O poder da mídia
Para Vera Chaia, doutora e livre docente em Ciências Políticas na PUC-SP, a influência da mídia e dos poderes econômicos nas eleições é uma realidade. Sua atuação pode mudar a preferência do eleitorado, mas as novas tecnologias têm permitido uma maior participação dos cidadãos no debate eleitoralSilvio Caccia Bava
DIPLOMATIQUE – Que influência tem a mídia no Brasil, especialmente a televisão aberta, sobre a opinião pública?
Vera Chaia – As eleições diretas, em 1989, foram consideradas um marco em termos de influência da televisão e da imprensa, de um modo geral, nas eleições. Naquele ano houve um posicionamento claríssimo de todos os meios de comunicação, imprensa escrita, revistas e principalmente televisão, a favor do Fernando Collor de Mello e em oposição a Luiz Inácio Lula da Silva, que estava concorrendo pela primeira vez a uma eleição presidencial. Eu acho que, nesse momento, a mídia influenciou muito.
DIPLOMATIQUE – Como ela fez isso?
Chaia – Com a distorção das notícias, como a edição do último debate realizado pela Rede Globo entre o Fernando Collor e o Lula.
DIPLOMATIQUE – Tem gente que avalia que a edição do último debate mudou o resultado da eleição. Você também acha?
Chaia – Eu acho que mudou, principalmente depois da entrada da Miriam Cordeiro na propaganda eleitoral do Collor. Falando que tinha sido namorada do Lula, que tinha ficado grávida e o Lula queria que ela abortasse, e que o Lula detestava negros. Eu acho que esse aspecto foi muito importante para uma avaliação extremamente negativa do Lula. E nós podemos encontrar a edição desse debate no You Tube. Lula sempre tinha uma valência, uma avaliação negativa nas notícias.
DIPLOMATIQUE – O que é uma valência?
Chaia – Uma valência positiva seria uma avaliação positiva em relação a determinadas candidaturas; o ponto que mais se destaca, e se ele é positivo, negativo ou neutro. Dependendo do político e da avaliação do jornal existe um posicionamento positivo ou negativo. Então, eu acho que isso mostrou, naquele momento, que a mídia tem um determinado posicionamento, principalmente a mídia impressa.
DIPLOMATIQUE – Nós temos três grandes jornais no Brasil, O Globo, o Estadão e a Folha, jornais que têm capacidade de produção de conteúdo, de formulação ideológica em defesa disto ou daquilo… são eles que pautam a agenda nacional. Depois de produzida a versão dos fatos, as agências de notícias repassam esse conteúdo para os jornais que não têm essa capacidade. E há uma tradução mais simplificada para os noticiários de TV. Mas o núcleo formulador, vamos dizer assim, estaria abrigado nesses três jornais. Você concorda com isso?
Chaia – Eu concordo, mas também acho que ocorreu uma mudança com a entrada da internet no processo eleitoral. Nas eleições de 2006 tivemos várias novidades por conta da internet. Antes mesmo da entrada do Barack Obama, que trouxe outro tipo de participação nessa mídia. Os jovens, principalmente, traziam novidades que seriam incorporadas pela imprensa escrita. A velocidade da internet é muito maior na busca pelas informações e pelo furo de reportagem, pelo fator agilidade. Então, acho que ela lança questões que podem depois ser exploradas por esses grandes jornais.
DIPLOMATIQUE – Há uns vinte anos, Noam Chomsky escreveu um livro sobre como a imprensa norte-americana produzia o consenso nos Estados Unidos. E ele atribuía a essa mídia a formação da opinião política. Hoje, qual é a sua avaliação? A televisão é capaz de manipular o voto? Essa manufatura do consenso continua sendo produzida?
Chaia – Acredito que existem momentos; 1989 foi um momento de consenso fabricado, com certeza. Todos os meios de comunicação se voltaram a favor do Collor caçador de marajás, enfim, do jovem promissor. Isso, sem dúvida, aconteceu.
Em 1994-1998 também tivemos a oportunidade de acompanhar a produção desse consenso pela imprensa, a partir do fato que Fernando Henrique Cardoso era o candidato preferencial de vários setores, dentre eles a própria imprensa.
A partir de 2002, você já começa a ver uma mudança. Apesar de todo o bombardeio da imprensa contra Luiz Inácio Lula da Silva, as coisas começam a mudar. Mudar no sentido de termos um candidato que começou a se projetar fazendo certas concessões. É a partir de junho, com a Carta aos Brasileiros, que a própria imprensa começa a mudar. A partir daí você vê várias revistas que começam a fazer ponderações à política que poderia ser desenvolvida pelo Lula. É claro que a Veja nunca se posicionou, e nunca vai se posicionar, a favor do Partido dos Trabalhadores e muito menos do Lula, mas várias outras revistas o fizeram.
E em 2002 nós já tínhamos, mas com pouca expressão, a internet se posicionando e principalmente lançando questões, também em termos de participação política. Acho que isso fez com que ocorressem mudanças.
