No coração do conservadorismo
O repórter se incorpora a um cruzeiro marítimo promovido pela National Review. E entra em contato com um mundo surreal, no qual a guerra do Iraque é um “sucesso notável”, o aquecimento global “não existe”, Pinochet “salvou o Chile”, os muçulmanos ameaçam “dominar a Europa” e, “se Deus quiser”, Bush vai bombardear o Irã
De frente para o Oceano Pacífico, pés na água, deixo-me levar pelo bate-papo casual tão apreciado pelos americanos em férias. Uma bondosa senhora de Los Angeles está sentada a meu lado, sobre as rochas. Ela me fala de seu filho. Eu lhe pergunto se tem só um. “Sim. E o senhor, tem filhos, lá na Inglaterra?” Respondo que não e sua expressão é de assombro. “O senhor deveria pensar a respeito. Os muçulmanos se reproduzem como coelhos. Logo, logo, vão invadir toda a Europa”.
Começo a me habituar a este momento estranho em que a discussão amena entre dois viajantes envereda para… não sei muito bem o que, exatamente. Embarquei em um navio de um branco ofuscante, dotado de dois restaurantes, cinco bares e quinhentos assinantes da National Review. Aqui, a guerra do Iraque é um “sucesso notável”. O aquecimento global “não existe”. A Europa está se transformando em um califado. E não tem para onde fugir.
Regularmente, a National Review., a Bíblia dos conservadores americanos, organiza um cruzeiro para seus leitores, a fim de coletar fundos. Paguei 1.200 dólares para me juntar a eles. Obriguei-me a uma única regra de conduta. Quando um passageiro perguntar o que sou, responderei a verdade: jornalista. Meu objetivo: misturar-me à massa, para descobrir o que dizem os conservadores quando se imaginam a salvo de ouvidos indiscretos.
No dia da partida, no cais do porto de San Diego, admiro a silhueta imponente do Oosterdam, o navio que irá nos acolher durante a semana do cruzeiro. Somos convidados a um coquetel em uma sala de recepção situada em um dos deques mais elevados. As apresentações são um tanto quanto formais, nada de tapinhas nas costas, nem de abraços calorosos. Os homens se empertigam e trocam viris apertos de mãos. As mulheres ganham um beijinho no rosto. Qualquer efusão adicional seria francesa demais.
Endireito as costas e cumprimento a primeira pessoa que passa na minha frente. É juiz, me diz, com essa presunção confortável que todo membro de sua profissão acaba um dia por adquirir. E canadense, confessa, em um tom um pouco mais contrito, além de presidente da associação Canadenses contra os Atentados Suicidas. Pergunto-me em voz alta sobre que futuro pode ter uma associação de canadenses contra atentados suicidas. Espantado, ele murmura que é um evidente sucesso.
O som de um sino nos convoca para o jantar. Os lugares foram distribuídos ao acaso e mudam toda noite. O folheto promocional assegura que cada um de nós terá a chance de desfrutar a companhia de pelo menos uma personalidade que trabalha para a National Review.
À minha esquerda, vejo um cinqüentão, a barba bem aparada. Ele é da Flórida. À minha direita, duas senhoras que vivem em Nova York e me lembram Dorothy Parker** [ver o quadro Quem é quem. Todos os nomes seguidos de dois asteriscos são explicados no referido quadro], sem os vapores do álcool. Moram em Park Avenue, explicam, com o sotaque um pouco seco da antiga burguesia americana. “As senhoras moram perto do prédio das Nações Unidas?”, pergunta meu vizinho. A mulher assume um ar contrariado e responde que sim. “Eis um lugar que merece um atentado suicida”, graceja o homem. Todos riem discretamente.
Desta vez, não salvaremos os franceses
A conversa passa às banalidades de praxe. “Então o senhor é da Europa”, pergunta-me uma das mulheres de Park Avenue, antes de fazer alguns comentários graciosos sobre cidades que conheceu lá. Sua amiga acrescenta: “Estive em Paris, é muito bonita”. Mas seu rosto se fecha: “Sabiam que a cidade está cercada por muçulmanos?”. A outra aprova: “Eles estão por toda parte, ninguém pode detê-los”. O barbudo ganha confiança: “Desta vez, os franceses não estão interessados em contar conosco para que salvemos sua pele”. Finge atender o telefone e eleva a voz: “Estou ouvindo mal, Jacques! Como? Os muçulmanos vão fazer o que com você? Alô?”.
