O desafio de ampliar a democracia na África
Desde a democratização no continente nos anos 90, os africanos se envolvem cada vez mais na gestão das cidades. É assim que o orçamento participativo chegou. Em 2010, 53 coletividades territoriais adotavam esse procedimento, agora o número saltou para 153, numa evolução encabeçada por Senegal, Camarões e MadagascarMamadou Bachir Kanouté
(A cidade de Dacar que instarou um fundo destinado a combater problemas urbanos)
Na África, a arrecadação de recursos para fazer uma ação pública é mais difícil do que em qualquer outro lugar do mundo. Em nenhum país do continente, a carga de impostos e as contribuições sociais excedem 17% do PIB (10% é a média), enquanto na América Latina elas se situam em torno de 20% a 25%, e de 40% a 50% nos países ocidentais.
Os gastos locais africanos não representam mais do que 3,5% dos orçamentos públicos. Além disso, entre 80 e 85% das despesas são operacionais (salários dos agentes municipais, combustível etc.), restando apenas uma pequena fração aos investimentos de base (educação, saúde, água, saneamento etc.) e à satisfação das necessidades sociais (segurança, inserção social, entre outros).
No entanto, desde a democratização ocorrida no continente nos anos 90, as populações se envolvem cada vez mais na gestão das cidades. É assim que o orçamento participativo surgiu na África, no início dos anos 2000. Em 2010, na Conferência das Cidades da África (Africités 5), em Marrakesh, foram enumeradas 53 coletividades territoriais que adotaram esse procedimento. Em fevereiro de 2011, o Fórum Social Mundial de Dacar recenseou 153, ou seja, cem novas adesões. Senegal, Camarões e Madagascar estão encabeçando essa evolução. Antananarivo responsabilizou o Fundo de Desenvolvimento Local (FDL) por encorajar um movimento que envolve 59 municípios em 2011 e trezentos em perspectiva para 2012.
Progressivamente, o movimento se estende por todo o continente. Em Camarões, cerca de cinquenta cidades estão implicadas. Na República Democrática do Congo (RDC), seis municipalidades − cujos bourgmestres(espécie de prefeito) foram, no entanto, nomeados pelo Estado central − estão experimentando o orçamento participativo, já efetivado na capital Kinshasa e no Kivu Sul. Na África de língua inglesa, a África do Sul e o Quênia são os motores. Moçambique e Cabo Verde, com seis cidades, juntam-se ao movimento na África de língua portuguesa.
O acesso ao orçamento participativo permite uma melhor distribuição dos recursos das comunidades às necessidades essenciais das populações, sobretudo no que concerne aos mais desfavorecidos. Dessa forma, em Madagascar as empresas de extração de minérios foram obrigadas a tornar públicos os royalties que pagam ao Estado. Os recursos financeiros assim obtidos foram consagrados a escolas, postos de saúde e, de maneira geral, a um melhor cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Nas cidades africanas frequentemente marcadas por uma ruptura da coesão social, o orçamento participativo favorece o equilíbrio entre os bairros centrais, considerados uma vitrine e o centro de todas as atenções das autoridades, e os bairros periféricos superpovoados. Constituídos de pardieiros subequipados, estes últimos não se beneficiam de serviços sociais de base adequados. Sendo assim, a cidade de Dacar instaurou um Fundo de Desenvolvimento e de Solidariedade Municipal destinado a combater problemas urbanos como o emprego de jovens, a promiscuidade, a insegurança, a degradação do nível de vida e o agravamento da vulnerabilidade das famílias. É observada igualmente uma melhor inclusão social dos grupos vulneráveis e/ou marginalizados − os jovens e as mulheres − na definição e gestão das necessidades.
No plano político, o orçamento participativo fez crescer a transparência da gestão municipal, que, dessa forma, adquiriu grande credibilidade aos olhos das populações. Assim, vários municípios africanos adotaram o princípio da “prestabilidade”, que obriga os eleitos a prestar contas aos eleitores. No Mali e em Senegal, existem os “dias de diálogo” durante os quais o prefeito instala seu escritório em locais públicos e dedica-se a discutir com os cidadãos. Em Dacar, o prefeito se submete às perguntas da população na rádio comunitária. Via internet, ele mantém igualmente o diálogo com a diáspora, que é um desafio importante para a África, onde os emigrantes às vezes contribuem mais do que o governo para o desenvolvimento de sua comunidade de origem.
Desafios inconclusos
Contudo, a institucionalização do processo de participação orçamentária permanece um desafio. Em Madagascar, depois de uma experiência em nove municípios-piloto, o governo encorajou a extensão do processo a cinquenta municípios para o exercício de 2011 e prevê aumentar para trezentos municípios em 2012. No Senegal, o ministro da Descentralização e das Coletividades Locais se pronunciou a favor de uma lei para instaurar o orçamento participativo. Em Moçambique, diretrizes foram elaboradas pelo governo para a formatação da participação orçamentária.
Na verdade, na maioria dos países, a legislação está atrasada com relação a práticas democráticas. O exemplo mais flagrante é o da RDC, onde as autoridades locais ainda são nomeadas, e não eleitas. Elas somente prestam contas à administração central que as instalou. Nos países da África de língua francesa, nos quais as leis foram inspiradas pela França, nota-se um hiato entre as que datam, em sua maioria, dos anos 60, período das independências, e as aspirações atuais dos cidadãos, que reclamam o aprofundamento da democracia. Portanto, uma remodelação se faz necessária.
Os processos participativos se revelam voláteis: muitos se perdem com a sucessão das alternâncias locais; outros não resistem às primeiras dificuldades encontradas. Na verdade, trata-se de uma divisão de poder entre as autoridades dotadas da legitimidade conferida pelas urnas e outros tipos de força impostos sobre o terreno social, comunitário etc. Os processos são, então, muito instáveis. Em outros termos, existe uma contradição evidente entre a afirmativa da vontade de descentralização pelos governantes e a fraqueza, ou mesmo a ausência, na transferência de recursos concomitantes.
Enfim, alguns dos maiores desafios continuam sendo o acompanhamento e a avaliação das experiências engajadas. A compartimentação das iniciativas, frequentemente ligadas aos microprojetos ad hocnão coordenados, não facilita esse processo, e parece necessário reforçar as trocas entre os países africanos, e entre a África e o resto do mundo.
Mamadou Bachir Kanouté é Coordenador da organização internacional Enda Ecopop, em Dacar, Senegal.