O caso de Israel e o Direito Internacional
A transferência de colonos judeus a terras palestinas criou um conjunto agravante de conflitos contra os árabes, promovendo o seu isolamento em enclaves. O objetivo é a substituição contínua da população local
Depois da Segunda Guerra Mundial, foi estabelecido no Direito Internacional que a violência, ameaça e a força não seriam usados para resolver assuntos internacionais. A magnitude do horror e da crueldade infligidos à vida humana na guerra, e também a ampla destruição da economia e infraestrutura, deixaram a Europa arruinada. No pós-guerra, o caráter da Carta da ONU não poderia ser outro.
À frente das grandes guerras do século XX, estavam Estados prontos para desrespeitar tratados internacionais em benefício de seus próprios interesses.
Em 1935, a Itália fascista invadiu a Abissínia (atual Etiópia) na busca de reconstruir um “Império”. Esse esforço tomou para si uma parte da África ainda não colonizada pelos europeus. Apesar dos crimes de guerra fascista, da ilegalidade da ação e da crueldade do episódio contra os etíopes, a Liga das Nações se mostrou completamente ineficaz e omissa.
Em 1931, o Japão havia invadido a Manchúria, região considerada essencial para o seu projeto econômico da época. Depois, em 1937, os japoneses continuaram a invasão à China. Limitados territorialmente, eles buscavam conquistar novas terras e ter acesso aos recursos minerais chineses, matérias-primas e mão-de-obra para subsidiar sua industrialização. Caracterizada por atrocidades, a invasão japonesa resultou em assassinatos em massa, estupros e tortura contra a população civil [ver Massacre de Nanquim]. Já em 1931, depois de atrair enorme repercussão internacional pela ocupação ilegítima, Tóquio se retirou totalmente da Liga das Nações.
Em ambos os casos, o desrespeito à vida e o ataque desproporcional e cruel a civis obedeceu a ambição do desenvolvimento econômico capitalista de nações que queriam se equiparar às grandes potências da época. Os nazistas chegaram perto de dominar a Europa, dispostos a escravizar qualquer um que encontrassem em seu caminho. No século XX, as guerras foram travadas não apenas contra exércitos, mas também contra a população, a economia e a infraestrutura de Estados. Eric Hobsbawm explica que nessa época “a rivalidade política internacional se modelava no crescimento e competição econômicos, mas o traço característico disso era precisamente não ter limites”. (HOBSBAWM, 1995)
Apesar do apreço pela busca da paz e da resolução dos problemas através da diplomacia na comunidade internacional do pós-guerra, nessa mesma época os Estados Unidos se tornaram a maior potência mundial e adotaram a postura de donos do mundo. A Guerra Fria manteve a ordem internacional de certa forma controlada, o medo de um confronto nuclear com a URSS manteve os dois países afastados de confrontos direitos. Mesmo assim, no mesmo século do horror nazista, episódios como a Guerra do Vietnã aconteceram com a participação norte-americana. Os massacres, ataques covardes a civis, uso de armas químicas poderosas e o desprezo pela vida humana continuaram.
Hoje, o mundo é telespectador passivo do mesmo tipo de atrocidade. Uma grande potência como os Estados Unidos nunca se submeteu às leis internacionais. Uma série de golpes, interferência em assuntos internos de vários governos, financiamento de ditaduras, guerras em nome do anticomunismo e posteriormente em nome da “democracia” dificilmente encontram validade no Direito Internacional. Para Israel (a exemplo de seu maior aliado: Washington), as leis e convenções internacionais também não são um obstáculo. A todo custo, a nação que se proclama dona do mundo (e seus aliados, a que tudo é permitido em troca da subserviência) e se coloca acima das leis dá continuidade aos problemas que desestabilizam a ordem internacional no século passado.
O Artigo 2 da Carta da ONU proclama que “todos os Membros resolverão suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de forma que a paz e a segurança internacionais e a justiça não sejam ameaçadas” e que “todos os Membros devem abster-se, em suas relações internacionais, de ameaças ou uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer Estado, ou de qualquer outra forma incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.