O caminho agora está aberto, todo mundo se anima e diz que os muçulmanos vão acabar com os franceses. E todo mundo acha isso muito engraçado. Os culpados habituais são rapidamente apontados. Jimmy Carter “praticamente traiu o país”. John McCain ** “ficou louco” depois das torturas por que passou. Uma mulher conta que reza todos os dias para “agradecer a Deus por ter criado a Fox News”. Antes de encher seu copo de vinho, um homem se ajeita em sua cadeira e declara: “Este cruzeiro foi o melhor investimento que já fiz”.
Na manhã seguinte, faço uma entrada prudente no Vista Lounge, uma sala de conferências decorada como um cassino de Las Vegas, para assistir à primeira palestra do cruzeiro. Os convidados vão tentar descobrir as causas da morte do conservadorismo americano, destruído na funesta noite de 7 de novembro de 20061.
Há qualquer coisa estranha nessa discussão e leva alguns minutos até que eu compreenda do que se trata. Tudo que os conservadores negam em público, o fato de que o Iraque é um novo Vietnã ou que Bush defende unicamente os interesses de classe dos ricos, aqui é aceito e comentado como a verdade absoluta. Certo, reconhecem, a guerra no Iraque é nosso novo Vietnã. Só que, desta vez, não vamos deixar esses esquerdistas covardes perdê-la. “A gente sempre ouve dizer que perdemos a Guerra do Vietnã. Mas ‘nós’ quem?”, pergunta Dinesh D’Souza**, enfurecendo-se. “A esquerda venceu, exigindo a humilhação da América”. A bordo deste navio, nem sinal do Vietcongue ou dos 3 milhões de mortos vietnamitas. Tudo que resta é a traição dos esquerdistas. Sim, afirma D’Souza, voltando à política interna, “sem dúvida o programa dos republicanos defende alguns interesses de classe”. E é bastante natural: “O Partido Republicano é o partido dos winners (vencedores), o Partido Democrata defende apenas losers (perdedores)”.
Os demais convidados aprovam, mas querem voltar ao Iraque. Robert Bork** resmunga entre dentes: “O modo como a mídia fala dessa guerra é escandaloso. Até mesmo a Fox News fala dela de um jeito escandaloso. Ouvindo, parece que só gente nossa morre por lá. Eles nunca falam das perdas inimigas, embora matemos aos montes, todos os dias”.
De repente, uma intervenção imprevista vem destruir esse doce consenso. Rich Lowry, jovem redator da National Review com cara de genro ideal, toma a palavra: “Se nossos concidadãos avaliam que vamos perder a guerra, é porque têm motivos racionais para pensar assim. Já pesaram todos os fatos”. O Vista Lounge mergulha imediatamente em um silêncio perplexo. “Eu adoraria acreditar que o simples fato de sermos uma superpotência nos protegeria da derrota. Mas isso não é verdade”.
Ninguém o contradiz. Alguns olham de lado, mais ou menos como fazemos quando queremos evitar o olhar de um louco que grita no meio da rua. Depois o grupo volta às hipé
;rboles e as declarações do jovem são colocadas na categoria dos discursos derrotistas. O historiador Bernard Lewis declara, do alto de sua idade avançada: “Para os partidários de Bin Laden, a derrota republicana de 7 de novembro foi percebida como uma vitória, como o equivalente à queda da União Soviética. Devemos estar prontos para qualquer eventualidade”. Era isso que os passageiros do Oosterdam queriam escutar. É por isso que pagaram até 6 mil dólares. A platéia se levanta e Lewis recebe uma ovação espetacular. Então chega a hora do intervalo.
