Minha vitória no caso Clearstream
O que fez a grande imprensa diante dos gigantes das finanças? Curvou-se. Por ter investigado a câmara de compensação luxemburguesa Clearstream, o jornalista Denis Robert sofreu uma dezena de processos judiciais, ironias e o silêncio constrangedor de seus “colegas”. Hoje, a justiça lhe dá razão
A Corte de Cassação, a mais alta jurisdição francesa, me deu ganho de causa na batalha que travei há uma década contra a transnacional Clearstream. Total e definitivamente. Por muito tempo qualificada como “controversa” ou “fantasiosa” pelos responsáveis pela comunicação da empresa e seus advogados, minha investigação foi então completamente validada. Meus dois livros e meu documentário – retirados das prateleiras durante meu processo por difamação – reapareceram na França.
Cada uma das sentenças, datadas de 3 de fevereiro de 2011, foi redigida em termos precisos e sem ambiguidade. Longe do tumulto, após terem avaliado todos os elementos do pesado dossiê, os altos magistrados franceses se voltaram contra aqueles que me atacaram. Sua decisão se tornou jurisprudência. “O interesse público do assunto tratado e a seriedade comprovada dos dados levantados por um jornalista investigativo validam as afirmações e as acusações litigiosas”, observaram os magistrados. Consequência: nenhuma única frase de meus livros e nenhum comentário de meus filmes pode ser considerado difamatório. O cursor acaba de subir um degrau em matéria de liberdade de expressão, e não sou o único a ser beneficiado com isso. Na França, muitos advogados já se baseiam com sucesso nessas sentenças em casos que opõem jornalistas e poderosas instituições financeiras.
Foram necessários dez anos para avaliar a cegueira dos dirigentes da Clearstream que, em 2001, prestaram queixa contra mim por difamação. Os responsáveis pela Bolsa de Frankfurt, a Deutsche Börse Clearing (DBC), que assumiram a empresa após o escândalo despertado por minha investigação em 2002, não deram mostras de mais clarividência, mantendo e incentivando essas queixas. Eles agora se encontram diante de uma nova realidade judicial.
A imprensa financeira não tem dado muita repercussão a essa vitória que revela os segredos do comércio interbancário. Com 1.700 empregados entre Frankfurt, Nova York, Londres e Luxemburgo (onde fica sua sede social), a Clearstream não é um banco como os outros. Presente em 107 países, dos quais quarenta são paraísos fiscais, ela detém – com sua concorrente belga Euroclear – o monopólio da compensação bancária internacional.
A Clearstream é uma clearing house, termo em inglês para “câmara de compensação”: ela pratica o que os negociadores do mercado financeiro chamam de “pagamento-entrega”. Seus clientes, instituições financeiras que negociam entre si, enviam seus valores1 pelo canal da informática. A Clearstream calcula então o saldo líquido das várias operações e depois efetua o pagamento. André Lussi, o diretor executivo (CEO) da Clearstream no momento da investigação,2 a define como o “banco dos bancos”: “Os particulares têm contas nos bancos e os bancos têm contas conosco”, explicou, antes de concluir que as equipes da Clearstream faziam o papel de “notários do mundo”. “Na Clearstream tudo é assinalado, registrado e arquivado.”3
A identidade notarial da Clearstream não foi usurpada. Em um universo financeiro no qual as transações foram desmaterializadas, as câmaras de compensação são encruzilhadas informáticas nas quais tudo se paga e principalmente se registra. Elas desempenham ao mesmo tempo o papel dos agentes que operam com a velocidade das fibras ópticas e o dos notários high-techque arquivam e garantem os intercâmbios financeiros.
Em sua origem, no início dos anos 1970, a Clearstream e a Euroclear haviam inventado a FaxMoney. Era o fim das maletas de dinheiro ou das ações em papel − as ordens eram dadas por telex, depois por fax. Graças à compensação bancária, não havia mais nenhuma transferência física de dinheiro ou de valores. Depois, tudo se resolve por meio de sistemas de escritura contábil no interior da rede de informática da Clearstream, que os banqueiros chamam de “cofres-fortes eletrônicos”. Graças à internet e aos progressos da informática, o montante das ordens de compra e venda se multiplicou. No entanto, em quarenta anos, apesar das mudanças acionárias, a sede da Clearstream não se transferiu de Luxemburgo, onde os juízes nunca foram muito rigorosos e onde os políticos se mostraram sempre muito condescendentes com bancos e trustes.
