Nem Deus, nem Pátria, nem família, nem liberdade
Não é ruim que uma pessoa tenha simpatias pelas ideias de Deus, de Pátria, de família ou de liberdade. Pelo contrário. O problema é a forma como esse governo tira proveito de bonitos conceitos para aplicar políticas diametralmente opostas a eles
A crise política, econômica, social e ética do Brasil é gravíssima. O atual cenário é uma continuação dos principais acontecimentos da última década: as grandes manifestações de rua contra a “corrupção” em 2013, a Operação Lava-Jato desde 2014, a freada da economia pós-2015, o golpe jurídico, parlamentar e midiático contra Dilma em 2016 e as eleições presidenciais de 2018 com Lula preso.
Depois de 580 dias na cadeia, Lula regressou de maneira contundente. Em campanha eleitoral desde o primeiro dia livre, o ex-presidente visitou dezenas de cidades, participou de encontros e reuniões com lideranças sociais e partidárias, articulou a criação de uma frente ampla e foi recebido por eminentes autoridades do mundo inteiro. Mesmo após a fanfarronice da Lava-Jato, parcialmente corrigida após o Supremo Tribunal Federal (STF) cancelar os processos, o candidato do PT continuou tendo grande expressão na vida política nacional.
No primeiro turno de 2022, Lula alcançou 57,2 milhões de votos, 10,2 milhões a mais do que Fernando Haddad havia obtido no segundo turno de 2018. Agora, o PT venceu em 14 dos 26 estados, enquanto Bolsonaro ganhou em outros 12 e no Distrito Federal. Em 2022, o atual presidente obteve quase 51 milhões de votos no primeiro turno, 6,8 milhões a menos do que no segundo turno de 2018. A previsão, de acordo com a maioria das pesquisas, é que Lula ganhe as eleições com uma margem próxima aos 4%. Para tentar evitar a derrota, o atual governo tem abusado do uso da máquina pública e de medidas eleitoreiras.

Governo de destruição nacional
Caso o atual presidente vencesse, seria aprofundada a agenda de destruição do Brasil e do nosso já débil Estado de bem estar-social. Continuariam indo para o ralo os enfraquecidos mecanismos de proteção dos trabalhadores, de amparo aos idosos e de promoção do desenvolvimento do país e da população brasileira. As medidas de Bolsonaro têm sido devastadoras sobre a malha de instituições públicas fundamentais nas mais diversas áreas. O custo de vida aumentou, o poder do salário foi comprimido e os brasileiros têm se alimentado pior. O número de cidadãos em situação de vulnerabilidade social é inédito, alcançando quase a metade da população. As ações governamentais arruínam os instrumentos estatais de forma generalizada, desde o mundo do trabalho e a cultura até o estímulo à ciência e a preservação e o uso sustentável dos recursos da Amazônia.
A prática bolsonarista tem sido nomear para ministérios, secretarias e chefias pessoas identificadas com a sua limitada visão de mundo, alpinistas sociais sem experiência nas funções para as quais foram contratados. Esses são os que o presidente denomina “quadros técnicos”. Dita prática é notória no caso dos ministérios da Saúde, da Educação, das Relações Exteriores, do Meio Ambiente, das Comunicações, do Turismo, de Minas e Energia e da Ciência e Tecnologia, entre outros. Jamais o Brasil foi rebaixado a níveis tão vergonhosos.
Os casos mais dramáticos de aparelhamento e corte de verbas são verificados no Sistema Único de Saúde (SUS), no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e na rede de instituições públicas de ensino. Com a finalidade de promover o desmonte do Estado, de fragilizar o controle público e de facilitar a adoção de normas mais permissivas à ação do capital privado, o governo atenta contra a existência e o pleno exercício das funções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e do Sistema Nacional de Meteorologia (SNM). É grande a lista de instituições públicas atacadas pelas arbitrariedades do governo Bolsonaro.
