Na Espanha, direita contra direita
Recuperar conscientemente o terreno (já bem demarcado) do neoconservadorismo: essa é a missão da fundação política de José Maria Aznar. O antigo chefe de governo espanhol espera, assim, tomar o poder que hoje está com seu rival, o primeiro-ministro Mariano RajoyGuillaume Beaulande
No coração do bairro abastado de Salamanca, em Madri, ergue-se uma torre de vidro e mármore cinza. O sexto andar abriga o “laboratório de ideias” do Partido Popular (PP), a Fundação de Análise e Estudos Sociais (Faes), presidida por José Maria Aznar, ex-presidente do governo espanhol de 1996 a 2004. A Faes não se reduz à batalha ideológica: também fiscaliza o governo atual, oriundo do PP – pois o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, sofreria de uma falta cruel de audácia. Regime drástico de austeridade, restrição de liberdades civis, questionamento do aborto legal, tudo isso é pouco: a Faes se alarma, desde 2009, de um inquietante “desvio ao centro”.1 Com essa estrutura, Aznar teria lançado os pilares de uma base política cuja estratégia sumária é uma escalada de agressividade permanente?
A partir dos anos 1990, a Espanha viu nascer um leque de fundações, ligadas ou não a partidos políticos. Mas apenas a Faes, a partir de 2002, com a agenda de contatos de seu presidente, ganhou envergadura internacional. A agregação de uma miríade de microestruturas que gravitam ao redor do PP transformou a fundação em laboratório de ideias do partido, no qual Aznar experimentou rapidamente uma possível reconversão e usufruiu um trampolim eficaz que lhe permitiu empreender suas batalhas políticas, inclusive dentro de seu próprio campo.
“Fora do Partido Popular, os neoconservadores madrilenos teriam se reduzido a uma marginalidade eleitoral; no interior do PP, podem apresentar-se com uma linha política que disputa a presidência do futuro governo”,2 explicam os pesquisadores Pablo Carmona Pascual, Beatriz García Dorado e Almudena Sánchez Moya. Em outros termos, essa tendência ambiciona tornar-se majoritária no partido para retomar, a curto prazo, as rédeas do poder. O objetivo atual da Faes? Oferecer uma alternativa à “melancolia resignada”3 de Rajoy, como anuncia Aznar. Seria necessário, primeiro, colocar a organização em posição de batalha, mobilizar as redes. Parece chegada a hora de lançar a operação ideológico-política de Aznar, que os sociólogos, precipitados, definem como a criação de uma “dupla fronteira”: uma com a esquerda social-democrata do Partido Socialista Operário da Espanha (Psoe) e a outra com o setor moderado do PP.
Além dos fundos privados cujos montantes permanecem desconhecidos, a fundação se beneficia de financiamentos públicos outorgados pelos ministérios da Educação, Cultura e Relações Exteriores e Cooperação, como prevê a lei do mecenato, votada em 1997, apenas alguns meses antes da primeira nomeação de Aznar. Apesar de ferrenha opositora do “Estado mãe”, a Faes recebeu, em 2013, 529.849 dos 900 mil euros distribuídos pelo governo. Essa soma é duas vezes maior que o valor concedido à Fundação Ideas, próxima ao Psoe.
Pôr fim ao excesso de tolerância
Segundo o relatório de 2010 da Universidade da Pensilvânia, que classificou 6.150 think tanks internacionais, a Faes figurava entre os cinquenta mais influentes do mundo fora dos Estados Unidos. Sem dúvida, porque dispõe de importantes vínculos com a imprensa, como um dia se deu conta Barack Obama. Seduzido pela política do ex-chefe do governo José Luis Zapatero no que se refere a energias renováveis, o presidente dos Estados Unidos projetava, em 2009, recorrer às empresas espanholas. O entusiasmo ao redor da visita aos Estados Unidos de Miguel Sebastián – então ministro espanhol da Indústria – rendeu frutos: o defensor do Tea Party e presidente do ultraliberal Instituto Juan de Mariana, Gabriel Calzada, próximo ao PP, redigiu às pressas um relatório de 51 páginas contra as energias renováveis. Como prova de seriedade, o documento veio timbrado pela Universidade Rei Juan Carlos (URJC) de Madri. O argumento central: “Cada emprego gerado no campo das energias renováveis destitui 2,2 postos em outros setores”. Pior: o setor teria provocado “a explosão da bolha espanhola”.4
Na ocasião, explica o jornal espanhol Público, “a Faes mobilizou suas redes além-mar” entre os céticos do clima “para ecoar ao máximo” o relatório.5 Replicado pela Heritage Fundation, principal interlocutora da Faes do outro lado do Atlântico, o texto obteve uma enorme repercussão em mais de trezentos meios de comunicação. Todos pertenciam ao grupo de Rupert Murdoch, que Aznar “aconselha” em troca de uma remuneração anual de 198.112 euros.6 Essa campanha eficaz obrigou a secretária de Estado para as Mudanças Climáticas da época a enviar um contrarrelatório ao Congresso dos Estados Unidos para esfriar os debates. Em vão: o presidente Obama parou de citar a Espanha como modelo para sua estratégia verde.
“Liberdade individual, democracia e economia de mercado” constituem o tríptico sobre o qual repousa a Faes. Ao nos receber, porém, Javier Zarzalejos, atual secretário-geral da fundação e fiel braço direito de Aznar, prefere falar de “defesa do Ocidente como esfera política, cultural e moral”. “O hipersentimentalismo do discurso político”, do qual, segundo Zarzalejos, Zapatero seria “mestre”, conduziu a Faes a emprestar dos neoconservadores a teoria do “coração que sangra”: o buenismo [“bonzismo”].
O conceito evidenciaria a imperícia da social-democracia – e de uma direita considerada muito tímida, como a de Rajoy – e sua propensão ao “pacifismo nas relações internacionais, à extrapolação multiculturalista, à ideia de tolerância ou a interpretar a economia como uma solidariedade”.7 O bonzismo,para Zarzalejos, é a “negação sistemática da confrontação e a recusa em julgar a ação política como boa ou má”, em resumo, a “negação da realidade”. Um dos fundadores dessa corrente de pensamento não definiria o neoconservador como “um neoliberal assaltado pela realidade”?8 Em vez de “neoconservador”, Zarzalejos se diz herdeiro do conservadorismo liberal, esse casamento do liberalismo econômico com a ideia de que o Estado deve agir como a garantia moral da “grande tradição ocidental”.
Questionado nos últimos meses sobre um possível retorno à arena política, o presidente da Faes respondeu: “Jamais fujo às minhas responsabilidades, que assumirei com minha consciência, meu partido, meu país”.9
*Guillaume Beaulande é jornalista.