O pífio desempenho das exportações brasileiras de produtos com alta intensidade tecnológica
A indústria de alto conteúdo tecnológico corresponde a apenas 6,79% dos produtos exportados pelo Brasil em 2012, enquanto que a indústria de baixo conteúdo tecnológico corresponde a 40,14% no mesmo anoTulio Chiarini
O comércio de mercadorias possibilita uma análise dupla interessante do ponto de vista macroeconômico. De um lado, mostra o padrão de inserção comercial de uma nação em âmbito internacional. De outro lado, mostra, indiretamente, o grau de aptidão tecnológica acumulado para lançar produtos nos mercados internacionais e o grau de dependência nacional em relação a produtos com elevado conteúdo tecnológico.
É possível analisar tanto as exportações quanto as importações de acordo com atividades industriais segundo a intensidade tecnológica utilizada na produção[1], seguindo metodologia desenvolvida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e calculada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) para o caso brasileiro.
Os dados são reveladores: a indústria de alto conteúdo tecnológico corresponde a apenas 6,79% dos produtos exportados pelo Brasil em 2012, enquanto que a indústria de baixo conteúdo tecnológico corresponde a 40,14% no mesmo ano (de acordo com dados do MDIC). A primeira é aquela formada pelo complexo da aeronáutica e aeroespacial; farmacêutica; informática; equipamentos de rádio, TV e comunicação e, portanto, áreas reconhecidas como portadoras de futuro, estratégicas para o desenvolvimento nacional e apresentam potencial para o desenvolvimento de vantagens comparativas dinâmicas no atual paradigma tecnológico.
Por sua vez, a indústria de baixo conteúdo tecnológico é formada por produtos manufaturados e bens reciclados; madeira e seus produtos, papel e celulose; alimentos, bebidas e tabaco; têxtil, couro e calçados, ou seja, atividades tecnologicamente menos dinâmicas.
Em 2012, 21,22% dos produtos importados correspondiam àqueles oriundos do setor de alta intensidade tecnológica. Disso, verifica-se que em 2012, a balança comercial de produtos de alta intensidade tecnológica fechou com déficit de US$ 31.118 milhões. Déficit considerado estrutural, pois em toda década de 1990 e 2000 ela foi negativa. Se considerarmos conjuntamente a indústria de média-alta intensidade tecnológica (isto é, aquela responsável por produzir máquinas e equipamentos elétricos; veículos automotores, reboques e semi-reboques; produtos químicos; equipamentos para ferrovia e material de transporte), o déficit em 2012 chega a US$ 83.591 milhões. Portanto, o país tem o perfil de ‘devedor de produtos de alta intensidade tecnológica’, o que é bastante preocupante.
É possível sugerir que o persistente déficit de produtos com alto conteúdo tecnológico, em parte, resulta da maior consumo interno demandante destes bens e, de outra parte, evidencia a perda de competitividade da indústria nacional em termos de produtos com alto conteúdo tecnológico.
A perda de competitividade da indústria nacional verifica-se tanto pela queda da atividade econômica mundial devido à crise financeira (no final dos anos 2000) quanto pelo processo de desindustrialização (iniciado na década de 1990) devido à ausência de políticas de desenvolvimento e da conjugação de juros elevados, falta de investimento, câmbio sobrevalorizado e exagerada abertura comercial.
A política de câmbio excessivamente valorizado (utilizado como âncora de preços) conjugado com a prática de juros reais elevados (desincentivando o empresário capitalista a investir na economia industrial cujo retorno esperado é relativamente contido quando se comparado com a taxa de juros) e com a âncora fiscal resulta na perda de competitividade internacional da indústria brasileira perante a de outros países. Por exemplo, em 2011, as exportações brasileiras de produtos com alto conteúdo tecnológico corresponderam a apenas 0,44% das exportações mundiais (de acordo com dados do Banco Mundial).
Ademais, a abertura desregrada da economia brasileira nos anos 1990 (com a queda das tarifas e demais mecanismos protecionistas da indústria nacional) reduziu o grau de proteção frente à concorrência internacional. Um fator externo que merece destaque é a existência de barreiras significativas à entrada de linhas de produção intensivas em produtos de alto conteúdo tecnológico associada ao elevado conteúdo de P&D e aos significativos custos envolvidos na organização de cadeias produtivas.
Além do mais, os mercados de produtos com alto conteúdo tecnológico são dominados por oligopolistas nos países industrializados que não competem no preço, mas com base na qualidade, design¸ marketing, marca e diferenciação de produtos. Desse modo, a participação nos mercados exportadores é muito mais concentrada do que no dos manufaturados exportados pelos países em desenvolvimento, conforme afirma Yilmaz Akyuz, ex-Diretor da Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Conferência da Organização das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD).
Para exportar produtos intensivos em tecnologia, é preciso um tecido industrial inovador com setores tecnologicamente avançados. É preciso aptidão tecnológica específica em cada setor industrial. O Brasil não consegue consolidar um processo de industrialização que resulte em exportações de produtos com alto conteúdo tecnológico, de modo que grande parte das exportações segue sendo de produtos com baixo valor agregado. Ademais, é possível depreender, a partir do fato de as exportações brasileiras de produtos industrializados com alto e médio-alto conteúdos tecnológicos serem relativamente escassas, que o país está ainda preso a um padrão de produção relativamente obsoleto.
A indústria brasileira de alta e média-alta intensidade tecnológica não logrou elevar sua competitividade internacional. O desalinho dos preços-chave da economia são responsáveis, mas não só eles. Problemas estruturais não devem ser negligenciados: falta de qualificação da mão de obra, baixo envolvimento do setor produtivo com as universidades e institutos de pesquisa, pouco investimento privado em P&D, pouca ânsia por competir internacionalmente, etc. Essas características estão cristalizadas no Sistema de Inovação Brasileiro. Além disso, outros desafios são impostos pelo conjunto de transformações concorrenciais, produtivas, tecnológicas e patrimoniais na economia global, conforme é defendido pela Escola de Economia Política da Unicamp, e afetam sobremaneira a indústria nacional.
Tulio Chiarini é Analista em C&T lotado na Divisão de Estratégia do Instituto Nacional de Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Economista pela UFMG, mestre em economia pela UFRGS, mestre em administração da inovação pela Scuola Superiore Sant’Anna, doutor em teoria econômica pela UNICAMP. Autor de diversos trabalhos publicados em periódicos indexados nacional e internacionalmente sobre economia industrial, economia da inovação e desenvolvimento econômico.