Dilapida-se, assim, um poderoso arranjo institucional construído ao longo de várias décadas, com reconhecidos serviços executados por milhares de profissionais formados e capacitados. Essa dinâmica de nomeação de autoridades incompetentes, sem qualificação técnica e sem compromisso com o setor público tem efeitos desmoralizantes de cima a baixo, o que conspira fortemente contra o exercício do funcionalismo.
Esse pandemônio promovido pelo governo Bolsonaro chegou a ultrapassar as fronteiras do Brasil. A política externa brasileira assumiu um posicionamento pró-Estados Unidos acrítico e desconcertante, inédito na história do Itamaraty. A postura de submissão a Washington gerou impactos negativos não somente para os interesses nacionais mas também para a integração regional e a cooperação sul-sul, na medida em que obstaculizou as relações do Brasil com importantes parceiros. De relevante ator e articulador de consensos entre nações, blocos e instituições, o país se rebaixou à condição de Estado pária.
No espaço sul-americano, os resultados da trágica administração se refletiram no distanciamento e em um sem número de situações constrangedoras. Em uma atitude pouco convencional para o Itamaraty, o Brasil passou a incorporar-se a iniciativas fragmentadoras, como o Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosur). O país também anunciou a saída do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). A conduta brasileira bagunçou até o Mercosul, que passou a discutir a flexibilização do bloco, a redução das tarifas externas comuns (TEC) e as possibilidades de assinar Tratados de Livre Comércio (TLC) separadamente com outros parceiros. Antes disso, ainda no governo Temer, o Brasil havia entrado para o Grupo de Lima e contribuído para o esvaziamento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
Palavras são só palavras
O que chama a atenção é que o governo Bolsonaro tem sido marcado por grandes denúncias de corrupção, envolvido com o crime organizado em todas as suas facetas: empresários sonegadores, pastores charlatões e a milícia. Os escândalos, de acordo com o Ministério Público, incluem o esquema da “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a lavagem de pelo menos R$ 2,1 milhões em uma franquia da Kopenhagen de um filho do presidente, os pagamentos em cheques de Fabrício Queiroz para a primeira-dama e as compras de 51 imóveis por R$ 13,5 milhões pagos com dinheiro vivo por membros do clã.
Então é realmente chocante que nada disso seja suficiente para evitar que pessoas de bom coração, familiares queridos e vizinhos agradáveis, votem em um personagem desse naipe. Deus, Pátria, família e liberdade? Usa palavras bonitas, de significado grandioso, para esconder o contrário. O atual governo é anti-Deus, anti-Pátria, anti-família e anti-liberdade. Fala em Deus e propaga a violência contra mulheres, a intolerância contra opositores e a insensibilidade contra os mais necessitados. Usa o nome do Divino da forma mais picareta e leviana, com a finalidade de enganar o seu próximo.
Bolsonaro recebe apoio de acusados por crimes de assassinato, violência sexual e sonegação fiscal. Entre os casos de maior repercussão na mídia, estão os do goleiro Bruno, da deputada Flordelis e do ator Guilherme de Pádua. Mas a lista continua com outros “apoiadores de peso midiático”, como jogadores de futebol, atores de televisão e cantores de música sertaneja. Mesmo falando em Deus, o presidente reverencia o facínora e torturador Carlos Brilhante Ustra e, em inúmeras ocasiões, se posiciona ao lado de delinquentes, estupradores e pedófilos. Esse é o governo que estimula a aquisição de armas de fogo pelo cidadão comum. Só em 2021, ocorreram mais de 47 mil homicídios no Brasil, equivalentes a 130 mortes por dia. A compra de armas não fica restrita somente a cidadãos bem-intencionados, que querem defender a sua família e a sua propriedade, podendo chegar também às mãos de infratores e criminosos. Dessa maneira, as medidas governamentais têm facilitado tremendamente a vida do crime organizado, já que as novas normas facilitadoras do acesso a armas e munições têm gerado desorganização dos instrumentos de controle policial.
