O desafio da prevenção dos conflitos
Quem decide sobre a legitimidade de uma guerra? É preciso prevenir todos os conflitos? Como parar a engrenagem da violência? O fim do enfrentamento Leste-Oeste obrigou a repensar o sistema de segurança coletiva defendido pelas Nações Unidas
Albanês, europeu culto, este antigo estudante de Medicina na Áustria vive no Kosovo. Tem uma família. Conhece a guerra porque ela aconteceu logo ao lado. Os que fugiram e os que voltaram contaram para ele; ele acompanhou pelos jornais, viu na televisão. E, no entanto, como se não conseguisse estabelecer a relação, ele continua pronto para pegar nas armas porque sofre com o apartheidno cotidiano, porque é humilhado pela polícia e porque, a cada vez que cruza com jovens sérvios à noite, tem medo. Ele não deseja a guerra, mas é capaz de aceitar a violência para se defender. Ele já se pergunta se não deveria se unir aos grupos clandestinos do Exército de Libertação do Kosovo, uma organização que surgiu em fevereiro de 1996 e cujas ações e posturas radicais, rompendo com o pacifismo da Liga Democrática do Kosovo, atraem cada vez mais jovens kosovares.
Contada à luz das guerras iugoslavas da primeira metade da década de 1990, a história desse albanês poderia ser a crônica de uma guerra anunciada… Ainda que a Liga e seu dirigente, Ibrahim Rugova, mantenham a vontade de dialogar com Belgrado, a paciência dos albaneses do Kosovo se esgota. Ausência de qualquer concessão por parte das autoridades sérvias, continuidade do regime policial anterior à Guerra da Bósnia, multiplicação das provocações de ambos os lados… Tudo parece caminhar no sentido do provérbio que diz que “a guerra na ex-Iugoslávia começou e vai terminar no Kosovo”.
Mas que política exercer para impedir uma nova fogueira nos Bálcãs? Um desafio exemplar, em suma, para a prevenção dos conflitos, recomendada tanto em Washington quanto em Bruxelas. É o assunto em destaque em diversas conferências. O conceito é humana e politicamente sedutor. Entretanto, o exemplo do Kosovo opõe logo de cara algumas questões concretas à ambição dessas intenções.
Como saber se uma guerra vai estourar aqui ou ali? Afinal de contas, a situação atual de tensão no Kosovo dura quase sete anos… Lembremo-nos, por outro lado, da Bósnia um ano antes de sua autodeterminação em 1991: os turistas, os casamentos mistos, os jogos de futebol e principalmente o modo de vizinhança e coexistência pacífica das diferentes comunidades não davam nenhum indício da ruptura. Nos anos 1930, a Áustria era próspera, lá a arte florescia, a ideia de uma Europa existia para os intelectuais franceses e alemães, e a economia integrava os países europeus; e Stefan Zweig, observando seu país, não viu a guerra chegar.1
A vontade de prevenir os conflitos esbarra dessa forma em uma primeira dificuldade: perceber as guerras em gestação. Pois a guerra só existe a partir do momento em que acontece; o conceito de antes da guerra só existe durante e depois da guerra. Seria preciso também, para preveni-la, concentrar-se naquilo que a precede e no que a sucede, quer dizer, na paz. Ela tem fundamentos próprios? Pode ser viável se é imposta pelos vencedores, durável se se equilibra entre os protagonistas, igualitária se procede de lógicas de construção de vítimas? Existem sistemas de aliança ou interdependência que, se não tornam a paz obrigatória, ao menos deixam a guerra impossível? Responder a essas questões conduziria à invenção de novos acordos de paz para tomar o lugar dos de Dayton (1995), portadores de futuros conflitos em Mostar ou em Sarajevo.
A lógica que conduz a querer impedir a guerra esconde uma segunda questão: é preciso prevenir todos os conflitos, incluindo as guerras legítimas que conclamam o direito à “resistência à opressão” consagrado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e reforçada pela de 1993, do qual a revolução, a resistência, as guerras de independência e algumas guerrilhas camponesas são exemplos marcantes? Seria preciso então determinar em primeiro lugar se uma guerra é “justa”, e principalmente saber quem decide isso: os que a iniciam e conduzem? Os que são suas vítimas? A “comunidade internacional”? No Kosovo, a prevenção voltou a proibir aos albaneses o que já foi concedido aos croatas, aos sérvios e aos muçulmanos da Bósnia. Como mostra esse exemplo, é importante depois estabelecer se o direito de exercer a violência legítima pertence aos Estados e se as minorias devem, em consequência, se constituir em Estado para ser reconhecidas.
