O Emprego na Era da IA
As ferramentas são capazes de auxiliar a rotina de diversos profissionais, mas o seu protagonismo vem sendo subestimado a ponto de negar a sua capacidade de substituição de trabalhadores
A Inteligência Artificial vem construindo um novo cenário na Economia e isso afeta a todos. Desde o uso para trivialidades até processos e operações complexas; as diferentes ferramentas de IA estão presentes, como por exemplo, o caso Studio Ghibli e até o uso de utensílios para análise jurídica. Surpreendentemente, há quem use o ChatGPT para fazer sessão de terapia, depositando a sua saúde mental em um sistema digital. Nota-se que, aos poucos, essas ferramentas ocupam lugares de profissionais qualificados e assumem um papel fundamental na entrega de alguma tarefa que não poderia ser feita por qualquer pessoa. Para os entusiastas, a IA não vai substituir um profissional pois ela sempre será supervisionada por um humano, e sem consciência, essas ferramentas terão limitações cognitivas intrínsecas aos seres humanos. Por outro lado, ignora-se o fato de que elas, na verdade, são capazes de gerenciar e monitorar atividades laborais. Diante disso, cabe a reflexão sobre o papel da IA e seus impactos no trabalho.

Não é incomum encontrar relatos de pessoas que utilizam o ChatGPT para diferentes funções em suas rotinas de trabalho. Alguns podem utilizar para responder e-mails, construir propostas comerciais para clientes e até auxiliar em textos para matérias jornalísticas. Outros, ainda, contam com essas ferramentas para leitura e cruzamento de imensos bancos de dados para análises estatísticas. São operações simples ou complexas que cabem a um profissional qualificado, em muitos desses casos, realizar.
O avanço dessa tecnologia não encontra nenhuma barreira de regulação, pelo contrário, há um endosso para a livre criação e utilização em diferentes setores. Enquanto um advogado precisa de anos de estudo formal e ser aprovado em exames técnicos para exercer seu ofício, alguém – ou alguma empresa – cria uma ferramenta de análise jurídica que, em tese, traz mais agilidade e precisão em diversas análises processuais. Ora, essa atribuição caberia a um advogado, um profissional qualificado e com a mínima garantia de exercício da função, mas passou a ser feita por uma ferramenta não regulada.
Esse exemplo pode ser observado em outras categorias, tais como, medicina, engenharia, economia e psicologia. A cada dia, novas IAs vão ocupando espaços em diferentes setores sem nenhuma regulação, ocupando o espaço de profissionais que precisaram de anos para terem a qualificação necessária para o exercício de uma função.
Apesar do gasto exorbitante de energia elétrica para o pleno funcionamento das Inteligências Artificias, essa tecnologia pode ser mais barata que manter contigente de profissionais. Aqui está um fato importante, o profissional será substituído à medida que a sua força de trabalho for mais custosa que uma máquina. A partir disso, a mão-de-obra se tornará mais barata e mais precarizada, pois para além da disputa de mercado com outros humanos, os profissionais terão máquinas digitais como concorrentes diretos e com considerável competência.
Em 2024, um alto executivo de um banco alemão disse, sem pudores, que a IA pode ser capaz de substituir profissionais juniores e isso impacta diretamente profissionais qualificados com salários mais baixos e em início de carreira. Ainda há o fator desemprego, que para diversas categorias, vem sendo aumentado a partir da algoritmização do trabalho. Assim, não há emprego formal e sim, trabalho temporário mediado por algorítmos em plataformas digitais. Todo esse cenário contribui para redução drástica de salários, precarização do trabalho e ao avanço da Inteligência Artificial para o labor qualificado.
Outro quesito a favor da IA está a sua ininterruptividade, podendo continuar suas execuções em diferentes horários e por longas jornadas. Crary (2013) aborda sobre como mercados 24/7 buscam infraestrutura global para trabalho e consumo a partir da redução do sono. Em seu livro, o autor chega a citar sobre como forças militares buscavam desenvolver uma forma de “cognição ampliada” com o aprimoramento da interação homem e máquina. Na Era da IA, a cognição pode ser deixada em segundo plano e há uma inversão para máquina-homem, na qual a artificialidade se torna protagonista.
Se uma IA é capaz de monitorar, gerenciar e até punir, a sua atribuição de auxiliadora no trabalho de um profissional se torna tênue. Obviamente, as ferramentas são capazes de auxiliar a rotina de diversos profissionais, mas o seu protagonismo vem sendo subestimado a ponto de negar a sua capacidade de substituição de trabalhadores.
A prática de vigilância algorítmica é uma realidade em diferentes países, causando impacto significativo nas rotinas de trabalhadores, especialmente, na Europa. Em outro artigo, é possível aprofundar nas ramificações da vigilância em diferentes operações e rotinas laborais, criando um ambiente de repressão e extremo controle de trabalhadores a partir de um gestor imaterial, apenas presente em linhas de código que atuam em favor do capital.
Marx já dissertava sobre a interação homem e máquina e o risco iminente do trabalhador se tornar “um membro do sistema, cuja unidade não está nos trabalhadores vivos, mas existe na maquinaria viva que, contraposta ao seu fazer individual insignificante”. Assim, é latente que o trabalhador pode ser capaz de ser entendido, apenas, como um membro amorfo e dependente de uma IA.
Nota-se, assim, que em um primeiro momento a IA pode ser tida como ferramenta auxiliar para o trabalho, ampliada para ser o par do trabalhador humano; e, por fim, acaba sendo a gestora desse profissional. Não, apenas, o trabalho como ofício está em risco, mas a autonomia e as relações estão sob novas formatações.
A substituição do trabalho humano por uma IA não fará da ferramenta um proletário, ainda que ela esteja sob a égide do capital, justamente, por não possuir consciência e ser programada para a exploração, enquanto os trabalhadores humanos podem se aglutinar em lutas por direitos e segurança. Tampouco, é capitalista pois, apesar de ser instrumento de exploração e controle, ela não possui a autonomia necessária. Assim, ela se comporta como um dos mais sofisticados instrumentos do capitalismo em favor da concentração de financeira.
É necessário, no entanto, destacar que as ferramentas de IA podem ser benéficas ao trabalhador, a partir do pressuposto do auxílio de suas operações e não para controle e substituição de suas rotinas. Principalmente, é necessário que qualquer ferramenta que atue em atividades qualificadas, sejam reguladas por órgãos de classe.
Portanto, é necessário que o trabalhador seja protegido e tenha seus direitos garantidos diante do avanço de novas tecnologias, além da criação de políticas públicas que façam um freio para o fenômeno da precarização presente nos dias atuais. A Era da IA não pode ser marcada pela servidão humana à máquinas para fortalecimento do capitalismo e a destruição do trabalho.
Herbert Salles é Doutor em Economia pela UFF.