Em 2006, aí sim, tivemos um novo momento. Um momento muito atrapalhado para o PT, das denúncias sobre o mensalão, todo um processo de crítica e instrumentalização do partido; isso acompanhado da queda de várias lideranças políticas. E Lula se sai muito bem. Lula conseguiu se desvencilhar do PT e do grupo umbilicalmente ligado a ele. Conseguiu romper e, com isso, mais a avaliação positiva do governo, conseguiu se eleger.
Isso é interessante: apesar de a imprensa bater, a todo momento falar no mensalão, de aparecerem imagens de pessoas indo aos bancos e da própria CPI que cassou o mandato do Jefferson e do Zé Dirceu, isso tudo que foi publicado e veiculado pela imprensa não sensibilizou a população. Eu acho que, se em 1989 a mídia tinha um peso significativo, hoje o eleitor mudou e compreende essa manipulação.
DIPLOMATIQUE – A última PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) traz que, da nossa força de trabalho, dos que têm mais de 15 anos, 75% são analfabetos funcionais, quer dizer, não passaram da primeira fase dos quatro ou cinco primeiros anos de escolaridade. E que essa parte da população se informa basicamente pela televisão aberta. Esse dissenso que aparece nas revistas, não aparece na TV aberta. Ou aparece?
Chaia – Aparece. Uns três anos atrás a cobertura jornalística era terrível em relação ao próprio Lula. Lula não era citado como presidente, ele era criticado como responsável por não repassar verbas para as cidades, e muito mais. Mas a mídia influencia em termos. Se no passado o eleitor não tinha informações, era a primeira vez que ele estava votando depois de anos de ditadura militar; se naquele momento dava para manipular, hoje eu acho que é difícil. Apesar de tudo, apesar das críticas, o Lula tem 80% de avaliação positiva, e seu governo 75%.
DIPLOMATIQUE – Isso é um fenôme
no brasileiro ou se soma às experiências na América Latina, do Equador, da Bolívia, da Venezuela, do Paraguai, do Uruguai?
Chaia – Se soma.
DIPLOMATIQUE – Antes, em todos esses países, predominavam características de patrimonialismo, de clientelismo, de todos os “ismos” que acabam desvirtuando e manipulando o resultado eleitoral. Isso acabou? Não tem mais?
Chaia – Se a gente for pensar, há determinadas políticas sociais que contemplam determinados setores da sociedade nunca contemplados. Então, o povo vê uma crítica ao Bolsa Família, mas para ele é fantástico, para a cidade dele é fantástico que isso ocorra. Existe uma expansão do mercado econômico, uma valorização da vida e da própria pessoa, principalmente das mulheres, que recebem o cartão do Bolsa Família. Então, se ele está notando que a vida dele melhorou, ele não vai aceitar o que a imprensa fala, entendeu? Não é só a questão da mídia que influencia; é, sim, uma melhoria nas condições de vida das pessoas. E isso fez com que o brasileiro se posicionasse a favor do Lula.
DIPLOMATIQUE – Você acha então que nesta eleição vai haver uma efetiva transferência de votos como, por exemplo, ocorreu com o Uribe, na Colômbia?
Chaia – Acho que sim. É engraçado porque, no começo, no ano passado, quando se discutiu o nome da Dilma, eu mesma falava: não, é impossível, ela não tem carisma, ela não tem uma apresentação como a do Lula. Mas a figura do Lula é única. Não vai surgir um político no Brasil como o Lula, como o Getúlio Vargas, não é? É preciso compreender o fenômeno Lula, não depreciando a figura dele, porque senão ele não seria reconhecido, não teria 80% de avaliação positiva. Isso por quê? Porque ele fez alguma coisa.
DIPLOMATIQUE – Mas se não é pela mídia, por onde se vai formando essa opinião? Como circulam na sociedade juízos que vão permitir o deslocamento do eleitorado?
Chaia – São vários fatores. Entre eles, a própria família, os amigos, o trabalho, um sentido de pertencimento, uma identificação ideológico-partidária. E também uma avaliação da vida pessoal. Se a sua vida melhorou com aquele governo, por que você vai mudar?
DIPLOMATIQUE – Com as pesquisas qualitativas de opinião, identificam-se os principais problemas do brasileiro. Não há o descolamento de um programa partidário e uma tentativa de falar o que o eleitor quer ouvir?
Chaia – Sem dúvida. Sem dúvida. Eu acho que não existem partidos políticos tal como a gente pensava no passado. Os partidos políticos atuais são máquinas e instrumentos partidários para alcançar a eleição.
DIPLOMATIQUE – Todas as campanhas eleitorais vão ficando muito parecidas?
Chaia – Muito parecidas. Se um estrangeiro chegar ao Brasil e assistir à campanha eleitoral, ele não vai saber distinguir a tendência de determinado candidato. Ocorreu que as polarizações deixaram de ter expressão política em termos de número de eleitores. Então, para alcançar o eleitorado, os partidos tenderam ao centro. Inclusive o próprio PT.
Agora, nenhum programa partidário é formulado e elaborado sem uma pesquisa de opinião que indique o que a população quer. Então você molda o partido, molda o programa, atendendo a esses interesses. É claro que determinados segmentos também podem influenciar na elaboração de um programa. Não existe mais essa questão ideológica dos partidos. Existe sim uma instrumentalização dos partidos políticos no sentido de promover alianças que têm potencialidade de ganhar eleições.