Em janeiro de 2011, a empresa se tornou alemã e anunciou ter registrado em suas contas 11,4 trilhões de euros em valores. Principalmente títulos. Um trilhão são doze zeros: 11.400 bilhões de euros em valores que pertencem aos clientes da Clearstream registrados nos discos rígidos dos computadores do Kirchberg, o bairro financeiro próximo ao aeroporto de Luxemburgo. Comparando, para “salvar os bancos” em 2008, o Estado francês concedeu 360 bilhões de empréstimos garantidos. Um bilhão tem nove zeros… À época, perguntei-me por que a Clearstream e a Euro-
clear nunca haviam contribuído com tais operações. Continuo me perguntando isso.
Segredos desvendados
Minha investigação é formal: a Clearstream, organismo financeiro em sua origem, foi desvirtuada. Correspondências, listagens, microfichas, dezenas de testemunhos, a maioria filmada, permitiram revelar um sistema de contas obscuras, o desaparecimento organizado de transações, a abertura de contas em proveito de transnacionais, a grande probabilidade de uma contabilidade dupla, o abrigo de bancos mafiosos ou ligados ao terrorismo, a ausência de controle das autoridades luxemburguesas, a cumplicidade dos auditores, a demissão do pessoal que se recusava a efetuar manipulações contábeis, e assim por diante. Pela primeira vez, os contornos e os segredos de uma finança realmente paralela foram desvendados.
Meus livros e meu documentário não se contentam em expor esses problemas estruturais inquietantes. Eles apresentam dezenas de exemplos muito concretos de disfunções. Revelam, entre outras coisas, como o governo dos Estados Unidos utilizou a empresa luxemburguesa para mascarar o pagamento do resgate dos reféns norte-americanos detidos na embaixada de Teerã em 1980. Ou como, em 2001, a falência argentina poderia ter sido prevista, até mesmo evitada, se controles independentes e regulares tivessem sido efetuados na Clearstream. Explico como o Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano, se serviu – desde a criação da Clearstream – desse canal para transferir discretamente seus fundos e negociar com os Estados Unidos. Rivunion, a sociedade suíça no centro dos pagamentos de comissões no caso Elf, também tinha uma conta na Clearstream, como também os bancos ligados ao terrorismo. Além disso, eu inventariei 6.652 contas abertas em 2001 em paraísos fiscais (de um total de 33.341).
Com o “caso Clearstream”, estamos no centro do debate atual sobre a regulamentação do capitalismo. Os arquivos da empresa constituirão uma ferramenta preciosa na luta contra a criminalidade financeira. Seria interessante, por exemplo, pedir aos atuais dirigentes da câmara de compensação e aos administradores da DBC que controlam o grupo que forneçam os registros dos movimentos sobre a conta U0646, aberta em Nova York em 1999 e que pertence a um certo Bernard L. Madoff – uma conta ainda ativa quando de sua prisão, no final de 2008. E por que não tentar conhecer suas explicações a propósito de um “erro” de 1 trilhão de euros no balanço contábil dos ativos da sociedade, revelado pelo Financial Times em 2001 – erro sobre o qual a empresa nunca se explicou realmente?
Pois a Clearstream sempre soube habilmente escapar da tempestade e desviar o interesse dos jornalistas e dos políticos. O único momento de relativo pânico no estado-maior da sociedade foi o lançamento de meu primeiro livro, que levou uma centena de deputados europeus – entre os quais franceses, italianos, escandinavos, trabalhistas ingleses e verdes alemães – a pedir a criação de uma investigação parlamentar com poderes coercitivos. O comissário holandês Frits Bolkestein (que se soube, mais tarde, ser ligado ao grupo petroleiro Shell e ao banco russo Menatep, ambos clientes importantes da Clearstream) tinha rejeitado essa ideia, argumentando que Luxemburgo era “um Estado soberano” e que “apenas ele poderia investigar”. Continuamos esperando…
Isso se tornou tão urgente que a justiça norte-
-americana também se interessou pela Clear-
stream. Em 9 de março de 2011, o deputado republicano Stephen Austria solicitou ao ministro das Finanças dos Estados Unidos que se opusesse ao projeto de fusão entre a DBC e a Bolsa de Nova York, o New York Stock Exchange (NYSE). Essa fusão foi no entanto efetivada depois de aprovada pelos acionistas norte-americanos, em 7 de julho passado. Dirigindo-se ao ministro das Finanças, Timothy Geithner, em uma audiência pública no Capitólio, o deputado perguntou: “Você não fica preocupado diante da perspectiva de a Bolsa de Nova York ser dominada por uma sociedade que supostamente mantém relações comerciais com o Irã?”. Ele retomou uma investigação, publicada em dezembro de 2009 pelo Wall Street Journal, demonstrando que a Clearstream trabalhava com bancos e sociedades iranianas.
