O desafio de escrever e se destacar na Literatura Policial
Luciana conta que o protagonismo feminino na literatura policial não se trata apenas de quem escreve, mas também de quem lê
O mês de março é um período emblemático para celebrar a determinação e a trajetória das mulheres em diferentes áreas. Na literatura, em particular no gênero policial, historicamente dominado por autores masculinos, a presença feminina é desafiadora. Embora tenhamos avançado nas últimas décadas, continuamos sendo minoria em tramas de mistério, crime e investigação. Mas isso não nos impede de fazer a diferença no mercado editorial.

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Autoras como Lisa Gardner e Karin Slaughter já se provaram especialistas no gênero; no entanto, o verdadeiro desafio está nos novos talentos que emergem através da autopublicação ou de editoras com recursos limitados para distribuição e divulgação. Essas escritoras muitas vezes enfrentam desconfiança, alimentada pela crença de que mulheres não podem escrever thrillers com a mesma competência que os homens. Isso não é novo: as crenças limitantes estão enraizadas desde os tempos das pioneiras Agatha Christie e Dorothy L. Sayers, que tiveram que validar suas vozes em um campo dominado por autores masculinos.
Quando decidi escrever ficção policial, sabia que não queria apenas evidenciar as nuances entre moral e ética, nem os impactos da violência que permeiam nossa sociedade. Meu objetivo sempre foi explorar as camadas psicológicas das personagens, criando protagonistas femininas complexas e humanas, desafiando a participação passiva frequentemente atribuída a elas no gênero.
Mas como uma autora pode se destacar nesse cenário? Primeiro, é preciso estudar o gênero, conhecer as estruturas narrativas e entender o que diferencia uma boa história de suspense de um enredo previsível. Além disso, a autenticidade é crucial. Trazer para a ficção experiências e reflexões individuais e reais pode ser o grande diferencial para se sobressair. Dilemas contemporâneos e discussões pertinentes, muitas vezes atemporais, fazem com que as narrativas se conectem aos leitores.
No momento, estou animada e mergulhada em um novo desafio após ser fisgada por uma matéria de jornal que ganhou destaque na imprensa em setembro do ano passado. Ficcionar a história real da escrivã da Polícia Civil de Roraima, Gislayne de Deus, que auxiliou na captura e deu a voz de prisão ao assassino de seu pai, 25 anos após o crime. Este está sendo um dos grandes projetos da minha carreira. O livro será publicado em 2026 pelo selo Mapa Crime da editora Mapa Lab e tem como fio condutor o trabalho de investigação que localizou e prendeu o foragido. Além disso, a obra visa lançar luz sobre as falhas do sistema judiciário brasileiro, que levou 14 anos para condenar o homem inicialmente detido em flagrante e solto apenas 16 dias após o crime.
Mês passado estive em Boa Vista, capital do estado de Roraima, para uma pesquisa de campo detalhada que dará ainda mais autenticidade à trama. A determinação dessa mulher, que perdeu o pai aos 9 anos de idade e que duas décadas depois tornou-se peça-chave para o encarceramento do criminoso, além de materializar todas as minhas personagens fictícias, também representa a perseverança e resiliência de todas nós, mulheres reais, que lutamos diariamente pelo nosso espaço na sociedade.
O protagonismo feminino na literatura policial não se trata apenas de quem escreve, mas também de quem lê. Mulheres são ávidas consumidoras de tramas de suspense e mistério, e quando encontram personagens que refletem suas vivências e complexidades, a conexão com a obra se torna ainda mais potente.
Neste mês da mulher, o convite é para celebrar todas as autoras que enfrentam desafios para contar suas histórias e todas as leitoras que buscam narrativas que as representem. A literatura policial pode — e deve — ser um espaço de protagonismo feminino, e estamos aqui, unidas, autoras e leitoras, para garantir que nossa presença não passe despercebida.
Luciana de Gnone é escritora de romances policiais com protagonismo feminino. Seu livro mais recente é o Evidência 7, publicado pela mapa crime.