O movimento Tea Party no Texas
Em 2040, a maioria da população do estado texano será formada por negros e imigrantes latinos. É nesse cenário que o movimento Tea Party, uma campanha pela retomada de valores conservadores, encontra espaço para crescer e disputar suas posições, sempre alertando para o “perigo” islâmico e comunistaRobert Zaretsky
No Texas, a primeira grande onda de imigração aconteceu entre o final do século XIX e o início do XX. Naquele período, os europeus desembarcavam em massa no porto de Galveston. Hoje, esse Estado do Sul é um dos principais destinos dos migrantes originários do México e do restante da América Latina – boa parte deles entrando em condições ilegais. As perturbações de ordem étnica, cultural e linguística que resultam desse fenômeno têm transformado profundamente a paisagem política do Estado.
Houston é a maior cidade do Texas e a terceira do país. Segundo o pesquisador Steven Klineberg, a proporção de habitantes hispânicos entre a população passou de 15%, em 1980, para mais de 40% atualmente. Quanto mais os anglo-saxões envelhecem, mais os hispânicos rejuvenescem, a ponto de representarem hoje quase a metade dos habitantes da faixa etária entre 18 e 29 anos. E, mesmo que o Texas viesse a construir um muro para se isolar do México – uma reivindicação formulada pela direita –, em 2040, a maioria de habitantes já seria de hispânicos e negros.
Segundo Estado americano em número de alunos inscritos nas escolas, o Texas está em 49° lugar quanto à remuneração dos professores e em 44° nos montantes gastos por aluno. A opinião, compartilhada pelos republicanos texanos e militantes do movimento Tea Party, é que toda intenção de melhoria do sistema educacional público – ou, pior, de regularização dos imigrantes clandestinos – seria uma verdadeira desgraça à qual eles se oporiam imediatamente.
Educação e imigração: dois temas nos quais Debbie Riddle, eleita para a Câmara dos Representantes do Texas, forjou sua notoriedade. Há alguns anos, ela questionou a ideia segundo a qual os EUA deveriam garantir o acesso de todos à escola pública: “Essa ideia vem de Moscou, da Rússia. Ela provém das profundezas do inferno. Ela é apresentada como uma ideia generosa para nos manipular. Essa ideia não tem nada de generosa. Ela vai provocar a ruína deste país1”.
No início do ano, Debbie Riddle levantou o problema das “crianças terroristas de calças curtas”. Segundo ela, mulheres enviadas por terroristas atravessariam a fronteira para ter filhos em solo americano. Quando crescidos, esses “agentes adormecidos” passariam a atuar com o objetivo de semear o caos nos Estados Unidos. Louie Gohmert, eleito do Texas para a Câmara dos Representantes, também teme essa ameaça. Grupos terroristas baseados ao sul da fronteira estariam se preparando para “enviar mulheres grávidas aos Estados Unidos para ali dar à luz gratuitamente”, o que conferiria a nacionalidade americana às crianças, explicou ele diante do Congresso. “Em seguida, as crianças são repatriadas ao seu paíse de origem para ali ser embriagadas de terrorismo. Um dia, daqui a 20 ou 30 anos, elas voltarão para cá a fim de participar da destruição do estilo de vida americano2.”
Dificuldades no debate
Durante as primárias republicanas organizadas antes da eleição para governador, Debbie Medina, candidata do movimento Tea Party, aprofundou esse ponto de vista. Antes do pleito, sua experiência política limitava-se à presidência da seção do Partido Republicano no condado de Wharton (40 mil habitantes). Em vez de depor contra ela, essa falta de prática iria se revelar um de seus principais trunfos. O credo de Medina é ultraliberal: ela admira Ron Paul, eleito pelo Texas e bravo candidato – já que não tinha a menor chance – à nomeação do Partido Republicano para as eleições presidenciais de 2008. Mas ela também ostenta sua fé evangélica. Aliás, foi essa combinação destoante que se tornou a mola propulsora de sua notável ascensão política.
Não sem algumas incoerências. Medina afirmou, por exemplo, que o Estado não teria o direito de regulamentar a venda de armas de fogo, nem de taxar a propriedade imobiliária. Mas considera, ao mesmo tempo, que o poder público pode proibir os homossexuais de ter direito ao casamento e à adoção. Isso não prejudicou sua popularidade entre os membros do movimento Tea Party. Como afirmou Bob Moser, jornalista do Texas Observer, Medina não precisa se dirigir à base, “porque a base e ela são uma coisa só. Melhor ainda, ela não é prejudicada por nenhum tipo de experiência anterior e nunca precisou votar uma lei ou tomar partido sobre um problema complexo3”.
Todavia, a campanha de Medina sofreu um sério revés por ocasião da entrevista com Glenn Beck, o famoso apresentador do canal Fox News (ler artigo de Walter Benn Michaels nas págs. 12-13). A mídia tinha revelado que Medina defendia as posições da “Verdade sobre o 11 de setembro”, uma rede informal cujos membros estão convencidos que o governo americano é o autor dos atentados contra o Pentágono e o World Trade Center. Quando Beck interrogou Medina a esse respeito, ela respondeu: “Eu não pude examinar todas as provas, Glenn, por isso não posso… não estou… não coloquei publicamente a versão oficial em questão. Mas eu acredito que certas pessoas levantam questões bastante pertinentes a esse respeito e que os americanos não tiveram acesso a todos os elementos que permitiriam formar uma opinião. Por isso prefiro não externar meu julgamento4”. Longe de constituir uma escorregadela, esse tipo de declaração revela um dos fundamentos ideológicos do Tea Party: a convicção de que o governo federal é a fonte de todos os males dos Estados Unidos.