Por um lado, o governo propicia a comercialização de armas de fogo; por outro, promove uma guerra contra a educação pública, bloqueia e corta recursos, achata salários de professores e prevê aumentar a tributação sobre livros. Segundo dados do Exército, desde 2018, a quantidade de clubes de tiro no território nacional subiu de 160 para mais de 400, muitos deles funcionando sem alvará. Ao mesmo tempo, desde 2015, de acordo com o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), foram fechadas quase 800 bibliotecas públicas no Brasil. Que caminho o país está trilhando ao demolir um projeto integral e universal de educação pública ao mesmo tempo em que promove o consumo de armas, a violência e o embrutecimento?
Bolsonaro fala em Pátria ao mesmo tempo em que é servil aos interesses de outros países, dinamita as estruturas do Estado brasileiro, privatiza e sucateia empresas estatais e elimina direitos sociais. Um presidente que bate continência para a bandeira dos Estados Unidos se torna patriota só porque usa a camisa da Seleção? Um presidente que vendeu a preço de bananas 8 mil postos de gasolina da Petrobrás se torna patriota só porque usa o slogan “Brasil acima de tudo”? O suposto patriotismo bolsonarista é confuso. Um cidadão brasileiro que falsifica visto de residência no Paraguai para comprar carro de luxo no país vizinho se sente patriota só porque pendura uma bandeira do Brasil na janelinha. Assim como um empresário sonegador de impostos exalta o seu patriotismo só porque usa um boné amarelo.
O governo Bolsonaro é entreguista. Até alguns generais da ditadura militar brasileira estariam incomodados com a postura do suposto patriota com relação à Eletrobras, à Petrobras e outras estatais. Segundo a própria Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, em quatro anos, o número de empresas controladas pelo governo federal diminuiu de 209 para 133. Existe patriota que atenta contra a independência e a soberania nacional?
Bolsonaro ainda fala em família ao mesmo tempo em que desrespeita as instituições familiares e as mulheres, responsáveis pelo sustento de metade dos lares brasileiros. Referiu-se à própria filha como uma “fraquejada” e acumula ataques misóginos a jornalistas. Em 2003, disse que só não estuprava uma colega deputada federal porque ela era “feia” e não merecia. Em 2018, chegou a dizer com todas as letras, que, por já possuir casa própria em Brasília, utilizava o auxílio-moradia da Câmara de Deputados para “comer gente”. Há poucas semanas das eleições de 2022, o presidente chegou a sugerir que “pintou um clima” entre ele e meninas venezuelanas de 14 anos. Defensor da família? Só se for da própria, a familícia.
Por fim, fala em liberdade. Mas liberdade para quem? Por que o Ministério Público e a Polícia Federal não têm liberdade para investigar as denúncias contra a família do presidente? Por que Bolsonaro criou decretos com sigilo de cem anos para proteger a si mesmo e à sua família? Que liberdade é essa na qual um professor não pode falar da ditadura militar sem ser rotulado de comunista? Que liberdade é essa na qual um cidadão não se sente seguro de usar uma camiseta vermelha na rua? Qual é a liberdade que um apoiador do PT tem para colar um adesivo de Lula no vidro do carro sem correr o risco de ser agredido? Qual é a liberdade de uma educadora abordar questões de gênero, sexualidade e diversidade com crianças sem ser acusada de estar promovendo as “mamadeiras de piroca”? Qual é a liberdade (e o patriotismo) proposta por um governo que ridiculariza o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira na educação básica? Em quatro anos, o cerceamento da liberdade no Brasil tem sido imenso. A liberdade que aumentou foi a de fazer rachadinhas, lavar dinheiro na Kopenhagen, agredir mulheres, comprar armas, conclamar a intervenção militar, adotar sigilos de cem anos e criar a excrescência do “Orçamento secreto”.
Certamente, em princípio, não é ruim que uma pessoa tenha simpatias pelas ideias de Deus, de Pátria, de família ou de liberdade. Pelo contrário, pode ser muito bom que as tenha. O problema é a forma como esse governo tira proveito de bonitos conceitos para aplicar políticas diametralmente opostas a eles. A situação beira o absurdo. É como se Deus fosse patrimônio de um governo anti-Deus, como se a Pátria fosse propriedade de entreguistas, como se a família fosse de domínio de machistas e como se a liberdade estivesse sob posse de racistas homofóbicos bombados.