É sempre importante relembrar para os defensores de Israel que o país, além de cometer crimes contra a humanidade, desrespeita as leis internacionais. O expansionismo israelense é ilegal.
Depois da Guerra dos Seis Dias, Tel Aviv ganhou controle sobre a Cisjordânia, Jerusalém Oriental, a Faixa de Gaza, a Península do Sinai e as Colinas de Golã e comandou as regiões sob uma governadoria militar. Em 1982, a Península do Sinai foi devolvida ao governo egípcio. Os territórios palestinos e as Colinas de Golã continuaram ocupados e, depois da adoção dos Acordos de Oslo, em 1994, a Administração Civil Israelense passou algumas de suas funções governamentais para a Autoridade Nacional Palestina.
O “direito do povo palestino à autodeterminação” na Cisjordânia, que os acordos de Oslo tentaram garantir, se resume hoje a alguns trechos de terra entrecortados e cercados por assentamentos e muros israelenses. Desde 1967, Israel promove o estabelecimento de assentamentos para ocupar o território palestino conquistado. De acordo com os tratados formulados pela Quarta Convenção de Genebra, o deslocamento de populações para territórios sob ocupação beligerante é proibido, portanto a comunidade internacional considera ilegal a política de assentamentos. Essa ocupação abriu pretexto para que israelenses reivindiquem a anexação oficial de terras da Cisjordânia ao Estado de Israel.
“Pode-se concluir claramente que a transferência de colonos israelenses para os territórios ocupados viola não apenas as leis da ocupação beligerante, mas também o direito palestino de autodeterminação sob o direito internacional. Os assentamentos israelenses são ilegais sob a lei de ocupação beligerante.” (DREW, 1997, p.119).
Noam Chomsky, em entrevista recente, descreveu os objetivos sionistas como “livrar o país dos palestinos e substituí-los por colonos judeus” que se consideram os legítimos donos da terra, “voltando para casa após milênios de exílio”. De acordo com ele, “o objetivo político imediato do governo israelense é construir uma ‘Grande Israel’, incluindo uma ‘Jerusalém’ amplamente expandida que englobe as aldeias árabes vizinhas; o vale do Jordão, uma grande parte da Cisjordânia com grande parte de suas terras aráveis; e as principais cidades no interior da Cisjordânia, juntamente com projetos de infraestrutura só para judeus que as integrem em Israel.”
O cientista político norte-americano Norman Finkelstein é enfático ao dizer que a não retirada de Israel dos territórios palestinos ocupados é considerada como anexação ilegal segundo o direito internacional. “Se for uma anexação ilegal, os israelenses não têm nenhum direito em Jerusalém Oriental. Eles não têm nenhum direito em Gaza. Eles têm apenas um direito: eles têm o direito de fazer as malas e ir embora [da Palestina].” Para Finkelstein, os acontecimentos recentes fazem parte do esforço sistemático e planejado de Israel de roubar terras palestinas.
O que está acontecendo em Sheikh Jarrah deve ser visto como um crime.
A transferência de colonos judeus a terras palestinas criou um conjunto agravante de conflitos contra os árabes, promovendo o seu isolamento em enclaves. O objetivo é a substituição contínua da população local. Sempre quando pode Israel usa a força bruta contra os civis, se vale da destruição da infraestrutura palestina, atacando até edifícios da mídia e despovoando cidades e vilas árabes.
O episódio que se desenrola hoje em Israel é a continuação de um longo processo criminoso de tomada ilegal de terras. A Cisjordânia está sob ocupação militar israelense desde 1967. Os palestinos estão destituídos do direito de autodeterminação e são alvos de constantes ataques, humilhações e expulsões. A lição que o século XX deixou não foi aprendida. Só o futuro irá dizer até onde a ambição e violência de Israel irá parar. A comunidade internacional ainda não se mostrou eficiente em impedir a catástrofe impulsionada pelas potências que se colocam acima da lei.
Gabriel Dantas Romano, 23 anos, estudante de História da USP.
Hobsbawm, Eric. (1995). “Era dos extremos”, Companhia das Letras.
Drew, Catriona J. (1997). “Self-Determination, Population Transfer and the Middle East Peace Accords”, Martinus Nijhoff.