Novos livros de Micheliny Verunschk e Marcelo Labes abordam violências do Brasil contemporâneo
“Caminhando com os mortos” e “Deus não dirige o destino dos povos” discutem temas como ódio, preconceito e fanatismo
Um crime brutal cometido por uma família de fanáticos religiosos e a descoberta de documentos sobre a Segunda Guerra Mundial, a ditadura militar e o integralismo são os respectivos pontos de partida dos novos livros de Micheliny Verunschk e Marcelo Labes. Além de bem escritas, as obras têm em comum as temáticas ligadas à violência, especificamente aquela impulsionada pelo avanço de pautas conservadoras no Brasil.
Em “Caminhando com os mortos” (Companhia das Letras), Micheliny Verunschk conduz leitores e leitoras por uma narrativa perturbadora, em que metáforas e verossimilhança dividem o mesmo espaço. No romance da vencedora do Jabuti, uma mulher é morta e queimada pela própria família (pai, mãe e irmão) em um ritual de purificação realizado com o objetivo de “afastar o mal da pecadora”.

O crime bárbaro é o ponto de partida para uma trama com personagens bem construídos e uma narrativa não linear, por vezes fragmentada, capaz de permitir que o leitor e a leitora construam, pouco a pouco, a história daquela pequena comunidade.
Em meio à crescente violência, o discurso evangélico ganha cada vez mais força, sempre acompanhado por pensamentos puritanos, verdades universais e, claro, apologia ao enfrentamento do “mal”, seja como for, doa a quem doer.
Também ganham espaço no livro temas como a perseguição às religiões de matriz africana, o machismo e a atuação de poderosos ao redor de um objetivo em comum.
Dinâmicas parecidas surgem em “Deus não dirige o destino dos povos” (Caiaponte), romance em que Marcelo Labes, vencedor do Prêmio Biblioteca Nacional, constrói uma atmosfera claustrofóbica e angustiante. Na história, Tomás, um jornalista de um pequeno jornal no Sul do país, encontra documentos que contemplam diversos acontecimentos históricos, desde o embate entre dois soldados brasileiros na Segunda Guerra Mundial até inquéritos, mapas e bilhetes com detalhes sobre perseguições e torturas no período da ditadura militar brasileira.

Rapidamente, Tomás inicia a leitura dos documentos, ao mesmo tempo em que passa a receber constantes ameaças anônimas. Em pouco tempo, percebe que está diante de uma trama que liga empresários, militares e religiosos ao integralismo e ao nazifascismo. Somente então se dá conta de que os discursos sobre Deus, pátria e família – presentes em todo o país – podem ser mais complexos e perigosos do que parecem.
Leituras da realidade
Assim como já fizeram em outras obras, Micheliny Verunschk e Marcelo Labes apresentam, em seus novos livros, leituras perspicazes sobre o que tem acontecido no Brasil nos últimos anos, desde discursos que atacam a democracia até o surgimento de células neonazistas. Ambas as obras são resultado de extensas pesquisas e retratam muito bem um país desigual, violento e preconceituoso.
Para além de todas essas questões, “Caminhando com os mortos” e “Deus não dirige o destino dos povos” chamam a atenção pela qualidade literária, uma vez que apresentam estruturas narrativas criativas, reúnem personagens complexos, despertam sentimentos intensos – da revolta ao desespero – e alertam para riscos que, de modo algum, podem ser ignorados.
Bruno Inácio é Jornalista, mestre em Comunicação e autor de Desprazeres existenciais em colapso (Patuá) e Desemprego e outras heresias (Sabiá Livros). Escreve sobre literatura no Jornal Rascunho e na São Paulo Review.