A linha de fratura que divide o conservadorismo norte-americano está se abrindo bem diante dos meus olhos. Após o intervalo, Norman Podhoretz** e William Buckley**, dois pilares do Partido Republicano, começam a discutir2. Ninguém se apresenta para cortar a palavra de Podhoretz. “Tenho muitos velhos amigos na esquerda e diria que em breve os terei também na direita”, resmunga. Buckley se dirige ao moderador: “Tire o microfone dele ou a gente não termina nunca”. Isso é dito com um sorriso, mas o olhar é glacial.
Podhoretz e Buckley encarnam duas concepções radicalmente opostas do conservadorismo norte-americano pós-11 de Setembro. E, quando evocam o Iraque, temos a impressão de que falam de dois países diferentes. Podhoretz nasceu no Brooklyn e cresceu nas ruas. Antigo esquerdista, converteu-se depois de muito tempo à certeza de que a América salvará o mundo soltando bombas. Hoje, afirma que a guerra no Iraque é “um sucesso incontestável”. E, erguendo o punho, profere: “Eles de fato tinham armas de destruição em massa! Elas foram transferidas para a Síria. Estão tentando passar a imagem de um país mergulhado no caos, mas é mentira. É um triunfo, não poderia ser melhor”. Reivindica outras guerras, e rápido. Tem “certeza” de que Bush vai bombardear o Irã e agradece a Deus por antecipação.
Buckley é um velho reacionário de modos polidos. Mas a dúvida o corrói. Fundou a National Review em 1955, quando o conservadorismo era encarado pelas elites como uma espécie de doença mental. Herdou de sua educação católica uma visão de mundo rígida e hierarquizada e é imune aos encantos da democracia. Durante a Guerra Fria, esteve ao lado de Podhoretz contra os comunistas ateus. Atualmente, cerca de vinte e quatro anos depois, sua visão não se conforma mais com a idéia de democratizar à força o mundo muçulmano. Quase invisível no início do cruzeiro, agora resolveu intervir e está bem decidido a se fazer escutar.
Armas de destruição em massa? Na Síria!
“Não deixa vocês incomodados o fato de que ninguém tenha encontrado essas armas de destruição em massa?”, pergunta, sem dar atenção a Podhoretz. E explica que apoiou a guerra de mau grado e somente porque Dick Cheney conseguira convencê-lo de que Saddam Hussein possuía tais armas e tinha intenção de usá-las. “Não”, responde Podhoretz. “Como acabei de dizer, essas armas estão escondidas na Síria. Na primeira Guerra do Golfo, todos os aviões de combate iraquianos ficaram escondidos no deserto iraniano”. Podhoretz se diz “abismado” com o “crescente derrotismo da direita”. E conclui, embora ninguém tenha levantado o assunto: “Donald Rumsfeld era o melhor de nós todos. Esses discursos derrotistas contribuem para dar a impressão de que estamos prestes a levar a pior. Mas estou convencido de que caminhamos rumo à vitória”.
O público aplaude Podhoretz. As dúvidas levantadas por Buckley deixaram o plenário um pouco desorientado. Ele não acabara de repetir exatamente o mesmo discurso da esquerda, dominante na mídia? Mais tarde, no jantar, meu vizinho de Denver chama Buckley de “frouxo”. Sua esposa balança a cabeça: “Buckley está muito velho”, conclui, levando o indicador à têmpora para sugerir a senilidade.
Vou atrás de Buckley e Podhoretz para entrevistá-los. Sozinho em sua cabine, Buckley preenche as páginas de um caderninho de anotações. Em 2005, durante uma noite em que se comemorava o qüinquagésimo aniversário da National Review, o presidente Bush afirmou que Buckley era o “pai do conservadorismo moderno”. Pergunto-lhe se não tem a impressão de que suas crianças se tornaram serial killers. Ele sorri docemente e uma luz perpassa seus olhos azuis. Depois suspira: “Devo responder que não. Durante quarenta anos, o motivo de pertencer ao movimento conservador foi a luta contra a União Soviética e o pensamento socialista. Esses problemas agora estão resolvidos”.
