Nunca foi loucura, sempre foi golpe!
Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, atitudes do ex-presidente e de seus apoiadores não foram levadas a sério, seguidas de ridicularização e deboche generalizado. Além disso, quantas vezes não chamamos Bolsonaro de “louco”?
No último domingo, dia 08 de janeiro de 2023, vivemos no país atos de invasão, destruição, ataques e danos aos prédios do Supremo Tribunal Federal, Palácio do Planalto e Congresso Nacional. A devastação do patrimônio público federal simboliza uma afronta ao Estado Democrático de Direito, as instituições e aos representantes eleitos. Não podemos deixar de lembrar que desde setembro de 2022, apoiadores de Bolsonaro estiveram acampados em Brasília para pedir intervenção militar. Além disso, durante e após as eleições presidenciais suas atitudes foram de agressividade e violência para aqueles que se manifestavam favoráveis ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, atitudes do ex-presidente e de seus apoiadores não foram levadas a sério, seguidas de ridicularização e deboche generalizado. Além disso, quantas vezes não chamamos Bolsonaro de “louco”? Quantas vezes desprezamos o ódio propagado? Quantas vezes não levamos seriamente as atitudes dos bolsonaristas? Pois é, a suposta insanidade manifestou-se em Brasília: a faceta do golpe.
Freud, em seu texto “Psicologia das massas[1]”, nos mostra como as massas se formam, assimilam o discurso do líder e se sujeitam a obediência. Importante assinalar que “líderes adquirem importância pelas ideias de que eles mesmos são fanáticos” (FREUD, 2011, p. 30), demonstrando o quanto precisam corresponder as necessidades das massas. Além disso, “as massas nunca tiveram a sede da verdade. Requerem ilusões, às quais não podem renunciar” (p. 29). Dessa forma, aquilo que foi denominado de “loucura” faz parte de uma produção coletiva do inconsciente que produz uma massa impulsiva, volúvel e excitável. A falta de criticidade, o ódio, a impulsividade e os extremos são características encontradas nos bolsonaristas e precisam ser entendidas não como um adoecimento psíquico e, sim, como assimilação e pertença a um grupo.
Em matéria publicada em novembro de 2022, já alertávamos acerca do perigo da psiquiatrização do bolsonarismo[2]. Após as eleições presidenciais, ocorreu um movimento nas redes sociais que pedia a intervenção psiquiátrica para os apoiadores de Bolsonaro, levando ao descrédito de seus atos e discursos. Por serem identificados como “loucos” não é preciso levá-los a sério, não é?! Como se o tema da saúde mental não fosse algo extremamente relevante para aqueles que necessitam de suporte e cuidado diário para lidarem com o sofrimento e adoecimento psíquico.
Não é recente a atuação dos múltiplos movimentos, entidades e coletivos antimanicomiais. Nas últimas quatro décadas a Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial apontam para a necessidade da desconstrução da noção clássica da “loucura” e do preconceito que a contorna. Inclusive, na posse da Ministra Nísia Trindade, o Ministério da Saúde objetiva retornar os investimentos para o avanço das diretrizes e princípios da Reforma Psiquiátrica na Política Nacional de Saúde Mental, promovendo o cuidado em liberdade e no território.
Nesse caminho, apontamos não é mais possível denominar atos que atentam contra a democracia como meras atitudes insanas e doentes. Vivemos uma tentativa de golpe afirmada pelo fascismo e que tem como principal articulador a figura de Jair Bolsonaro. O discurso de ódio e destruição precisa ser combatido severamente, inclusive porque a não atuação da polícia militar do Distrito Federal demonstrou o quanto o fascismo encontra-se no interior das instituições, em especial, no braço armado do Estado. A tarefa que temos é árdua e nada simples e, para isso, precisamos retomar as ruas e afirmar a democracia, expulsando sua ameaça. Sem ocupação das ruas não será viável a sua sustentação.
Rachel Gouveia Passos é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal Fluminense, autora e organizadora de algumas obras sobre saúde mental e as relações de gênero, raça e classe.
[2] Matéria disponível em: https://diplomatique.org.br/o-perigo-da-psiquiatrizacao-do-bolsonarismo/