O avanço da esquerda radical belga
Minúsculo poucos anos atrás, o Partido do Trabalho da Bélgica (PTB) estaria a ponto de se tornar a principal formação política da Valônia? Criado em 1979, este partido de inspiração marxista-leninista por muito tempo permaneceu confinado a resultados minúsculos durante as eleições nacionais, incapaz de ultrapassar 1% dos votos.
Sob um fundo escurecido por uma fumaça vermelha, a silhueta ameaçadora de um homem aparece. “Você também está poluído pela extrema esquerda?”, interroga a revista Le Vif/L’Express em sua capa de 31 de março de 2017. A revista semanal belga propõe em seguida um teste para medir sua “taxa de contaminação”. Os leitores que defendem o direito ao aborto, as minorias sexuais ou a redução das desigualdades sociais seriam “permeáveis às ideias da esquerda radical”; depois, eles poderiam ser seduzidos pelos discursos “simples, até mesmo simplistas”, do Partido do Trabalho da Bélgica (PTB) – uma formação unitária, presente na Valônia e em Flandres, onde tem o nome de Partij van de Arbeid (PVDA).
Criado em 1979, esse partido de inspiração marxista-leninista por muito tempo permaneceu confinado a resultados minúsculos durante as eleições nacionais, incapaz de ultrapassar 1% dos votos. Mas as eleições legislativas de maio de 2014 mudaram a situação: o PTB teve 3,7% dos votos no nível federal e 5,5% na Valônia. Três anos depois, uma série de pesquisas prometem um futuro ainda mais radiante. Em julho de 2017, uma pesquisa do jornal L’Écho atribuiu ao partido o primeiro lugar na Valônia, com cerca de 25% das intenções de voto, na frente do Movimento Reformador (MR) do primeiro-ministro Charles Michel e do Partido Socialista, que está naufragando. Desde então, um ar de pânico sopra no mundo político belga.
Para entender a ascensão do PTB, é preciso voltar à virada estratégica que aconteceu durante seu 8º Congresso, em 2008. “Na época, nos interrogamos: somos o Partido do Trabalho, queremos representar os trabalhadores, defender seus interesses, queremos sua emancipação… Assim sendo, como é possível que tão poucos trabalhadores venham até nós?”, conta Charlie Le Paige, que preside o Comac, o movimento de jovens do PTB. “Então buscamos desenvolver um discurso adaptado, para que as pessoas entendessem, achassem interessante e mobilizador.” Ao mesmo tempo que reafirma sua ligação com Karl Marx, Friedrich Engels e Lenin, o PTB decide abandonar suas referências a Mao Tsé-tung e Josef Stalin e focar seu programa em propostas-choque (criação de um imposto para os milionários, aumento da aposentadoria mínima para 1.500 euros por mês…). Ele também modificou seu vocabulário. Em vez de invocar a “classe operária”, agora fala “das pessoas”, como no slogan adotado desde 2004: “Primeiro as pessoas, não o lucro”.
Os cientistas políticos Pascal Delwit e Giulia Sandri veem nessa evolução o abandono do “credo retórico stalinista em proveito de uma postura radical populista”.1 Porém, ainda que os dirigentes do PTB assumam uma reviravolta semântica, eles se mantêm distantes da noção de “populismo”, mesmo que de esquerda. Trata-se principalmente de construir um “socialismo 2.0”, segundo os termos do presidente do PTB, Peter Mertens,2 que continua dando à noção de luta de classes um espaço preponderante. “Queremos ter um discurso baseado na análise de classe, mas adaptado à situação de hoje. Não apenas um control C/control V da retórica do século XIX”, explica Le Paige.
