O último ato
O aparato público foi utilizado de forma definitiva quando o governador de São Paulo, em um último ato de campanha, achou por bem utilizar os meios de comunicação para promover uma escandalosa informação sem nenhuma prova: o PCC estaria obrigando o voto em Boulos
A campanha na cidade de São Paulo foi uma peça dividida em atos que desafiaram a lógica e, por vezes, a paciência da audiência. Cadeiras, debates rasos e provocações deram a tônica. O segundo turno já estava selado pelas pesquisas como improvável para Guilherme Boulos. O candidato que teve dez vezes mais dinheiro para campanha do que em 2020 viu seu percentual de votos subir 7,2% em relação ao que teve no pleito passado. O resultado, mesmo com apoio intenso de Lula, foi aquém das expectativas.
No entanto, é possível argumentar que Boulos lutava frente à máquina pública, o que, no Brasil, é quase sempre sinônimo de derrota. Pode-se afirmar que o aparato público foi utilizado de forma definitiva no domingo, quando o governador de São Paulo, em um último ato de campanha, achou por bem utilizar os meios de comunicação para promover uma escandalosa informação até então sem nenhuma prova: o PCC estaria obrigando o voto em Boulos.
O ato de Tarcísio será julgado pelo prisma do abuso de poder político pela Justiça Eleitoral. A campanha de Boulos entrou com uma notícia-crime e com uma ação de investigação judicial eleitoral que pretende a cassação de Nunes. Aos juízes, desembargadores e ministros, já que processos desse calibre não costumam ser decididos sem recursos, caberá entender se o ocorrido foi grave o suficiente para alterar a equidade e a lisura das eleições.
Tudo está aberto à interpretação, e há precedentes de prefeitos e governadores que perderam o mandato por abuso de poder político. Muito embora, no caso de Nunes, exista a camada de que o ato em si foi do governador e não dele, porém, sua presença durante as declarações pode atrair o mesmo entendimento emitido pelo TSE quando tornou Walter Braga Netto, então vice de Bolsonaro, inelegível. Naquela ocasião, entendeu-se que a presença do candidato a vice-presidente era suficiente para acenar como uma anuência para os atos de Bolsonaro no sete de setembro: o julgamento não foi unânime. Nunes Marques, que agora é relator da ação impetrada por Boulos, por exemplo, foi contrário à punição de Braga; o resultado final, no entanto, foi de 5×2 pela inelegibilidade do candidato a vice.
Aos tribunais caberá a missão de compreender os fatos do domingo como suficientes ou não para cassações e inelegibilidades. Embutida também ficará a resposta de até onde a máquina pública poderá ir para ajudar determinadas candidaturas. Se a Justiça sairá vitoriosa não saberemos, mas uma coisa fica clara: a verdadeira derrotada diante de tudo que se viu de agosto para cá nas eleições paulistas todos já conhecemos: a democracia.
Luísa Leite é Advogada Eleitoralista e Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Pós-Graduada em Direito Eleitoral pelo TRE-PE e em Direito Público pela ESMAPE.