Não é uma maneira muito otimista de defender sua progênie, mas ele afirma, com segurança: as grandes batalhas de sua geração foram ganhas. Isso não o impede de pensar no que Ronald Reagan teria feito no Iraque. “Reagan era um homem prudente. Creio que teria compreendido onde estava pisando e não teria envolvido os Estados Unidos na situação em que hoje nos encontramos. Acho que teria se certificado de que a ameaça a que expunha as tropas fosse restrita e controlável”. E explica que a estratégia de Reagan teria sido “pôr um tirano local” no governo do Iraque.
Algumas cabines adiante, Podhoretz está quase perdendo a voz: “o que sem dúvida agradará alguns”, afirma. Ele repete o argumento desenvolvido por Paul Wolfowitz (secretário ajunto da Defesa, de 2003 a 2005), segundo o qual, após o 11 de Setembro, não restou outra escolha aos Estados Unidos senão impor a democracia ao Oriente Médio, a fim de mudar profundamente as sociedades que haviam engendrado os terroristas. Para alguém que se diz defensor da democracia, ele é notavelmente indiferente ao fato de que 80% dos iraquianos desejem a partida das tropas norte-americanas. “Não os levo a sério”, afirma, descartando a questão com um gesto de mão. E prossegue, sustentando que “ninguém foi torturado em Abu Ghraib ou Guantanamo” e que Bush é “um herói”. Como a maioria dos passageiros, está convencido de que o governo norte-americano vai lançar um ataque contra o Irã3.
A Quarta Guerra Mundial começou
“Não canso de dizer às pessoas que a Quarta Guerra Mundial começou”, explica, praguejando contra Buckley, George Will** e todos os traidores da causa que se recusam a ver a realidade diante do nariz. Segundo ele, a vitória está próxima. Depois de alguns minutos, a bordo desse navio embalado pela brisa tépida que vem do México, fico com a impressão de que nunca houve sofrimento em Bagdá.
Ao passear, cruzo com outros fantasmas do conservadorismo que vagueiam pelos corredores das cabines. Vejo John O’Sullivan, antigo conselheiro de Margaret Thatcher e antigo redator da National Review. Certa manhã, no convés, trombo com Kenneth Starr**, que pare
ce saído diretamente de uma antiga reportagem dos anos 1990. Seu rosto é redondo e lisinho, como o de um imenso bebê satisfeito. Ao vê-lo, minha antiga perplexidade volta à tona e pergunto: “Senhor Starr, o senhor não tem vergonha de ter paralisado nosso governo por causa de algumas felações livremente consentidas, enquanto Osama Bin Laden premeditava a morte de 3 mil cidadãos norte-americanos?”.
Ele me devolve um sorriso impassível e explica, com sua voz monótona: “Não me arrependo nem um pouco. A Câmara dos Representantes expressou sua vontade, o Senado expressou sua vontade e a Suprema Corte emitiu seu parecer. A Constituição funcionou de maneira notável”. Diante de uma defesa tão preguiçosa, eu o pressiono quanto a suas omissões e ele insiste em se valer de argumentos jurídicos, cada resposta uma variação do tema “não foi culpa minha”.
Alguns dias depois, o navio da contra-revolução lança âncora em Puerto Vallarta, no México. Os passageiros têm oportunidade de esticar as pernas em um país que sonham ver isolado por um muro de 5 mil quilômetros de comprimento. Assim que verbalizo meu desejo de pedir a algum moleque que me guie pela cidade, suscito expressões de pavor: “O senhor quer morrer aqui?”. D’Souza exprime o sentimento geral, anunciando o que chama modestamente de “teoria d’souziana da imigração”: a qualidade de um imigrante é “proporcional à distância percorrida para chegar aos Estados Unidos”. Em outros termos, os asiáticos valem definitivamente mais que os latinos.
Chegada a noite, com minha pele intacta, janto em companhia de uma personalidade da National Review: Kate O’Beirne. É uma loira imensa com a voz de uma atriz de comédia dos anos 1930 e os argumentos de um patriarca vitoriano da década de 1890. Dominando habilmente o dito espirituoso, ela ridiculariza o feminismo e “essas mulheres que querem mudar o mundo… para pior”. Cercada de admiradores deslumbrados, apresenta-nos seu marido, que se apressa a anunciar que é o assistente pessoal de Donald Rumsfeld. “As pessoas me perguntam o que estou fazendo aqui, já que ele se demitiu. Mas este cruzeiro foi organizado antes de tudo aquilo acontecer”.
