O dinheiro e a política no Brasil
A competição eleitoral desequilibrada em função da desigualdade gritante de recursos entre campanhas ameaça o jogo eleitoral, distorcendo a representação a favor de quem mobiliza mais dinheiro. Esse modelo de financiamento é corresponsável por corrupção, má gestão e abuso de recursos para fins particulares
Dinheiro e política são símbolos de dois princípios radicalmente opostos nas democracias modernas. Dinheiro representa a desigualdade entre as pessoas, um aspecto da realidade que salta aos olhos a cada passo que damos nas ruas. A riqueza é distribuída de forma desigual e dela também dependem outros capitais importantes, como a formação e as redes sociais. Já a política representa um ideal, o sonho de uma sociedade diferente da atual.
Como pessoas, convivemos como desiguais; mas, como cidadãos, reconhecemo-nos como iguais. A partir deste ideal, estabelecemos regras para assuntos que decidimos de forma coletiva para a convivência política. Uma delas é que, em assuntos políticos, o princípio de igualdade deveria sobrepor-se à desigualdade que caracteriza nosso dia a dia. Almejamos o ideal de direitos e chances iguais na participação política.
Nas campanhas eleitorais, no entanto, o dinheiro tem papel-chave. Os dados sobre o financiamento das campanhas falam bem claro: quanto mais recursos um candidato tiver, maior a chance de se eleger. São poucos os que conseguem fugir a essa regra. Alguns porque já dispõem da visibilidade pública que outros necessitam construir por meio de campanhas de comunicação. Outros pegam carona na legenda: integram partidos fortes e acabam por se eleger com menos votos que aqueles cuja legenda teve pior desempenho. Mas são exceções. A regra do jogo político atual é clara: o volume total dos recursos mobilizados nas campanhas é um forte indicador para prever o resultado eleitoral.
O que significa isso para a democracia representativa? Ela poderá manter os ideais de igualdade, defender o imperativo da política diante da presença real do dinheiro? Para alguns, a conclusão é clara. O modelo atual de financiamento de partidos e campanhas no Brasil é corresponsável por problemas de corrupção, má gestão e abuso de recursos para fins particulares.
Para estes, o volume de recursos necessário para entrar na competição eleitoral bem como a origem desses recursos (provenientes do setor privado) são o gargalo para melhorar o sistema. E a solução é o financiamento público exclusivo de campanhas. No entanto, várias tentativas de mudar as regras do jogo fracassaram. Parece que vamos conviver ainda algum tempo com este modelo.
Os dados sobre o financiamento eleitoral que sustentam esta análise são provenientes das declarações dos candidatos à Justiça Eleitoral. Paira certa dúvida quanto à credibilidade sobre dados oficiais. E o “caixa dois”? A análise parte da concepção que o “caixa um” talvez não retrate de forma completa o financiamento político no Brasil. Porém, ele deixou de ser uma peça de ficção e se aproxima suficientemente da realidade para merecer uma análise cuidadosa. Afinal, não se pode abrir mão de uma fonte tão rica de informações para entender um pouco mais sobre um aspecto central do sistema democrático de representação.
Quanto custa a política no Brasil?
A que nos referimos quando falamos do financiamento da política? Contamos o custo apenas do processo eleitoral ou incluímos também os custos dos representantes nos seus respectivos cargos? Se nos limitarmos ao processo eleitoral, incluímos o custo da Justiça Eleitoral ou focamos exclusivamente os recursos gastos para a propaganda política? E olhando somente para este lado do proselitismo político, abordamos os gastos dos partidos políticos ou restringimos a observação às campanhas eleitorais? Finalmente, o financiamento se restringe ao dinheiro que circula ou incluímos também outros recursos, como descontos que podem ser estimados em dinheiro?
De uma forma simplificada, podemos definir que o financiamento da política inclui os gastos dos partidos e dos candidatos, mas não da administração das eleições, nem da representação. Com isso, nossa estimativa deve incluir os recursos gastos pelos partidos e pelos candidatos nas campanhas eleitorais, considerando também os gastos correntes dos partidos políticos para manter sua estrutura organizacional. A análise, aqui, fica restrita ao âmbito nacional.
Os diretórios nacionais dos partidos políticos arrecadam aproximadamente R$ 30 milhões por ano (dados de 2008).1 As principais fontes são contribuições dos filiados e doações privadas. Adicionalmente, os partidos receberam recursos públicos por meio do fundo partidário, somando R$ 200 milhões anuais. No entanto, parte desses recursos é repassada aos diretórios estaduais e municipais.
Para as campanhas eleitorais não há recursos públicos específicos. Os partidos e os candidatos usam recursos próprios ou buscam financiadores. A capacidade de aportar recursos próprios é limitada, mas muitos investem fortemente em suas próprias campanhas. Os financiadores externos podem ser tanto pessoas físicas como empresas.
