Na Índia, os “bons dias” vão ter de esperar
Entre abril e maio, 850 milhões de indianos irão às urnas escolher os membros da Câmara, que por sua vez designará o próximo primeiro-ministro. Ninguém arrisca qual será o impacto eleitoral das greves gerais que sacudiram o país em janeiro, uma das mais poderosas manifestações populares dos últimos anos
Enquanto o Bharatiya Janata Party (BJP), o partido nacionalista hindu no poder, busca renovar suas chances nas urnas na primavera, as ruas não esperaram: em 8 e 9 de janeiro, em toda a Índia, entre 150 milhões e 200 milhões de pessoas deixaram o trabalho para sobrecarregar as cidades com sua cólera. Ônibus nas garagens, bancos fechados, crianças em idade escolar em férias forçadas, rodovias bloqueadas, imagens do primeiro-ministro queimadas: em toda parte, a economia foi perturbada. Dezenas de ativistas foram detidos pela polícia e trabalhadores foram gravemente feridos, com fraturas expostas e golpes na cabeça, particularmente no estado do Rajastão.
“Os bons dias estão chegando”, proclamava em 2014 o slogan de campanha de Narendra Modi, o atual primeiro-ministro. Cinco anos depois, os dias ruins não parecem prestes a terminar. É verdade que o crescimento, de mais de 7%, permaneceu robusto, dando origem a recentes cumprimentos do FMI.1 Mas os números do desemprego são tão calamitosos que, desde 2016, o Ministério do Trabalho não divulga mais estatísticas. Jovens migrantes vindos do campo estão inchando os centros urbanos, prontos para aceitar tudo. Até quem tem diploma encontra dificuldade para conseguir emprego. Em 2018, a companhia ferroviária abriu 63 mil vagas – 19 milhões de pessoas se candidataram!
Modi iniciou a privatização do setor ferroviário e dos bancos. Já cortou o orçamento da saúde – que não representava mais que 1,2% do PIB em 2018 – e o da educação – 0,6% do PIB.2 O do Programa de Assistência ao Emprego Rural, o subsídio para cantinas escolares, que fornecia uma refeição grátis para todas as crianças, planos de água potável e missões para a alfabetização estão também em processo de corte.
Também estão sendo questionadas as 44 leis nacionais sobre o trabalho, que introduziram a semana de trabalho de 48 horas – oito horas de trabalho por dia, um dia de descanso por semana – e a obrigação de uma autorização administrativa para as demissões econômicas; um patamar de proteção arrancado com muita luta no momento da independência, fruto de um compromisso com os empregadores e as forças reformistas, e muito invejado pelos vizinhos asiáticos. As leis serão substituídas por quatro regras que reduzem os direitos dos empregados em favor dos empregadores e entravam as liberdades sindicais: tão logo seja votada a Emenda 2018 à lei de 1926 (India Trade Union Act), as autoridades regionais terão novos poderes de ingerência nos sindicatos, tanto para seu reconhecimento oficial como em seus conflitos internos, os quais poderão arbitrar. Por exemplo, no Rajastão, que serve como um laboratório para a política do governo central, será preciso haver 30% de sindicalizados em uma empresa (contra 15% hoje) para que um sindicato possa ser reconhecido.
Eficiência incerta
A “simplificação” da lei sobre os conflitos na indústria (Industrial Disputes Act), de 1947, também permite que fábricas que empregam até trezentos funcionários decidam o fechamento administrativo sem autorização do governo (contra cem funcionários anteriormente). “Agora, 86% da indústria está nessa condição e pode, portanto, explorar livremente os trabalhadores graças a essa cláusula”, comenta Amarjeet Kaur, secretária-geral do Congresso dos Sindicatos da Índia (Aituc), filiado ao Partido Comunista da Índia (PCI). Os contratos com duração determinada, antes reservados à indústria têxtil, foram estendidos a todos os setores, em nome da flexibilidade.
E mais: a lei trabalhista diz respeito apenas ao setor formal, ou seja, 7% da população ativa, ele próprio com um índice de sindicalização de apenas 2%. Outros setores permanecem muito difíceis de organizar. No entanto, a greve de janeiro viu a convergência, modesta, mas cada vez mais visível, do setor público e do setor informal (trabalhadores da construção civil, trabalhadores domésticos, condutores de riquixá e taxistas…). Sem mencionar os camponeses e os empregados do setor agrícola.
No entanto, essa ampla mobilização pode realmente ameaçar as forças antissociais no comando do país? Nada menos seguro que isso. A Índia está acostumada a grandes marchas simbólicas e greves gerais; a de janeiro é a terceira do quinquênio Modi, depois das de setembro de 2016 e de setembro de 2015. Dessa vez, cerca de uma dúzia de sindicatos se reuniu em torno de uma plataforma comum, e aqueles afiliados a diversas forças comunistas eram, como sempre, a maioria. Mas a central social-democrata, o Congresso Nacional Sindical Indiano (Intuc), foi colocada em primeiro plano, apenas para dar credibilidade como força de oposição ao Partido do Congresso, ao qual está ligado. Já a oposição comunista – o PCI, o Partido Comunista Indiano Marxista (PCI-M) e o Partido Comunista Indiano Marxista-Leninista (PCI-ML) – não está preparada para forjar um movimento político comum que representaria as aspirações dos mais desfavorecidos: trabalhadores, mulheres, muçulmanos, populações tribais, dalits.
Enquanto isso, os intelectuais militantes – estudantes, professores, jornalistas etc. – sofrem pressões e prisões. Um “macarthismo à moda indiana”, para retomar as palavras do escritor Anand Teltumbde, assediado pela polícia.3 Muitos, inclusive na esquerda radical, esperam a vitória nas eleições da primavera de uma coalizão liderada pelo Partido do Congresso, símbolo de um neoliberalismo com uma face mais humana…
*Naïké Desquesnes é jornalista.
1 “India’strong economy continues to lead global growth” [A forte economia da Índia continua a liderar o crescimento global], FMI, Washington, DC, 8 ago. 2018.
2 Business Standard, Nova Déli, 4 fev. 2018.
3 Anand Teltumbde, “McCarthyism in Modi’s India” [Macarthismo na Índia de Modi], Jacobin, 23 out. 2018. Disponível em: <www.jacobinmag.com>.