O ressentimento socialista de Mussolini
Como o jovem socialista Benito Mussolini, criado em berço marxista, se tornou um dos maiores ditadores do século XX e crítico do comunismo?
No dia 29 de novembro de 1914, o então jornalista e escritor do jornal Avanti!, Benito Mussolini, foi expulso do partido socialista, sendo uma das causas apontadas a postura de defesa à entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial. Inflado pelo nacionalismo exacerbado, o jovem Mussolini, apaixonado pelas polêmicas, se irritou com os dirigentes socialistas pela postura neutra em relação à entrada da Itália na guerra. Antes disso, ainda como editor do Avanti!, lançou-se contra a postura reformista do partido, afirmando que a política parlamentar era inútil. Como o jovem socialista, criado em berço revolucionário e marxista, se tornou um dos maiores ditadores do século XX e crítico do comunismo?

Benito Amilcare Andrea Mussolini, nascido em Predappio, região da Emiglia-Romagna, teve seu nome escolhido em homenagem ao indígena Benito Juárez, revolucionário, que se tornou presidente no México. Seu pai, Alessandro, pregava sua fé revolucionária para quem quisesse ouvir. Sua mãe, Rosa, não compartilhava o ardor revolucionário do marido. Todavia, a Romagna vivia uma era central dos movimentos anarquistas e socialistas da Itália, sendo nesse cenário que o jovem Benito foi criado. Cresceu admirando figuras como Garibaldi, Piscane, Mazzini, e tantos outros líderes revolucionários na Itália, além dos anarquistas Carlo Cafiero e Mikhail Bakunin.
Aos 27 anos se torna secretário da Federação Socialista de Forlí, dirigindo um jornal chamado L’idea socialista, rebatizado de Lotta di classe posteriormente. Uma das características fundamentais dos escritos de Mussolini nesses periódicos era a postura anticristã e anticlerical, fora a defesa dos sindicatos e o discurso anti-capitalista. Nos escritos do historiador A. James Gregor, entendemos que mesmo Mussolini se intitulando como marxista, descrevendo Marx como “o maior de todos os teóricos do socialismo”, sua ideologia não era como a um marxista ortodoxo, mas de um que frisou a importância da realização da revolta pela ação violenta, marcado por muitos como um “marxista herege”. Em 1910, Benito participou do XI Congresso Socialista de Milão, votando pela autonomia do Partido Socialista Italiano. Em uma carta à sua amante judia, Margherita Sarfati, diria o jovem ativista: “Meu pai não me deixou nenhum bem, mas herdei dele um tesouro: a ideologia socialista. Juro permanecer fiel a este ideal até meu último dia de vida”.
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Ruptura
O que levou, portanto, a ruptura de Mussolini com o socialismo, ao ponto de ser um declarado e ferrenho opositor de tal corrente ideológica? Segundo o vencedor do prêmio Pulitzer de Biografia, David Kertzer, em seu livro “O Papa e Mussolini”, no qual mostra a conexão entre Pio XI e o fascismo, Benito sempre teve desdém revolucionário pela democracia parlamentar, e era encantado pelas possibilidades da ação violenta. “Ele [Mussolini] percebeu que o caos que cercava o fim da Grande Guerra tinha criado um vazio, e sua intenção era preenchê-lo”. Dessa forma, após sua saída dos círculos socialistas, Mussolini lança seu próprio jornal, Il Popolo d’Italia, apoiado por industriais poderosos que se beneficiaram com a entrada da Itália na guerra, e que permaneceria por mais três décadas como o veículo de comunicação do ditador. Concomitantemente, foram constituídas as células revolucionárias, as Fasci d’azione rivoluzionaria, que pediam o fim da monarquia e a entrada da Itália na guerra. Imerso num clima de constante crise econômica, Mussolini encontra um eleitorado natural para firmar seus propósitos anti-democráticos: veteranos de regresso à Itália, ex-militares e combatentes fracassados, de parte dos desempregados insatisfeitos com a falta de oportunidade, além dos próprios industriais e empresários que viam a possibilidade de lucro no apoio ao líder anti-comunista. Explorando seu nacionalismo, no intuito de controlar sua belicosa prole política, Mussolini abandonava os velhos camaradas socialistas e abraçava novas crenças, sem pestanejar, apresentando-se como representante da ordem, da lei e do orgulho nacional. O biógrafo David Kertzer assegura, que era da personalidade de Mussolini ser “leal aos amigos, mas capaz de guardar um rancor crônico contra quem fizesse pouco dele”.
Ademais, a ruptura com os socialistas, o gradativo aumento do sentimento nacionalista, em adição a crise econômica pós-guerra, além do fomento da adoração da sua própria imagem como Dux (líder em latim, que posteriormente fora adjetivado em italiano por Duce), foram os fatores que guinaram à extrema direita o pensamento de Benito Mussolini. A disposição natural de Mussolini à insubordinação e ao caos, além do egocentrismo exacerbado, presentes desde seus anos frente aos círculos socialistas, já indicavam o possível perigo em tê-lo como líder. Mussolini encontra na radicalidade do discurso nacionalista a possibilidade de ser o que mais desejava: adorado pelos fracassados de guerra e ressentidos.
Seu desejo nunca foi de uma Itália unificada e forte, como exaustivamente proclamava em seus discursos, mas de uma Itália unificada em sua figura e serva de suas vontades e devaneios. O cenário perfeito foi encontrado para se aliar à extrema-direita.
Railson Barboza é bacharel em Filosofia (PUC-Rio). Doutorando e mestre em Política Social (UFF).
O texto está muito bem escrito! Poucos sabem – eu pelo menos não sabia – que Mussolini havia sido socialista.
Realmente o título é bem sugestivo. No fundo parece que Mussolini tinha um ressentimento pela sua expulsão do partido. Por isso abraçava qualquer crença que fosse opositora do sociaismo.
Parabéns ao Diplomatique e ao autor. Ótimo texto !