A rotina habitual de apresentações começa a se acelerar. Nessa noite, meus vizinhos fazem a apologia de um ditador fascista antes mesmo de ter-se concluído a abertura. Menciono que na Alemanha se discute exigir a extradição de Rumsfeld, acusado no país de crimes de guerra. Um homem rubicundo, que parece um ovo no qual alguém colou um bigode, resmunga: “Se os alemães acreditam que podem tomar decisões pelo mundo todo, pior para eles, só nos resta bombardeá-los”. Eu recordo a ele que há um precedente, com Pinochet. Mas Kate me corta a palavra: “Tratar Rumsfeld como Pinochet é indigno”. O homem-ovo bate o punho na mesa: “Tratar Pinochet daquele jeito é que foi indigno! Pinochet é um herói, ele salvou o Chile.” “É verdade”, confirma o marido de Kate. “E ele privatizou as aposentadorias”.
Os presentes balançam a cabeça solenemente e passamos à questão que ocupa todos os espíritos, o bilhão de muçulmanos que ameaçam pôr o mundo de joelhos. A idéia segundo a qual a Europa está sendo invadida constitui uma espécie de tema recorrente no cruzeiro. Pode-se fazer um cruzeiro para solteirões, um cruzeiro de danças de salão: eu faço o cruzeiro “os muçulmanos estão às nossas portas”. Todo mundo acha isso. Todo mundo diz isso. O homem que revelou tal verdade está sentado a algumas mesas de mim: Mark Steyn. Usa uma camisa colorida e óculos escuros puxados sobre a cabeça. A tese de Steyn, enunciada em seu novo livro, America alone, é simples: as “raças européias”, quer dizer, os brancos, “tornaram-se narcisistas demais para procriar em quantidade suficiente”, ao passo que os muçulmanos se reproduzem a pleno vapor.
A conseqüência inevitável desse desequilíbrio será “uma evacuação em larga escala até 2015”, quando a Europa cairá sob o domínio da Al-Qaeda e “a França aceitará sem queixas tornar-se uma província da Bósnia”. Steyn sustenta suas afirmações com “dados demográficos”. Mas sua demonstração exige que o número de muçulmanos na Europa passe de 20 milhões a 150 milhões em nove anos.
Os fatos, as dúvidas, não têm lugar neste navio. Com uma ou duas exceções, os passageiros encaram os “muçulmanos” como um grupo homogêneo de fanáticos obcecados com a sharia que quase estão tomando conta da Europa. Em uma semana, perguntaram-me nove vezes – eu contei – quando tomaria a decisão de fugir da Europa para me refugiar no único santuário ainda a salvo, os EUA.
Durante uma das palestras, um convidado explica que os Estados Unidos são ameaçados em duas frentes. “Os muçulmanos nos acusam de sermos decadentes; os europeus nos acusam de não sermos decadentes o bastante”. Midge Decter**, esposa de Norman Podhoretz, exclama: “São os muçulmanos que têm razão, não os europeus!”. Jay Nordlinger, diretor editorial da National Review retruca: “Cuidado, Midge, muitos europeus são muçulmanos”. O público aplaude. Alguém grita: “Vamos mostrar a eles, Jay!”.
Nordlinger mostrou a eles. Decter mostrou a eles. Steyn mostrou a eles. Durante esse cruzeiro, todo mundo “mostrou” a eles e, por causa de meu passaporte europeu, todo mundo me mostrou. Será a última coisa que me mostrarão, no fim da viagem. Pisando no cais do porto de San Diego, quando dou as costas ao navio para ir embora, o juiz que conheci no primeiro dia pousa um braço afetuoso em meu ombro: “Vamos largar a Inglaterra para os muçulmanos. Melhor vir para a América”.
Johann Hari é colunista do The Independent (Londres).