Qual é o critério, quem decide?
Quem decide sobre a legitimidade de uma guerra? Para medir a importância da resposta basta pensar na Guerra do Golfo de 1991, uma “guerra justa e limpa” segundo a “comunidade internacional” que a decidiu. A garantia de que as novas tecnologias aniquilariam o presidente Saddam Hussein sem “danos colaterais” permitiu aos dirigentes ocidentais fazer um plebiscito sobre esse conflito declarado legítimo com base no direito internacional. No final, deixaram o ditador no poder – e o petróleo no Kuwait – e centenas de milhares de curdos exilados. “A França está em guerra”, declarou François Mitterrand, mas quem teve a impressão de estar em combate? Pela primeira vez no Ocidente, a guerra e a morte foram dissociadas. Já que a morte é insuportável, apresenta-se um conflito sem vítimas, limpo para os que o conduziram: o Iraque não seria um novo Vietnã. Sabe-se agora que cerca de 100 mil iraquianos pereceram nessa guerra.
A questão da legitimidade da guerra levanta outra: quais serão os critérios para decidir sobre uma intervenção, sabendo que os meios de ação são limitados e que o “direito de intervenção humanitária” só pode ser utilizado uma vez que as primeiras vítimas são recenseadas? Que critérios foram estabelecidos para escolher não intervir, quer dizer, não prevenir a fome somaliana, o genocídio ruandês ou os massacres na floresta congolesa quando ainda era tempo?
As operações militar-humanitárias “Restore hope” na Somália (dezembro de 1992) e “Turquoise” em Ruanda (junho de 1994) fornecem uma primeira resposta: o que conta é o número de vítimas e sua “visibilidade” no jornal das 20 horas. Daí o silêncio sobre os massacres na floresta do Zaire [atual República Democrática do Congo, RDC] durante o inverno [do Hemisfério Norte] de 1996-1997, ou diante da deterioração da situação no Camboja na primeira metade de 1997.
Pode-se igualmente pensar no critério do interesse estratégico. O que elimina qualquer pertinência de uma intervenção no Afeganistão diante dos talibãs [antes dos atentados de 11 de setembro] ou na República Democrática do Congo diante de Laurent-Désiré Kabila. Por outro lado, esse critério obriga a entrar no Panamá ou em Granada, posicionar capacetes azuis na fronteira da Sérvia e da Macedônia, ou ainda apoiar de forma maciça a Ucrânia no plano econômico.
Acrescentemos um fator suplementar: a necessidade de estabelecer as regras da nova ordem internacional assim como a classificação das potências nesse novo “grande jogo”. Os Estados Unidos podem desse modo claramente escolher não fazer e não dizer nada sobre o conflito checheno, ou acabar unilateralmente com o embargo à venda de armas na Bósnia.
Enfim, existe, é claro, a questão do custo da intervenção comparado ao da não intervenção. Que benefícios políticos ou econômicos se podem tirar de uma intervenção no Burundi, em Serra Leoa, em Bougainville ou na Argélia? Bem incertos, de fato. O preço a pagar por tais operações é, por outro lado, conhecido: dificuldades logísticas, complexidade política e militar, perigo para os que participam, risco de complicação do conflito; mas também o custo financeiro e as dificuldades para negociar, colocar em ação e conduzir uma operação multilateral.
Ou seja, constata-se que, a médio prazo, a estabilidade de um regime vencedor é melhor do que as incertezas de uma paz negociada e, portanto, frágil. Vimos no Curdistão, depois da insurreição da primavera de 1991: uma operação humanitária é financeiramente menos dispendiosa do que, politicamente, a morte de um soldado norte-americano numa guerra que não seja sua. Quanto à ex-Iugoslávia, ela mostrou: pode haver mais a ganhar com uma intervenção tardia num conflito, e depois tocando os dividendos da mediação, do que fornecendo uma ajuda maciça mas discreta a fim de prevenir o mesmo conflito… sem saber se essa ajuda servirá efetivamente para alguma coisa.