DIPLOMATIQUE – Estamos caminhando para uma estrutura dual de partidos no Brasil, como a norte-americana? Tem espaço para o crescimento do PV, por exemplo?
Chaia – Acho que a polarização já existe desde 1994 entre o PSDB e o PT. Agora, são siglas que precisam se reciclar. Um partido como o PV, não o PV antigo, mas o PV de agora, com Marina Silva, com Fernando Gabeira, tem um espaço, só que é um espaço minoritário, nunca vai ser majoritário. É muito difícil pensar alianças mais amplas do PV, já que os partidos políticos se alinham com partidos que vão vencer as eleições. Você acha que o PMDB iria se aliar ao PV? Nunca! O PMDB vai se aliar ao PT, que tem maiores condições de vencer essas eleições.
DIPLOMATIQUE – Tem uma onda dizendo que o Brasil vai muito bem, que o Brasil está virando potência, que o Brasil conseguiu, enfim, um lugar internacional. Isso é campanha eleitoral?
Chaia – Ah, sem dúvida. Sem dúvida. Todo posicionamento do Ministério das Relações Exteriores e da diplomacia brasileira no governo Lula, primeira e segunda gestão, é uma marca que não existiu em nenhum momento anterior. É claro que a postura arrojada de fazer frente a determinadas questões polêmicas fez com que o Brasil fosse mais bem avaliado do ponto de vista internacional. Claro que é campanha, né? Mas também é um posicionamento político.
DIPLOMATIQUE – O Estadão está totalmente integrado à campanha do Serra, assim como jornais de Brasília e do Rio de Janeiro. Esses órgãos de imprensa dependem muito da publicidade governamental; se assumem essa postura radicalizada da defesa de um candidato de oposição, e o governo consegue eleger a sua sucessora, como fica essa relação entre esses órgãos e o governo?
Chaia – Existem certas concessões que você tem que fazer. Existem certos ressentimentos que você tem que esquecer. Política é isso. Você não pode ser radical nesse momento da vida política brasileira e, simplesmente, ignorar a imprensa. Não dá para bater de frente, e você faz concessões. Você coloca uma propaganda no jornal contanto que ele não bata tão forte. Esses acordos políticos acontecem, só que a gente não fica sabendo. Eu lembro que, em 2005, o governo tentou e conseguiu minimizar os efeitos negativos do mensalão. No momento em que aparecia alguma campanha negativa contra o governo Lula ou o PT, o governo federal lançava uma propaganda.
DIPLOMATIQUE – Vamos falar um pouco da experiência da campanha do Obama e da história das redes sociais? Um fenômeno supernovo, decorrente de avanços tecnológicos que estão transformando, nos últimos anos, a realidade mundial. Ele foi um candidato que conseguiu reunir US$ 500 milhões, de doações individuais de até US$ 100, pela internet. Ele acabou criando no país uma onda de solidariedade e
entusiasmo à sua candidatura, via internet. Isso é possível aqui no Brasil?
Chaia – Acredito que não, sou muito descrente. Porque, no caso do Obama, tínhamos naquele momento um governo extremamente desacreditado, o governo de George W. Bush, não é? Uma avaliação muito negativa, por parte da população, em relação ao governo Bush. O próprio candidato do Partido Republicano, McCain, não era forte. A sua vice, Sarah Palin, foi catastrófica. Então, naquele momento era fundamental uma mudança. E Obama apareceu como a candidatura da mudança.
Aqui no Brasil é difícil você pensar numa doação via internet. No começo da campanha da Marina, ela havia arrecadado R$ 2.500, sabia? O eleitor comum não vai entrar na internet para acompanhar as eleições.
DIPLOMATIQUE – O fator continuidade é importante nesta eleição?
Chaia – Ah, sem dúvida. Como falei no começo, eu achava que o Lula não conseguiria transferir votos para a Dilma, porque ela tem um temperamento diferente, ela é muito diferente. Mas acho que essa ideia da continuidade está marcando muito. Muito.
DIPLOMATIQUE – Que outras ideias estão marcando muito?
Chaia – É mais a da continuidade, a identificação com o Lula, que qualquer outra coisa, pelo menos neste momento. O Serra e a Marina estão cometendo um grave equívoco ao fazerem uma avaliação extremamente positiva do governo Lula. Uma das críticas é a não diferenciação que eles estão tendo em relação ao governo Lula.
O Serra está cometendo o mesmo erro que cometeu em 2002, quando não quis se identificar com o governo Fernando Henrique; quando falava que ele era do PSDB, mas que o governo dele seria diferente. Então, o eleitor não ficou sabendo direito quem era ele, se era oposição, se era situação, o que é que ele era. A mesma coisa com relação a Alckmin. Existem certas estratégias de campanha que você deve obedecer. Se você é oposição, você tem que ser oposição. Se você é situação, você tem que ser situação. Não dá para contemporizar, porque o eleitor percebe.
Silvio Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.