A eleição de 2006, incluindo todos os candidatos no âmbito nacional, custou R$ 824 milhões.2 Para um ciclo eleitoral de quatro anos, o financiamento de partidos e eleições no âmbito nacional sai por aproximadamente R$ 1,7 bilhões. Adicionalmente, os partidos recebem recursos indiretos, como o acesso gratuito a rádio e TV, cuja estimativa de custo não foi incluída neste cálculo.
Tomando esses números como referência, podemos afirmar que o financiamento político no Brasil custa caro? Não necessariamente. Uma primeira comparação com números do setor privado parece interessante. A Casas Bahia, maior anunciante privado no Brasil, gasta mais de R$ 3 bilhões por ano para anunciar seus produtos. Os gastos de campanha para conquistar uma vaga no Congresso Nacional (R$ 422 milhões) não chegam ao que uma Ford ou Fiat (R$ 690 milhões cada) gastam para anunciar seus mais recentes modelos.3
Se comparados com esses números, os gastos de campanha que orientam a escolha dos dirigentes políticos da nação parecem bastante modestos. Esta comparação não tem uma conclusão imediata. Serve apenas para questionar afirmações recorrentes sobre o custo absurdo das campanhas eleitorais no Brasil.
Outro exercício coloca os números em perspectiva com o tamanho da democracia brasileira. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, somente no âmbito nacional, 16 mil candidatos competem pela Presidência da República, uma vaga na Câmara ou no Senado. Esses candidatos devem alcançar 150 milhões de eleitores com suas mensagens. Tomando como referência os R$ 1,8 bilhões gastos na campanha de 2006 (incluindo agora os cargos estaduais), chegamos a gastos médios de R$ 12,00 por eleitor. Esta soma parece bastante modesta, considerando a propaganda de todos os candidatos aos cinco cargos disputados em eleições nacionais: deputado estadual, governador, deputado federal, senador e presidente.
O custo para ganhar uma eleição
O custo médio dos candidatos para cada cargo engana. Ele inclui aqueles que arrecadam pouco e têm baixo desempenho nas urnas, como também outro grupo, que entra no jogo para ganhar. As campanhas dos candidatos vitoriosos gastam aproximadamente 57% dos recursos levantados por todos os candidatos.
A campanha da reeleição do presidente Lula, por exemplo, custou R$ 76 milhões. As campanhas dos governadores vitoriosos saíram, em média, por R$ 11 milhões. As dos senadores, R$ 1,4 milhão; dos deputados federais, R$ 524 mil; e dos deputados estaduais e distritais, R$ 464 mil (ver tabela).
Os dados das prestações de contas estão hoje disponíveis porque a legislação brasileira sobre financiamento de partidos e campanhas mudou significativamente a partir dos escândalos no início dos anos 1990. A Lei de Partidos Políticos, de 1995, e a Lei de Campanhas Eleitorais, de 1997, exigem que todos os recursos financeiros sejam declarados à Justiça Eleitoral e amplamente divulgados ao público. O TSE contribuiu para que estas regras se tornassem realidade e implantou um sistema de prestação de contas em formato eletrônico, na esteira da informatização do voto. Hoje, o Brasil dispõe de um dos mecanismos mais avançados de coleta e divulgação de informações, com amplo acesso pela internet. Não há outro país na América do Sul que tenha chegado ao mesmo patamar. Somente nos Estados Unidos e no Canadá existem sistemas parecidos.
Problemas com recursos para financiar campanhas
A expressão clássica da igualdade dos cidadãos no processo eleitoral é a universalidade e igualdade do voto. Mantidas todas as diferenças na vida econômica e social, cada cidadão tem o mesmo peso na urna e, protegido pelo sigilo, ele atribuirá seu voto ao candidato de sua preferência.
O primeiro problema com os recursos destinados a campanhas eleitorais é que eles minam um princípio básico das democracias modernas: a igualdade dos cidadãos no processo eleitoral. Os dados demonstram que recursos de campanha provenientes de doações têm um peso preponderante na definição do resultado eleitoral. Dessa forma, a possibilidade de contribuições financeiras ilimitadas aos partidos políticos mina o princípio da igualdade e universalidade na influência sobre os processos eleitorais. Quem pode contribuir muito influencia diretamente o resultado eleitoral.
A desigualdade na contribuição acaba se desdobrando em outro nível. Com o financiamento privado desregulado, candidatos que representam uma clientela mais abastada terão mais recursos disponíveis que outros que representam interesses com menos poder econômico. O desequilíbrio se manifesta quando candidatos com pouquíssimos recursos organizam campanhas modestas, competindo com candidaturas milionárias.
A competição eleitoral desequilibrada em função da desigualdade gritante de recursos ameaça o próprio jogo eleitoral. Ela afasta da política aqueles que querem discutir ideias e distorce a representação a favor daqueles que têm mais capacidade de mobilização de recursos.