Em um contexto conduzido por ideias radicais e marcado pelo descrédito crescente do Partido Socialista, a estratégia definida no congresso não demorou a dar frutos. Entre 2008 e 2016, o PTB multiplicou por quatro o número de membros (de 2,5 mil para 10 mil). Em 2014, pela primeira vez em sua história ele conseguiu enviar deputados para o Parlamento Federal: Raoul Hedebouw, seu porta-voz, e Marco Van Hees, um antigo funcionário do Ministério das Finanças que ficou famoso por sua luta contra a evasão fiscal. Ele também enviou dois deputados ao Parlamento de Valônia e quatro ao de Bruxelas. Fazendo seu juramento nas três línguas, para ressaltar sua visão unitária do país, com o punho em riste, para estampar suas ambições revolucionárias, os eleitos do PTB fizeram uma entrada notável nas instituições belgas, nas quais eles se impõem uma disciplina de ferro: cada parlamentar deve viver com um salário entre 1,5 mil e 1,8 mil euros e transferir o resto de seus ganhos para o partido. Uma filosofia que Hedebouw resumiu em seu discurso de 1º de maio de 2017 em Liège: “Se não vivemos como pensamos, começamos a pensar como vivemos”. O argumento ganha ainda mais força porque os últimos meses foram marcados por diversos casos de corrupção, com eleitos locais, principalmente socialistas, sendo acusados de receber somas importantes por reuniões da empresa mista público-privada Publifin, as quais eles não tinham visto.
Conquistar Flandres
Alimentando a desconfiança em relação aos partidos tradicionais, esses escândalos favorecem o PTB, que não para de denunciar uma classe política desconectada da realidade, tomando medidas cujas consequências não se aplicam a ela – em matéria de aposentadoria (Projeto de Lei Bacquelaine, que revê a diminuição da pensão dos antigos desempregados), de direito trabalhista (Lei Peeters, que desregula o recurso às horas extras, aos contratos de meio período e aos horários flexíveis…) etc. O partido marxista se colocou à frente das mobilizações sociais contra essas reformas. Muito presentes nos piquetes de greve, seus militantes participaram maciçamente das manifestações contra a austeridade de 2014 e 2015. Esse engajamento permitiu ao PTB se enraizar nos meios sindicais, sobretudo no seio da poderosa Federação Geral do Trabalho da Bélgica (FGTB, 1,5 milhão de filiados), tradicionalmente próxima do Partido Socialista. Nas eleições de 2014, a seção regional da FGTB de Charleroi incentivou o apoio ao PTB, contra a vontade da direção central. Em 2017, fato inédito, o sindicato considerou não convidar dirigentes socialistas ao seu congresso federal de junho.3
O enraizamento do PTB continua limitado a Flandres, onde ele ainda não conseguiu atingir os mesmos resultados que na Valônia. Essa progressão a duas velocidades alegra Bart De Wever, o dirigente do partido nacionalista flamengo Nieuw-Vlaamse Alliantie (N-VA), que vê nisso um meio de opor ainda mais violentamente uma Flandres “de direita”, conquistada pelos liberais e nacionalistas, e uma Valônia “de esquerda”, votando no PTB, no Partido Socialista e no Ecológico; a fratura linguística seria também política. Os dirigentes do PTB decidiram enfrentar esse problema. Em março de 2017, Germain Mugemangango, presidente da seção do Hainaut, foi nomeado porta-voz no lugar do carismático Hedebouw. Além de diversificar os rostos do partido, a operação visava liberar o deputado de suas obrigações para lhe permitir conduzir a campanha em Flandres. Bilíngue perfeito, Hedebouw passa do francês para o holandês. Os vídeos de suas intervenções no Parlamento, abundantemente compartilhados nas redes sociais, lhe deram certa notoriedade no norte, onde ele inclusive foi convidado, fato raro para um francófono, no programa de televisão De slimste mens ter wereld (“O homem mais inteligente do mundo”) – que já fez decolar a popularidade de De Wever.
