O cuidado como direito de todos
Como deputada e vereadora, apresentamos projetos de lei nos âmbitos estadual e municipal para garantir que o cuidado seja visto como uma responsabilidade coletiva
Carolina tem 55 anos, é moradora da Zona Sul de São Paulo e mãe de dois filhos. Para conciliar a rotina de levar e buscar as crianças na escola e cumprir sua jornada de trabalho, seu dia começa bem cedo, às 5 horas da manhã. No começo da noite ela passa na casa dos pais idosos para ver como estão, a mãe tem uma leve demência e o pai se trata cronicamente de pressão alta. Conversa, checa as medicações e volta para sua casa. Mas a rotina de Carolina não termina aí, pois ainda tem que preparar o jantar da família, organizar a lancheira das crianças e um pouco da casa. Infelizmente, essa é uma rotina comum para as mulheres brasileiras.
Em um país onde as desigualdades sociais e de gênero marcam o cotidiano de milhões de pessoas, o cuidado sempre foi encarado como uma responsabilidade quase exclusiva das mulheres. Além de injusto, esse modelo impede que a sociedade reconheça o cuidado como um dever e um direito de todos. A boa notícia é que, no final de 2024, o governo federal sancionou a Política Nacional de Cuidados, estabelecendo uma base para que essa realidade comece a mudar. Essa política não é só uma formalidade: ela tem o poder de transformar vidas, de dar dignidade e valor a quem cuida e a quem é cuidado.

Crédito: José Cruz/Agência Brasil
O verdadeiro desafio está em transformar essa política em uma estrutura concreta, que atenda às necessidades de quem cuida e de quem é cuidado. Como deputada e vereadora, apresentamos projetos de lei nos âmbitos estadual e municipal para ampliar essa política e garantir que o cuidado seja visto como uma responsabilidade coletiva: nosso objetivo é criar um sistema de cuidados que vá além da simples assistência.
Queremos garantir que existam serviços públicos bem estruturados, que os profissionais da área sejam capacitados e respeitados, e que as famílias cuidadoras – muitas vezes sobrecarregadas e sozinhas – tenham apoio e reconhecimento. Também é essencial que o trabalho de cuidado seja remunerado de forma justa, para que ninguém tenha que abrir mão de sua vida e de seus direitos para cuidar do outro.
A proposta é criar uma rede de apoio que envolva o Estado, a sociedade civil e o setor privado de forma que o cuidado seja uma responsabilidade compartilhada, rompendo com o modelo tradicional que sobrecarrega as mulheres, principalmente as negras e periféricas. Também propomos uma articulação entre as políticas de saúde, educação, assistência social e trabalho, criando um sistema integrado que atenda às demandas da população.
Em todo o mundo, o cuidado informal é predominantemente realizado por mulheres, em sua maioria negras e periféricas. São quase 12,5 bilhões de horas diárias delas dedicadas a realizar tarefas como cozinhar, limpar e cuidar de crianças e idosos. Em termos econômicos, esse esforço representa uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo, segundo dados da Oxfam. Isso significa que, se essa riqueza gerada pelas mulheres correspondesse ao PIB de um país, esta seria a quarta nação mais rica do mundo.
A intervenção do Estado é fundamental para garantir que os cuidados sejam prestados de forma adequada, e que o peso dessa tarefa não sobrecarregue uma parte específica da população. A mobilização da sociedade civil, das organizações de mulheres e dos movimentos sociais é fundamental para pressionar os legisladores a aprovarem um modelo que garanta a equidade e a justiça social.
A verdadeira eficácia dessas políticas dependerá de sua implementação e do compromisso com a distribuição equitativa de recursos. O desafio, após a aprovação das leis estadual e municipal, será garantir sua prática, melhorando a qualidade de vida daquelas que mais precisam e reconhecendo a importância do trabalho de cuidado para o bem-estar coletivo. Estaremos atentas para garantir direitos e uma vida melhor para todas as Carolinas do Brasil.
Marina Bragante é mãe da Lorena, da Olívia e do Lucas, trigêmeos de 6 anos, e vereadora em primeiro mandato pela Rede Sustentabilidade em São Paulo.
Marina Helou é mãe do Martin e da Lara, e deputada estadual em segundo mandato em São Paulo pela Rede Sustentabilidade.