, não só a participação de menores, mas também o uso das bets para atividades ilícitas.
Além disso, o Estado deve atuar de forma mais ativa na fiscalização desse setor, realizando auditorias regulares e estabelecendo punições para plataformas que operam fora dos parâmetros legais.
Conclusão: A regulamentação como proteção social
O mercado de apostas esportivas online no Brasil é vasto, lucrativo e, sem dúvida, veio para ficar. No entanto, sua regulamentação precisa ir além da formalidade. Para que a população, especialmente a mais vulnerável, não seja prejudicada, é necessário implementar uma legislação mais rígida, que inclua a proibição de publicidade ostensiva e uma fiscalização governamental eficaz e constante.
O Brasil precisa aprender com os exemplos internacionais e não apenas controlar o mercado, mas proteger seus cidadãos dos perigos associados ao vício em jogos de azar e à destruição financeira que ele pode causar. Afinal, se o “jogo responsável” é o lema, é preciso que as regras do jogo sejam claras, justas e, sobretudo, aplicadas com rigor.
Roger Barbosa é advogado com especialização em Direito Corporativo e Compliance (Escola Paulista de Direito) e Governança, Risco, Controle e Compliance (Universidade de São Paulo – USP/Fundace). Certificado PQO-Compliance e CPC-A. Membro da Comissão Especial de Compliance da OAB/SP e da Comissão Permanente de Governança e Integridade da OAB/SP. Advogado especialista em Compliance.