Foram muitas, recorrentes e seríssimas as ofensas realizadas pelo chefe de Estado brasileiro a autoridades e governos estrangeiros, a comunidades quilombolas e a cidadãos convalescentes da Covid. No meio da pandemia, manteve uma postura negacionista, ridicularizando os riscos, desestimulando a vacinação, desincentivando o uso de máscaras e fazendo piadas mesmo diante de 680 mil falecidos. A história do governo Bolsonaro, que deve acabar em poucos meses, terá prateleiras de relatos de acontecimentos bizarros e sórdidos.
Do ponto de vista criminal, no entanto, o que mais se destaca, com base em informações do próprio Ministério Público, são as investigações sobre organização criminosa, lavagem de dinheiro e desvio de dinheiro público por membros da família e do alto escalão de Brasília. Ou de superfaturamento nas compras de equipamentos e vacinas para o enfrentamento da pandemia, identificados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Por que ainda votam em Bolsonaro?
A sociedade brasileira está mergulhada em um cenário surreal, iniciado no pré-golpe, em 2013. Desde então, cresceram de maneira assustadora os graus de imbecilidade, embrutecimento, agressividade e individualismo de uma parcela imensa da população. Uma coisa foi ter votado em Bolsonaro pela primeira vez, logo depois da Lava Jato em 2014, da derrubada de Dilma em 2016 e da prisão de Lula em 2018, em uma atmosfera de antipetismo, alimentada sobretudo pela Rede Globo e pelo chamado Partido da Imprensa Golpista (PIG). Outra coisa, bastante distinta, é repetir o erro em 2022, depois de quase quatro anos de um desastroso governo. A situação é realmente desconcertante. Como e por quê as posturas do governo não têm sido suficientes para impedir que “pessoas boas” e “de bem” votem em uma figura tão degenerada?
O que teria levado mais de 51 milhões de brasileiros a depositar seu voto outra vez em Bolsonaro? Para refletir, sugerimos cinco pontos, que se complementam: 1- as mentiras e as medidas eleitoreiras do governo; 2- o assédio eleitoral de patrões, empresários, padres, bispos, pastores e milicianos sobre os votos de trabalhadores e fiéis; 3- a persistência de um antipetismo na sociedade; 4- o posicionamento reacionário da elite e da classe média; e 5- a existência de um grupo inflexível de bolsonaristas.
Com relação ao ponto 1, o governo vem adotando um escandaloso esquema de uso da máquina pública para interferir na eleição. Seja por meio do chamado “Orçamento secreto”, da redução oportunista dos preços do gás e dos combustíveis ou da ampliação do “Auxílio Brasil”, vinculado a créditos consignados. No linguajar popular, isso não tem outro nome: é compra deslavada de votos. Sobre o ponto 2, são crescentes as denúncias de constrangimento, coação e assédio eleitoral por parte de donos de empresas e falsos profetas sobre seus empregados e seguidores. O Ministério Público do Trabalho investiga cerca de 2 mil casos em que funcionários foram chantageados, ameaçados e pressionados pelas chefias para votar em Bolsonaro. Seria a volta do voto de cabresto?
No caso do ponto 3, é razoável considerar que continue existindo uma carga de antipetismo entre os eleitores, mesmo depois da desmoralização do juizeco de Curitiba e da absolvição de Lula pelo STF. A grande mídia tem imensa responsabilidade na criação de factoides atribuindo a corrupção ao PT. Esse massacre comunicacional veio ganhando forma e força especialmente desde 2013, com as manifestações de rua contra a inflação e a corrupção. O movimento golpista continuou com a armação da Lava-Jato, com a leitura dos tuítes do general Villas Bôas no Jornal Nacional, com o grampo de conversas de Dilma e Lula, com a derrubada da presidente, com a prisão do líder das pesquisas eleitorais de 2018 e com a eleição de Bolsonaro. Há uma parcela da população brasileira que se indigna com a corrupção de maneira seletiva.