Na opinião de Austria, era inconcebível que uma sociedade norte-americana fosse ligada financeiramente a empresas de um país “delinquente”: “Pelo menos US$ 2 bilhões de fundos iranianos de posse da Clearstream foram congelados como parte dos esforços das famílias de nossos soldados para obter reparação”, lembra, fazendo referência aos marines mortos ou feridos quando dos atentados terroristas orquestrados pelo Irã e a uma decisão judicial que visa processar penalmente em solo norte-americano qualquer empresa dos Estados Unidos “que trabalhe” com companhias iranianas. O ministro do presidente Barack Obama invocou o segredo de defesa para não responder à questão, indicando no entanto que os “interesses norte-americanos [seriam] preservados neste caso”.
A reação
Diante desses fatos, a Clearstream se curvou. Sem alvoroço, sem comentários. Em dez anos, os dirigentes da empresa nunca responderam a nenhuma das perguntas sobre sua contabilidade, a confiabilidade do sistema de informática, a presença dos clientes duvidosos e o desaparecimento de determinadas transações sensíveis. Com a colaboração das repetidas crises, a questão de um controle independente sobre a Clearstream ganhou acuidade e pertinência. Como explicar tal silêncio sobre um caso tóxico com dimensão global?
O pouco interesse dos políticos pelo funcionamento da retaguarda (back office) interbancária não ajudou. No que se refere a mim, o segundo caso – o das listas falsas, nas quais meu trabalho foi deturpado – veio utilmente (para a Clears-
tream) poluir o primeiro.4 Quantas vezes ouvi advogados ou jornalistas que jamais abriram um de meus livros ironizarem meus “erros”, me chamarem de “falsificador” ou de “conspirador”?
O advogado da Clearstream, um especialista em difamação muito conhecido em Paris, soube habilmente se aproveitar de suas relações com a imprensa e fazer uma campanha contra mim. Tive direito a um tratamento especial, mesquinharias sucessivas nas colunas do Libération, L’Express, Journal de Dimanche, Point, dos editoriais repletos de fel em Charlie Hebdo. Mas o prêmio de desinformação fica indubitavelmente com o Le Monde, que, impulsionado por seu diretor de redação Edwy Plenel (1996-2004), tomou imediatamente partido da Clearstream. O jornal me tratou de “obcecado”, “romancista-investigador”, e abriu suas colunas ao dirigente da câmara de compensação.
Agora, só tenho amigos. O Le Mondepublicou um artigo de uma página, em junho de 2011, reconhecendo a vitória de “um marginal da informação”. Essa marginalidade nunca foi escolha minha. Se a informação que eu produzo se propaga, principalmente através da internet, o silêncio permanece globalmente aceito nas mídias dominantes (em particular na imprensa econômica) quanto às revelações de meus livros. A explicação vem provavelmente das ameaças de processo e às pressões amigáveis mas permanentes sobre as redações dos jornais. Esses repetidos ataques influenciaram, no decorrer dessa maratona judiciária, alguns magistrados que iriam me julgar.
Durante dez anos, enfrentei 62 processos judiciais, recebidos de centenas de oficiais de justiça que, quando chegaram a trezentos, parei de contar. O que os bancos me pediram em indenizações arruinaria minha família e meus amigos por muitas gerações. O auge da arrogância e do comprometimento do aparelho midiático foi em 22 de outubro de 2008. Nesse dia, a Clearstream comprou um espaço publicitário no Le Mondepara me propor um negócio. Lembrando que eu acabara de ser condenado por difamação pelo Tribunal de Segunda Instância de Paris, concluindo como “fútil” minhas “pretensas revelações”, constatando que a verdade estava “estabelecida”, ela me propunha acabar com as perseguições se eu aceitasse retirar meus recursos. Eu era vítima, segundo eles, de minha “própria obstinação” em difamá-los “sem trégua há sete anos”. Em uma carta aberta a seu CEO, Jeffrey Tessler (sucessor de Lussi), eu recusei a proposta.
Depois de todos esses processos longos e caros, meu trabalho foi enfim reconhecido.5 Após dez anos de censura e de um blecaute, a Corte de Cassação francesa e o Congresso norte-americano iniciam agora um novo tempo. O da ação. Ignoro o que os dirigentes alemães da DBC, que inevitavelmente constataram os desvios após sua fusão, iniciaram desde 2002. Como a justiça luxemburguesa é pouco preparada para tratar desses assuntos, e com a justiça europeia ainda vacilante, somos obrigados a esperar que a limpeza seja feita.
Devemos nos contentar com isso? Devemos achar suficiente o – muito sucinto – comunicado publicado pela Clearstream após minha vitória, “constatando legalmente a decisão suprema francesa e ficar esperando o que vem a seguir”? Centenas de milhares de cidadãos europeus também esperam o resultado. É o meu caso.