Nas cidades, o movimento da juventude
A “urbanização” dos problemas político-econômicos levantados pelo movimento espanhol confere a este uma dimensão concreta que pode ser apropriada por todos. Ela sugere, simultaneamente, uma constatação política simples: a mera presença coletiva pacífica, mas prolongada, em lugar público soa como um ato de resistênciaMax Weisbrot
Não, não, não vamos nos mudar!
Porque a nossa vida está neste lugar, não vamos nos mudar!
‘Nós não vamos nos mudar’,
é a nossa geração!”
(Canto dos “indignados” espanhóis)
A rua árabe” para designar os movimentos de protesto que florescem no Oriente Médio e na região do Magreb, o conflito mítico entre Wall Street e Main Street, recentemente reavivado nos Estados Unidos, “o poder da rua” para evocar os numerosos cortejos de manifestantes na França: a metáfora da rua para falar do povo mobilizado contra a nova injustiça social repercute internacionalmente. Da mesma forma, o manifesto do coletivo espanhol “Democracia Real Ya” (Democracia real já) evoca de imediato em termos urbanos (homens e mulheres da rua) aqueles que se percebem como as principais vítimas de ambos os processos que rejeitam: a conquista do poder e da riqueza por uma elite política e econômica restrita, mas coesa.
Com nomes como Acampada Sol (Acampamento Sol), Toma la Plaza (Tome a Praça) ou ainda No nos Vamos (Não Vamos Embora)1, o movimento espanhol do 15 de Maio não usa, todavia, a rua como simples lugar físico (a rua como local de reunião que precede a ação coletiva) ou simbólico (a rua como espacialização dos dominados). Ele hoje faz dela uma aposta. Essa “urbanização” dos problemas político-econômicos levantados pelo movimento espanhol confere a estes últimos uma dimensão concreta que pode ser imediatamente apropriada por todos. Ela sugere, simultaneamente, uma constatação política simples, mas esclarecedora: a mera presença coletiva pacífica, mas prolongada, em lugar público soa como um ato de resistência.
Democracia e capitalismo
Entender essa nova relação com o espaço urbano dentro dos movimentos sociais implica voltar à moldagem da cidade ocidental por meio de duas forças históricas em tensão: a democracia e o capitalismo. A primeira exige uma apropriação universal e duradoura do espaço público; no entanto, ela é ameaçada pela tendência do último a maximizar os fluxos em nome de sua busca contínua de mobilidade.
Refletindo a estratégia de um regime autoritário e liberal para adaptar a capital francesa à “compressão do espaço e do tempo”2 da qual se alimenta o capitalismo, o momento haussmanniano aparece como uma data-chave na história da urbanização ocidental. Com efeito, o barão Georges Eugène Haussmann introduziu, em meados do século XIX, uma nova concepção da cidade, que se difundiria amplamente e que pode ser descrita como “máquina de mobilidade”.3 Em duas décadas, ele destruiu o entrelaçamento das ruas medievais, sede de uma economia e uma sociabilidade estreitamente localizadas, e abriu avenidas largas destinadas a acelerar os fluxos na escala de uma cidade também em vias de ser ligada às periferias francesas por meio do desenvolvimento da rede ferroviária. Enquanto os grandes banqueiros em ascensão financiavam a urbanização de maneira muito lucrativa, uma febre especulativa tomava conta dos parisienses. O valor de troca da moradia assumiu precedência sobre seu valor de uso. No final da “época das barricadas”, os trabalhadores foram deslocados massivamente para a periferia, enquanto a burguesia tomava posse dos novos imóveis do centro, assim como das grandes avenidas, a partir de então concebidas como badalados lugares de consumo. Reprimida de forma sangrenta, a Comuna de 1871 pode ser parcialmente analisada como uma tática insurrecional que visou, sem sucesso, alterar essa evolução do sentido da cidade.
Num primeiro momento, essa concepção da cidade não se generalizou. O desenvolvimento da estrutura urbana europeia apoiou-se no desenvolvimento da indústria. Os capitais industriais eram menos móveis e a rentabilidade de uma fábrica derivava de sua operação em longo prazo. Realizar o capital industrial envolvia, portanto, mobilizar os serviços duráveis de uma mão de obra trabalhadora numerosa. Os capitalistas construíram a cidade industrial como uma espécie de “buraco negro”, para o seio do qual uma mão de obra cada vez mais distante se viu atraída, e no qual depois foi fixada por toda uma série de incentivos. As company towns, como Le Creusot, na França, ou Colònia Güell, na Espanha, aparecem como arquétipos desse “urbanismo da imobilidade”. Melhora das moradias, construção de equipamentos coletivos, prestação de novos serviços: o trabalhador, estabelecido o mais perto possível de “sua” fábrica, não devia ir para outros lugares. Paralelamente, reprimia-se a vadiagem, exemplo típico de uma mobilidade incontrolável e potencialmente “contagiosa”, temida tanto pelo patronato quanto pelo poder público.
No entanto, em meados do século XX, o desenvolvimento conjunto do automóvel de massa e do urbanismo moderno viu aumentar a mobilidade. Mas ainda se tratava de uma mobilidade controlada, rotineira, confinada entre a moradia (espalhada pela periferia) e o trabalho (no centro-cidade). Sua generalização foi denunciada desde os anos 1950 por vários movimentos de contracultura, como a Beat Generation nos EUA, ou os situacionistas na França, que reforçavam a vadiagem ou incitavam à “deriva”.