O ponto 4 trata da elite e da classe média. A elite brasileira, mesmo tendo sido muito beneficiada pelos governos do PT, é herdeira dos escravocratas. É abonada de bens materiais, mas desprovida de valores humanos. Autoritária, violenta, cruel e mesquinha. A nossa elite explodiu de ódio diante do aumento da inclusão social e da incorporação de 40 milhões de brasileiros à classe média. Enquanto o Brasil progredia, se democratizava e abria as portas para os abandonados de sempre, a elite espumava sua cólera. Julgava inaceitável o programa de cotas, que promovia a justiça social a partir do acesso de pobres, negros e indígenas nas universidades. Julgava inadmissível que as empregadas domésticas conquistassem direitos trabalhistas. E julgava absurdo que os aeroportos estivessem lotados de viajantes da Classe C. A nossa elite espírito de porco sofreu com a democratização do Brasil.
A situação da classe média é diferente, apesar de também ser reacionária. Mal agradecida, parece inconsciente dos fatores que conduziram à sua ascensão. Atribui seu êxito a si mesma, ao esforço próprio, e a Deus. No entanto, deve quase tudo aos governos petistas, que facilitaram o crédito, abriram mais vagas em concursos públicos, distribuíram renda, ampliaram os empregos formais e aumentaram o poder de compra da população. É fato que sem as políticas públicas do PT, dificilmente esses emergentes teriam prosperado tanto, expandido seus negócios, comprado sua casinha, parcelado o seu carrinho popular, colocado as crianças em um colégio privado e tirado as suas férias em um hotel bacana. Mas, muitos jamais poderão confessar que tudo isso foi graças a Lula e Dilma, tudo pendurado no cartão, tudo financiado.
O ponto 5 é sobre o núcleo duro de seguidores de Bolsonaro. De acordo com análises realizadas pelo Datafolha, em torno de 12% dos eleitores seriam fanáticos inabaláveis, concordando com todos os posicionamentos do seu líder. Um perfil preponderante entre esses bolsonaristas é o de homem, branco, renda média alta e grau superior. Também podemos acrescentar que são racistas, machistas, homofóbicos e truculentos.
O que vem por aí?
O governo Bolsonaro tem representado o afogamento da democracia brasileira e a renúncia a um projeto de desenvolvimento nacional soberano. Com o objetivo de derrotar o bolsonarismo, é hora de juntar-se com os neoliberais e monetaristas dos anos 1990. Agora é hora de unir-se com banqueiros, com especuladores e até com os golpistas de 2016. É a melhor opção. No entanto, o que sim precisará ser considerado é que a crise política, econômica, social e ética do Brasil não será solucionada no dia 1º de janeiro de 2023. O país precisa reforçar a sua jovem democracia, tão maltratada, e executar um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social transformador e emancipador.
Certamente, hoje, o mais importante é frear o avanço do bolsonarismo e fortalecer a democracia. Logo depois, será necessário retomar um projeto de desenvolvimento nacional, mesmo com a presença de Aloizio Mercadante, Marina Silva e Henrique Meirelles. Mesmo com a diversidade dos integrantes da frente ampla, de Geraldo Alckmin a Simone Tebet. Mesmo com um parlamento de viés político conservador e de orientação econômica liberal. Mesmo com os grandes meios de comunicação propagando as falácias do Estado mínimo e da privatização. Mesmo com uma oposição numerosa, truculenta e armada.
Isso significa que, a partir de 2023, o trabalho do campo progressista, nacionalista, popular e de esquerdas será árduo. Deverá intensificar as suas reivindicações por pautas que representem efetivamente o caráter humanitário, coletivo e democrático do desenvolvimento nacional. E isso significará, na prática, furar o teto de gastos, cobrar impostos dos mais ricos, frear a sangria de recursos para o exterior, democratizar os meios de comunicação, retomar o controle estatal sobre empresas estratégicas e regular exportações de produtos primários, entre outras medidas. É fundamental, apesar das tantas contradições da coalizão que assumirá o poder, defender as bandeiras do desenvolvimento soberano, da emancipação econômica, da democratização profunda da nossa sociedade e da integração sul-americana.
Luciano Wexell Severo é professor do Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).