O desafio do pós-desenvolvimentismo
Ao ampliar a democracia, e promover distribuição de renda, o governo Lula enfrentou duas das três tendências malditas que marcaram o “desenvolvimento” brasileiro nos anos 1900. Mas ainda corre um risco: o de manter a tradição predatória, no século em que o grande desafio é a sustentabilidadeHamilton Pereira
Nós brasileiros somos herdeiros de uma tradição desenvolvimentista firmada ao longo de século 20, que se definiu por um triplo caráter: autoritário, crescemos sob ditaduras; excludente, crescemos concentrando renda; e predatório, crescemos ignorando a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
A cultura do desenvolvimento brasileiro parte do pressuposto equivocado de que os recursos naturais são infinitos. Em decorrência do modelo de acumulação agro-exportador, colonial e neocolonial baseado nas monoculturas “históricas” (cana-de-açúcar, café…) e nas recentes (cana de açúcar… e soja), vigiadas de perto pelos olhos redondos das vacas… Crescemos de maneira disforme, sem o equilíbrio capaz de garantir a durabilidade dos ciclos, historicamente interrompidos por longos períodos de crise e estagnação, como nos últimos 20 anos.
Nos seis anos do governo Lula, o Brasil enfrenta com relativo êxito esse triplo desafio: crescemos com democracia. É inegável. Crescemos com distribuição de renda. Não há como contestar. Mas não incorporamos a dimensão da sustentabilidade sócio-ambiental à cultura do novo ciclo de desenvolvimento.
O que fazer para que o governo Lula não passe para a história como um período que, sob condições infernais, teve êxito na consolidação da democracia brasileira, no combate às criminosas desigualdades sociais — mas não soube dar a solução adequada para a agenda do século 21: a sustentabilidade sócio-ambiental do desenvolvimento?
O principal agente de um novo modelo será a sociedade. Ao Estado cabe oferecer instrumentos. Mas que resulta das resoluções tomadas nas Conferências Nacionais?
Partimos da convicção de que quem resolve o problema é quem sente o problema: ou seja, a sociedade, a cidadania. Ao Estado cabe – e o Brasil ainda está longe disso – oferecer os instrumentos para dar solução, cumprir o papel indutor do desenvolvimento. Essa convicção orienta o esforço de mobilização da sociedade por meio de uma série de Conferências Nacionais. No início de abril, concluímos a etapa das plenárias estaduais da III Conferência Nacional do Meio Ambiente. Foram 27, precedidas de 556 plenárias municipais e 141 plenárias regionais. Esse rico processo de mobilização e educação social envolveu mais de 100 mil pessoas para debater o tema das mudanças climáticas e oferecer a contribuição da sociedade para a formulação da Política Nacional face às Mudanças do Clima e do Plano Nacional que derivará dela.
Uma pergunta inevitável, apresentada pelos setores sociais que entendem as Conferências como uma vistosa maneira de perder tempo e jogar dinheiro fora – e mesmo pelos setores que desejam aprimorar o processo é: o que é feito com as deliberações delas? A informação está disponível no site do Ministério do Meio Ambiente (MMA): mais de 350 deliberações aprovadas na II Conferência Nacional do Meio Ambiente, de competência do MMA, foram implementadas ou estão em fase de implementação, por se tratar de processos. Isso significa 83% das decisões aprovadas pelos cidadãos que participaram da conferência anterior. O cumprimento das deliberações, no que tange às atribuições do MMA, representa não apenas o compromisso do ministério com o processo, mas também o grau de amadurecimento dos delegados, ao aprovarem deliberações que sinalizam as prioridades de uma agenda ambiental para o Brasil.
Ao lado dos números que se referem à mobilização e execução das deliberações pelo governo, cumpre registrar um fato igualmente relevante: a agenda ambiental no Brasil vai deixando de ser assunto exclusivo dos ambientalistas e dos estudiosos, para se tornar um tema do quotidiano dos cidadãos. Chegaremos à Plenária Nacional da III Conferência, de 7 a 10 de maio, com a presença majoritária de movimentos sociais, entidades comunitárias, populações tradicionais que vão, de modo crescente, legitimando-se como protagonistas na consolidação dos espaços democráticos que construímos. Essa é uma conquista formidável da sociedade brasileira. Ela deriva de décadas de militância e compromisso de ONGs ambientalistas, movimentos sociais, comunitários, cooperativas, administrações municipais e estaduais pioneiras. Esse processo traz consigo o significado mais profundo: estamos vivendo uma transformação na cultura do desenvolvimento brasileiro. Consolidar essa sensibilidade nas