Finalmente, o financiamento da política com recursos privados pode comprometer os futuros eleitos, na hora em que os doadores cobrarem a fatura e exigirem tratamento diferenciado. As possibilidades de atender a esses pedidos são muitas, desde a intermediação na resolução de problemas com a administração pública até a influência sobre o processo legislativo. Esta última dimensão do financiamento político, como porta de entrada para a corrupção, concentra grande parte dos argumentos críticos sobre o financiamento eleitoral privado no Brasil.
Fontes do financiamento privado no Brasil
Atualmente, as fontes de financiamento das campanhas eleitorais no Brasil são: doações de pessoas jurídicas, de pessoas físicas, recursos próprios e transferências de partidos. A composição desse financiamento varia entre os diferentes cargos, mas, na média, em todas as campanhas, os recursos das empresas são o componente mais forte.
Sem o apoio empresarial não é possível vencer eleições no Brasil. Podemos ilustrar isso se olharmos para o sucesso eleitoral dos candidatos a deputado federal na última eleição. Quanto maior a participação das pessoas jurídicas no financiamento das campanhas, maior foi o sucesso eleitoral. Entre os candidatos eleitos, o peso das doações de pessoas jurídicas é de mais de 50% em média.4
O financiamento de campanhas eleitorais por empresas é prática comum em muitos países. As razões são diversas, sendo uma das mais fortes o reconhecimento de que partidos e candidatos precisam de recursos suficientes para financiar a competição, e que não há outras fontes disponíveis.
De fato, as campanhas ficaram mais sofisticadas e demandam mais recursos. Mas, para alguns, isso representa a substituição do debate político pelo marketing. Na mesma esteira, os partidos conseguem mobilizar cada vez menos simpatizantes para a campanha. O que era engajamento cívico no passado, virou serviço pago.
Por outro lado, há mais democracia e competitividade hoje que no passado. Se uma década atrás parecia impossível desafiar determinados clãs políticos no interior, hoje vários feudos estão em dissolução – e um dos fatores para que isso ocorra são as campanhas eleitorais sofisticadas, o que mostra que o dinheiro também tem conotações positivas.
Não houve, no entanto, um incremento nas fontes de financiamento, mantendo o passo com o crescimento dos gastos. O fundo partidário acaba financiando a máquina do partido. A arrecadação partidária, por meio das contribuições dos filiados, dos representantes políticos, da comercialização de produtos ou de investimentos, movimenta muito pouco perto do volume das campanhas eleitorais. Restaria o financiamento privado de pessoas físicas.
A mobilização de recursos promovida por Barack Obama durante a última campanha presidencial nos Estados Unidos deu luz àqueles que apostam na possibilidade de mobilizar pequenas doações individuais e limitar a influência de grandes empresas nas campanhas. No entanto, nem mesmo Obama conseguiu dispensar completamente os grandes doadores.
Ainda há de ser provado que a mobilização de apoio financeiro também funciona em um país com menor poder aquisitivo e com maior desconfiança pública em relação ao processo político e aos partidos. Na aritmética, a solução do financiamento pulverizado parece fácil. Se todos os eleitores contribuíssem com R$ 6,00 na próxima eleição, esse valor corresponderia ao financiamento de toda a campanha de 2006.
Ou seja, na teoria parece possível livrar os candidatos das mãos das grandes empresas. Porém, na prática são poucas as pessoas físicas que financiam campanhas políticas. Mobilizar doações também custa dinheiro e a mobilização de muitos pequenos contribuintes pode ser mais custosa que convencer um grande doador. Enquanto não houver outra fonte de recursos para bancar as campanhas, as grandes doações de empresas parecem ser a única alternativa viável.
A estratégia para a saída da atual situação de alto risco que este mecanismo traz aos valores democráticos – igualdade dos cidadãos, equilíbrio da competição eleitoral e integridade dos representantes – passa por uma dessas duas vias: a regulação de forma proativa dos recursos privados, limitando valores de doações e definindo um teto para as campanhas; ou a substituição do financiamento privado por recursos públicos, onde outros dilemas quanto à distribuição desses recursos esperam ser resolvidos.
Bruno Wilhelm Speck é doutor em Ciência Política pela Universidade de Freiburg, Alemanha. Foi assessor sênior da Transparency International na América Latina. É professor e chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
1 Dados calculados a partir de Mauro Campos, Democracia, partidos e eleições: os custos do sistema partidário-eleitoral no Brasil, Tese de Doutoramento defendida em 2009 na Universidade Federal de Minas Gerais, orientada pelo autor.
2 Dados fornecidos pelo TSE. Em comparação, no âmbito estadual, as prestações de contas dos 40 mil candidatos aos cargos de governador e deputado estadual somam R$ 974 milhões; as contas dos 380 mil candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador somaram R$ 2.804 milhões.
4 Cálculos próprios a partir de dados fornecidos pelo TSE.