Ainda que espere obter alguns deputados flamengos nas eleições legislativas de 2019 – talvez em Anvers, onde Mertens vai lutar contra os nacionalistas –, o PTB não faz das eleições um objetivo prioritário. “Não teremos o poder antes de dez ou quinze anos”, reconhecia Hedebouw na Rádio-Televisão da Comunidade Francesa (RTBF) em 21 de maio de 2016. As mídias e os dirigentes socialistas aproveitaram essa frase para denunciar o caráter irresponsável dessa formação, sua incapacidade de governar, a inutilidade de votar por eles. Hedebouw se defendeu ressaltando a necessidade de “criar uma relação de forças” para “reconquistar uma hegemonia à esquerda”, pois seu partido não considera nenhuma aliança com aqueles que, como os socialistas ou os ecologistas, apoiariam a austeridade imposta pela União Europeia.4 “Sem essa relação de forças, você pode ter 30% nas eleições, mas não terá os meios de aplicar o programa que levou a esse resultado. Se queremos uma política diferente, teremos de desobedecer à camisa de força europeia”, previne David Pestieau, o vice-presidente do partido, dirigindo-se a possíveis parceiros.
Mais do que sobre os resultados eleitorais, o PTB insiste sobre a “necessária batalha das ideias” para forjar uma “consciência de classe” no seio da população belga – termos onipresentes em suas produções teóricas.5 Ele busca em primeiro lugar desenvolver um movimento social forte, sobre o qual poderia se apoiar uma vez no poder. Para isso, ele encoraja seus simpatizantes a se engajar ainda mais, a doar seu tempo. Também organiza, no mês de setembro, o festival ManiFiesta, que, inspirado no modelo da Fête de l’Humanité na França, mistura concertos, conferências, debates etc. Com o Comac, o PTB dispõe, além disso, de um movimento de jovens muito ativos, que multiplica as iniciativas nas universidades. Durante a Páscoa ou o Natal, o Comac propõe “blocos coletivos”6 que permitem a cerca de 250 estudantes estudar para suas provas em um ambiente agradável, por um preço módico, ao mesmo tempo que se familiarizam com as ideias políticas. Da mesma forma, os jovens do PTB organizam a cada ano a “Escola Karl Marx”, da qual participam entre duzentas e trezentas pessoas. No programa da edição de 2017, cursos intitulados “Marxismo e feminismo”, “Marxismo para iniciantes”, “História da classe operária”, “O futuro do trabalho na Europa”, “Palestina, a última colônia?”, “O Ceta [acordo de livre-comércio entre União Europeia e Canadá] para principiantes”…
Por fim, para aumentar o peso intelectual da esquerda radical, jovens universitários membros ou próximos do PTB lançaram em 2017 a Lava. Bilíngue, essa “revista de crítica social e de análise marxista” se inspira em seus ilustres homólogos britânicos, a Monthly Review e a New Left Review, mas principalmente em sua jovem prima norte-americana, a Jacobin, da qual recupera o grafismo cuidadoso e alguns autores como os sociólogos Vivek Chibber e Walter Benn Michaels.7 “O establishment conduz uma luta cultural ininterrupta que apresenta o mundo atual como o único imaginável”, explica Daniel Zamora, um dos fundadores da Lava. “A batalha das ideias não é uma batalha abstrata. Se a esquerda quer quebrar esse quadro de pensamento opressor, ela tem de trabalhar por uma contra-hegemonia. […] A batalha das ideias é também a luta por outro mundo.”8
Em 29 de março de 2017, o jornalista da RTBF Bertrand Henne questionava assim Mugemangango: “Existem bolhas especulativas, que inclusive vocês do PTB e de outros partidos de esquerda denunciam… Será que atualmente o PTB não é uma bolha política?”. Bons resultados nas pesquisas com certeza não são sinônimo de sucesso nas eleições. No entanto, os efeitos da ascensão do PTB já são visíveis na paisagem política belga. Em 2015, o deputado socialista Ahmed Laaouej apresentou uma proposta de lei para taxar os grandes patrimônios. Ao final de seu congresso de outubro de 2016, o Partido Socialista acrescentou ao seu programa a semana de quatro dias sem perda de salário e a codecisão no seio das empresas. Medidas defendidas pelo PTB que os socialistas, em 26 anos de governo federal (1998-2014), nunca tinham pensado em colocar em prática…
*Sébastien Gillard é jornalista.