Outras vedetes do movimento têm a mesma dificuldade de distinguir convicções de fatos. Assim, quando um jornalista da CNN pediu a Gohmert as provas que lhe permitiriam dar sustentação a suas afirmações relativas aos imigrantes, ele ergueu a voz, muito pálido: “Vocês estão atacando o mensageiro, assim é fácil! Vocês são melhores do que isso. Houve um tempo em que vocês conheciam seu ofício5”.
Pouco depois da difusão desse programa, Tom Fuentes, ex-alto escalão do FBI, encarregado das operações internacionais, indicou que não existia “nenhum indício, nenhuma prova que permita acreditar que alguém, em algum lugar, teria tido a ideia de fazer crianças terroristas nascer em território dos Estados Unidos”. Mas esse tipo de consideração tem pouco peso em um universo mental sitiado pelos inimigos internos e externos, um mais imaginário que o outro.
O que acontece no Texas não teria surpreendido Richard Hofsadter, autor em 1964 de um livro, muito citado atualmente, sobre “o estilo paranoico na política americana”. Medina e Gohmert, longe de serem duas pessoas alucinadas, são bem “normais”, mas recorrem a “modos de expressão paranoicos”, carregados de “exageros inflamados, suspeição generalizada e teorias da conspiração”. E, quando são excluídos do jogo político, veem nisso a confirmação de suas angústias e suspeitas. “Eles só percebem os efeitos do poder e, mesmo assim, de maneira deformada. Ou seja, não conseguem entender como ele opera.”
O circo midiático em torno de Medina, Riddle, Gohmert e seus partidários conseguiu o que há pouquíssimo tempo parecia impossível: fazer o governador do Estado, Rick Perry – que, depois de ter sucedido George W. Bush, almeja um terceiro mandato –, tornar-se personagem moderado. Em fevereiro, quando Medina questionava os atentados de 11 de setembro, Perry fazia jogging em Austin, capital do Texas, e matou um coiote que cruzou seu caminho: o governador raramente sai sem sua pistola dotada de mira a laser, para ir correr, pois nunca se sabe…6
Republicanos precavidos
Perry criticou as leis anti-imigração, de conotações racistas, que o Estado do Arizona tenta levar a votação. Também se distanciou das improbidades verbais de Jan Brewer, o governador daquele Estado, que – sem jamais apresentar uma prova – alega que gangues mexicanas levam pessoas ao deserto para decapitá-las. Perry não precisa ir tão longe. Sem se mover do lugar que ocupa habitualmente – à direita do xadrez político –, o delírio crescente da direita radical o faz passar por moderado. Abrir mão do voto hispânico não é nada prudente no Texas, e ele sabe disso muito bem. O próprio George W. Bush não precisou desse voto quando era governador?
Para um político a quem os boatos atribuem ambições presidenciais, Perry raramente perde uma ocasião de atacar Washington. Sobre a questão da imigração, ele diz querer “securizar” a fronteira antes que o governo federal dedique atenção à situação dos clandestinos já presentes no território, exigência que permite adiar sine die qualquer reflexão séria sobre o problema. A respeito da reforma do sistema de saúde defendida pelos democratas, ele afirma que “os texanos não querem que os burocratas que vivem a 2.500 km daqui comecem a intervir no nosso sistema de saúde7”. Mais uma vez, aí também Perry joga com os preconceitos dos texanos, e em particular dos partidários do movimento Tea Party. Em vez de considerar o Estado como o governo da nação, ele o assimila a um autocrata estrangeiro. E afirma que a lei que obriga as seguradoras a afiançar todos os cidadãos, quaisquer que sejam seus recursos e seu estado de saúde, é uma “intervenção” suspeita.
Quanto à reforma do sistema educacional8, Perry simplesmente se recusou a participar do programa nacional que propunha subvenções importantes aos Estados cujos projetos fossem validados pelo ministério da Educação. O Texas poderia ter obtido US$ 700 milhões, mas Perry declarou que cabia aos texanos, e só a eles, decidir como seus filhos devem estudar.
Em 2006, Kinky Friedman, famoso cantor e humorista, concorreu às primárias democratas para o cargo de governador. Memoráveis slogans de campanha, como “E por que não eu?” e “Isso não deve ser tão difícil assim!” fizeram com que ele obtivesse 16% dos votos de seu partido. Este mês, ele vai votar por um candidato tão excêntrico quanto ele, pois considera que não há outra escolha possível: “Quantos políticos existem que você respeita e admira sinceramente? Quanto a mim, eu contei e continuo em zero9”.
Robert Zaretsky é professor de História do Honors College, Universidade de Houston, Texas; autor de Albert Camus: elements of a life, Cornell University Press, 2010.