Um problema alheio
No entanto, uma coisa é certa: a prevenção dos conflitos não tem sentido se seus idealizadores não tiverem realmente o propósito de praticá-la. Nem na Bósnia nem na República Democrática do Congo os conceitos e as intenções seriam suficientes para reduzir o número de vítimas. Como qualquer decisão internacional, uma política visando impedir as guerras não pode manter sua eficácia com base na vontade dos Estados de colocá-la em ação, juntos ou separadamente, e utilizar para esse fim “todos os meios necessários” dos quais já dispõem.
Mesmo que, das Nações Unidas à União Europeia, passando pelas organizações não governamentais, todo mundo consagre esforços reais para sua definição, o conceito da prevenção dos conflitos permanece ainda tão ambíguo quanto circunscrito. Ele tenderia inclusive a separar um pouco mais os “civilizados”, que pensam a guerra, dos “bárbaros”, que a vivem. Como se o fato de refletir sobre os conflitos constituísse uma proteção.
O que nos protege do horror dos massacres de Srebrenica de julho de 1995? As telas de televisão que nivelaram a violência? As análises de especialistas que quase justificaram o horror, dando sentido ao conflito? As associações humanitárias ou os capacetes azuis que agem de acordo com nossa consciência e a aliviam? A profecia de um muro cujo desmoronamento deveria proteger o Velho Continente? Ou mais provavelmente a distância geográfica que mantinha os conflitos para fora das fronteiras da Europa Ocidental desde 1945? Em todo caso, mesmo quando as fronteiras são as de nossos vizinhos próximos do Sul ou do Leste, a guerra continua sendo problema alheio, como a barbárie.
Quando os ocidentais falam de prevenção de conflitos, eles evocam a primazia do direito, a intangibilidade das fronteiras ou a necessidade de justiça econômica e social que subentendem a paz em seu país. Com total amnésia de sua própria história, eles seriam protegidos por seu exército, iluminados por sua razão e, principalmente, resguardados num baluarte de democracia e prosperidade. Diversas razões, em suma, que justificam fundamentar a dissuasão dos enfrentamentos sobre essa diferença maior entre nós, os ocidentais, e eles, os outros.
Ao ocultar o passado para estabelecer essa distinção, o Ocidente faz pouco caso do medo, da emoção e da exasperação. Como se ele reservasse o ódio e a “vontade de lutar” somente aos velhos combatentes. Como se ele recusasse a violência das grandes páginas da história da França, os escritos de todos os que testemunharam que a guerra é também o instinto de dominação, a força da obediência, a necessidade de se defender e, para isso, de atacar antes de ser atacado. Se nós esquecemos, os conceituadores da purificação étnica, eles se lembraram bem…
Isso para dizer o número de obstáculos que uma verdadeira política de prevenção e resolução de conflitos deve superar. A própria Comissão Europeia tanto é perfeitamente consciente disso que, numa proposta submetida aos Estados-membros, em março de 1996, sublinhava: “O número crescente de conflitos violentos na África constitui um desafio importante para a comunidade internacional. […] Porém, se essa ‘comunidade internacional’ é permanentemente solicitada para resolver esses conflitos, os instrumentos tradicionais que ela utiliza (operações para manter a paz das Nações Unidas, ajudas humanitárias etc.) se revelaram custosos e às vezes ineficazes ou até contraprodutivos com relação ao objetivo a longo prazo de retorno a uma situação durável de não violência e estabilidade. […] Acrescente-se a isso que se tornou extremamente dispendioso reparar os efeitos de conflitos violentos na África”.2
Iniciativa humanitária? Confissão de fraqueza? Expressão de uma vontade de poder? Instrumento de política interna? A dissuasão da guerra é tudo isso ao mesmo tempo. Os conflitos que se multiplicam no planeta constituem armadilhas para os países ocidentais. Eles gostariam de remediar as dificuldades que encontram para intervir nos conflitos, administrá-los, tratar suas consequências e evitar seus transbordamentos. Eles esperam, numa mesma tacada, responder às opiniões públicas, que exigem o fim dessas carnificinas. O ideal seria poder extirpar o tumor antes que ele se desenvolva, o que implica um diagnóstico precoce. No entanto, o cinismo da constatação não deve impedir de se lançar seriamente ao exercício. Pois, mesmo que falte sinceridade, nem por isso o projeto é obrigatoriamente vão.