Newton da Costa ensinou a audácia de errar por conta própria a pesquisadores brasileiros
Lógica paraconsistente desenvolvida por Newton da Costa, morto em 16 de abril aos 94 anos, joga água no moinho de quem pensa que vale a pena lidar produtiva e racionalmente não apenas com uma, mas várias lógicas diferentes
Em 16 de abril faleceu aos 94 anos Newton da Costa, matemático, lógico e filósofo brasileiro. Sua contribuição mais conhecida se deu no campo da lógica, onde foi um dos desenvolvedores de um sistema lógico novo, a lógica paraconsistente. Talvez um exemplo possa dar alguma noção do extraordinário na paraconsistência.
Suponha que estejamos diante de uma teoria científica, um algoritmo computacional ou um banco de dados que tenha informações contraditórias. Esse pode ser o caso de um sistema que registre a presença dos alunos de uma escola. No sistema pode haver registros de que alguns alunos estiveram presentes e ausentes em um mesmo dia de aula. Isso pode ser explicado por diferentes razões: alguns alunos podem ter assistido às primeiras aulas do dia, mas se ausentado da última; ou vice-versa.
O problema é que na lógica matemática qualquer conclusão se segue de uma contradição. Ou, em outras palavras, de uma contradição podemos apenas extrair conclusões triviais. Se quisermos agir de maneira racional e rigorosa, parece natural que antes de tudo deveríamos nos livrar dessas contradições. No nosso exemplo, seria fácil fazer isso se soubéssemos os detalhes das presenças e faltas de todos os alunos no sistema. No entanto, se quisermos acompanhar a presença dos alunos não apenas de uma, mas de várias escolas, se torna mais provável que em várias situações seja impossível saber o suficiente para determinamos se um aluno esteve presente ou faltou em um dia de sua escola. Situações como essas, onde não sabemos qual de duas informações contraditórias de um mesmo sistema são verdadeiras, são bastante comuns.
Essa é apenas uma das muitas razões para que tenhamos modelos capazes de lidar, de maneira racional, com contradições. A lógica paraconsistente desenvolvida por Da Costa e outros pesquisadores nos oferece precisamente isso – trabalhar com sistemas que possuem contradições, mas que ainda assim são valiosos demais para serem jogados fora. Não por acaso, a lógica paraconsistente tem sido aplicada em campos como a computação, inteligência artificial, a linguística, a física e a matemática. Mais que isso, ela joga água no moinho de quem pensa que vale a pena lidar produtiva e racionalmente não apenas com uma, mas várias lógicas diferentes.
Entre centenas de artigos e livros em periódicos e editoras acadêmicas, Da Costa escreveu trabalhos não apenas sobre lógica paraconsistente, mas também sobre filosofia da ciência e filosofia da física. Muitos desses trabalhos, especialmente os de lógica, são referências inevitáveis: devem ser estudados por qualquer um e em qualquer lugar do mundo que, não importa onde esteja, queira se dedicar ao assunto. Mais que isso, ao longo de sua carreira, Da Costa formou dezenas de pesquisadores, eles próprios consolidados professores e pesquisadores de universidades no Brasil. Muitos desses professores vieram a formar o que hoje são jovens brasileiros que pesquisam na filosofia, matemática, lógica e outras ciências.
É verdade que o surgimento de um “Da Costa” também só foi possível com o ganho de corpo na estrutura e profissionalização da universidade no país. Seu sucesso parece refletir o da matemática brasileira em geral, em que centros de pesquisa como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada e pesquisadores como Artur Ávila, o vencedor da Medalha Fields, integram a elite da ciência mundial. Isso não diminui a importância de Da Costa. Afinal, se as pessoas fazem sua própria história, elas sempre o fazem sob condições que herdaram do passado. Em um país como o nosso, de dimensões continentais e com sérios problemas no ensino de matemática e outras ciências, imagine o potencial, ainda inexplorado, de outras pessoas para a matemática e as ciências. Da Costa ensina que se o pouco investimento já valeu a pena, imagine muito.
Talvez por sua área de pesquisa ser um tanto técnica, Da Costa não é tão conhecido fora da academia. Mesmo na filosofia é frequente se esquecerem de seu nome quando se fala dos grandes nomes da disciplina vindos do Brasil. Ao mesmo tempo, Da Costa já foi descrito como “o mais proeminente filósofo brasileiro nos círculos acadêmicos internacionais” ou “talvez o mais destacado brasileiro no campo da filosofia e da lógica”. Ele já foi objeto até de documentário, dirigido por Fernando Severo.
É tão incerto quanto pouco importante se Da Costa foi ou não o mais importante entre todos os filósofos e filósofas brasileiras na academia, aqui e lá fora. Certo é que se há diferentes formas de contribuir para a ciência, a filosofia e a universidade, podemos concluir – sem contradição – que ele foi um dos maiores.
Newton da Costa compartilha o primeiro nome com aquele inglês que é um dos maiores da ciência moderna. Contudo, seu sobrenome entrega sua origem mais que latina, pois latino-americana. E isso é um de seus legados mais distintos. Da Costa fez um nome tipicamente brasileiro figurar entre as referências da lógica e filosofia do mundo todo. Nesse aspecto, talvez se compare apenas a uma figura como Paulo Freire. Para quem veio da terra brasilis e se acostumou a estudar ou mesmo reverenciar figuras de nome alemão, francês ou inglês, Da Costa nos empresta uma estima intelectual e científica que é quase redentora. Não por acaso, no final de sua vida ele disse que gostaria que seu maior legado fosse ter ensinado a trabalhar e errar por conta própria; isso não importa se quem erra vem da Europa, Estados Unidos, ou do Brasil.
Samuel Maia é mestre em Filosofia pela UFMG e realiza doutorado em Economia na mesma universidade.
Júlio César da Silva é doutorando em filosofia e lógica pela UFMG.
Em um país onde um estudante ao ser perguntado sobre quem foi o primeiro imperador do Brasil, ele respondeu que foi o Adriano, jogador do Flamengo, que depois foi vendido para o time da Roma, isso nos faz refletir se é possível aparecer outro Newton da Costa. Governos acabaram com a disciplina, educação, moral e cívica, porque ela nos ensinava a importância do aluno amar a escola, ter respeito pelos professores, a cumprir nossa obrigação como cidadão para com o nosso país. Acabou com a disciplina organização, social e política do Brasil, porque nos ensinava a importância do nosso hino, como era dividido o poder e a importância desses para a democracia. Então alguém pode me dizer se essa teoria poderia ser aplicada em uma sociedade que está indo na contra mão das bases que construíram esse país e assim mesmo ainda dá certo?