O postulado da Justiça Social renovado pela eleição de Leão XIV
Ao decidir sobre a licitude da contratação de autônomos e “pejotizados”, o STF não resolverá apenas uma questão técnico-jurídica, mas definirá os limites éticos das relações trabalhistas no Brasil
O Supremo Tribunal Federal enfrenta momento decisivo para o futuro das relações trabalhistas no Brasil com o julgamento do Tema 1389 de repercussão geral, que examinará a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para prestação de serviços e o ônus da prova relacionado à alegação de fraude.

Ao mesmo tempo que isso ocorre, testemunhamos a eleição do novo Pontífice, que escolhe o simbólico nome de Leão XIV, remetendo aos parâmetros de Justiça Social inaugurados pela Encíclica Rerum Novarum de 1891.
Essa Carta abordou a questão dos operários e os limites à exploração durante a Revolução Industrial, destacando os problemas sociais advindos da violação da dignidade humana e ressaltando a necessidade de proteção contra abusos do poder econômico. A Encíclica condenou expressamente a exploração do trabalhador ao afirmar: “O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro”.
A eleição do Papa Leão XIV traz consigo um eco poderoso da história, particularmente da Rerum Novarum, a influente encíclica de Leão XIII que, em 1891, abordou as precárias condições de trabalho e defendeu a Justiça Social. O contexto de 2025 difere imensamente daquele de 1891, mas um problema central continua o mesmo: a marcante desigualdade econômica entre trabalhador e empregador, que torna indispensável a proteção jurídica para a parte mais vulnerável dessa relação. Além disso, depois de um período de conquistas trabalhistas até meados do século XX, a partir dos anos 1970, com a ascensão do neoliberalismo, assistimos a um ataque constante contra o direito do trabalho. Reafirmar a importância de direitos mínimos para os trabalhadores – o cerne da Rerum Novarum – é vital para evitar que sejam coisificados e desprovidos de sua dignidade em suas atividades laborais.
O postulado da Justiça Social, central tanto na doutrina social da Igreja como na ordem constitucional brasileira, exige que o sistema jurídico não se limite à garantia formal de igualdade, mas atue para corrigir desequilíbrios estruturais. Este princípio encontra expressão concreta no art. 9º da CLT, que nulifica atos praticados para desvirtuar a legislação trabalhista.
Ao julgar o Tema 1389, o STF poderá legitimar fraudes trabalhistas e afastar trabalhadores de direitos básicos ou, contrariamente, impor limites às fraudes, garantindo que contratos civis sejam preservados apenas quando não evidenciarem relações de trabalho disfarçadas.
Os direitos fundamentais do trabalho garantidos pela Constituição constituem um patamar mínimo expressamente aberto à ampliação, mas não à redução. A interpretação do STF será decisiva para definir se esse núcleo constitucional permanecerá efetivo ou será esvaziado por arranjos contratuais que, embora formalmente lícitos, burlam garantias fundamentais.
Ao decidir sobre a licitude da contratação de autônomos e “pejotizados”, o STF não resolverá apenas uma questão técnico-jurídica, mas definirá os limites éticos das relações trabalhistas no Brasil, determinando se o ordenamento jurídico tolerará o “lucro alicerçado na precarização de trabalhadores”.
O Supremo tem a oportunidade histórica de reafirmar que o direito do trabalho não é obstáculo ao crescimento, mas garantia para que o desenvolvimento ocorra com respeito à dignidade humana e aos valores constitucionais. Assim, demonstrará que as advertências da Rerum Novarum contra a instrumentalização do ser humano como mero fator de produção permanecem válidas e necessárias, mesmo após 130 anos.
Priscila Dibi Schvarcz e Renan Bernardi Kalil são procuradores do Ministério Público do Trabalho.