A cidade neoliberal
A partir dos anos 1970, o capitalismo ocidental sofreu nova transformação, dessa vez sob o efeito do aumento dos fluxos em escala global e da nova divisão internacional do trabalho. À medida que capitais e empregos industriais mudavam para lugar diferente de seu local de origem, a concepção da cidade como “buraco negro” tornou-se obsoleta. A contestação da mobilidade restrita e rotineira pelos movimentos de contracultura foi desviada e amplificada pela mídia, que glorificou então o indivíduo “empresário de si mesmo”, aquele que não hesitava em ultrapassar as barreiras espaciais para construir sua vida pessoal e profissional. Essa injunção reflete um novo imperativo sistêmico, o de reduzir o ritmo tanto da frequência quanto da escala – agora global – dos deslocamentos. Máquina de mobilidade pensada para maximizar os lucros, a cidade neoliberal não se baseava mais no confinamento geográfico nem na melhora das condições de vida das camadas populares.
Uma vez mais, Paris se colocou na linha de frente com a organização de La Défense, conjunto industrial e operário remodelado a partir dos anos 1960 para abrigar as empresas mais inseridas na globalização. À dimensão dos fluxos que atravessam La Défense corresponde, de maneira evocativa, um urbanismo pensado de forma a reduzir o ritmo. Como observou o filósofo Zygmunt Bauman em sua discussão dos “espaços públicos, mas não civis”, a enorme praça que constitui o coração do bairro não compreende, assim, nenhum elemento que permita aos que passam estacionar no espaço público;4 a única forma de fazê-lo é desviar a função da escada do Grande Arco, como fazem os trabalhadores e os turistas que se sentam em seus degraus para almoçar em dias ensolarados. Os espaços de fluxo perpétuo como essa praça, mas também os terminais de aeroportos, estações de trem, polos de interligação, até mesmo anéis viários, avenidas e shopping centers correspondem aos sinais de “uma cidade que ganha”. Os vereadores de cidades europeias partilham essa visão que se espalha agora por municípios médios, sob o pretexto do aumento da concorrência internacional.5
Nesse novo contexto, o pretensamente fraco grau de mobilidade das populações urbanas pauperizadas é visto como entrave ao crescimento urbano e potencial ameaça à ordem pública. De “buraco negro”, a cidade pós-industrial, agora integrada às intercomunalidades “metropolitanas”, é repensada como um “pulsar” que acelera a mobilidade cotidiana de seus moradores, tanto permanentes quanto temporários – sendo que os turistas constituem um fluxo cada vez mais desejado. A própria concepção do espaço público urbano foi profundamente alterada. Sob o pretexto de “prevenção situacional” e rarefação de “oportunidades de delinquência”, o mobiliário urbano acusado de favorecer a instalação de “inimigos imóveis” (mendigos, prostitutas, sem-teto…) se vê destruído, como é o caso dos bancos de parques ou abrigos de ônibus que estão desaparecendo diante de nossos olhos. Os ambulantes que tentam introduzir uma economia informal dentro dos espaços de fluxo estão, por sua vez, sujeitos à perseguição policial. Na França, a lei de “segurança interna”, promulgada em 2003, cria novos crimes e penas para a atividade das prostitutas, reuniões nos corredores de edifícios, ocupação de prédios e mendicância. Essas práticas envolvem a mesma característica física, corporal: a imobilidade espacial dentro da cidade.
Imobilizar o espaço urbano
A cidade como máquina de mobilidade é desigual, até mesmo dual. Para confirmar isso, basta observar a “escalada progressiva” residencial e comercial da maioria dos centros-cidades ao longo das duas últimas décadas: a gentrificação que os vê monopolizados pelos “ganhadores” se explica, sobretudo, por sua localização no centro dos fluxos urbanos e, portanto, por sua promessa de acesso rápido e diversificado a emprego, consumo e lazer. Em contrapartida, para os “perdedores”, levados pelas bolhas imobiliárias a se exilar longe dos nós de fluxo, a mobilidade soa cada vez mais como limitação ou mesmo como sofrimento.6
E o que resulta da cidade como local de produção da democracia? Desde a ágora ateniense, praça do mercado e lugar de deliberação e participação na tomada de decisão coletiva, o espaço público aparece como um lugar – simbólico, mas também, e sobretudo, físico – intimamente relacionado com o bom funcionamento da democracia. Para isso, ele deve ser concebido de maneira a favorecer o intercâmbio, a partilha, o encontro. Sua transformação em um espaço de movimentos perpétuos complica muito concretamente as práticas de sociabilidade, sobretudo as populares e, portanto, a tomada de consciência universal dos interesses, garantia de uma democracia virtuosa.
A contestação da cidade como máquina de mobilidade constitui um tema emergente. Muito diferentes entre si, as novas táticas que visam retardá-la incluem igualmente a “liberação das ruas” do movimento Reclaim the Streets, inspiradas nas “zonas autônomas temporárias” anarquistas,7 e de maneira mais institucional, a rede de “cidades lentas” Città Slow. Ao se imobilizar no espaço público e se apropriar coletivamente dele para trocar e inventar novas práticas, os campistas do 15 de Maio fazem transpor um novo patamar de maturidade na contestação popular da cidade neoliberal. Duramente atingida pela crise resultante da implosão de uma bolha imobiliária nacional, inflada nos últimos trinta anos pelas políticas públicas e que só beneficiou um punhado de bancos e grandes grupos, a juventude “imobilizada” de Bilbao a Málaga demonstra, bem além das fronteiras espanholas, que o sentido da cidade constitui, mais que nunca, uma aposta crucial para o futuro da democracia.
*Max Rousseau é doutor em ciência política e pós-doutorando em urbanismo na Ecole nationale des travaux publics de l’Etat (Vaulx-en-Velin, França).
Max Weisbrot é codiretor do Center for Economic and Policy Research, Washington, Estados Unidos.