Oliver Cromwell, o mal-amado
Cromwell, herói ou tirano? O dicionário Petit Robert, que cita seu “poder ditatorial” e seu “fanatismo de uma crueldade particular”, decidiu. A história, contudo, ainda hesita, posto que o percurso desse puritano para derrubar a monarquia inglesa ilustra as ambiguidades de todo processo revolucionário
Na França, conhecemos Oliver Cromwell na escola. Porém, mais frequentemente durante uma aula de literatura francesa, e não, como se poderia esperar, em uma de história, é que se tem toda a dimensão do personagem. Vitor Hugo não dedicou, em 1827, uma de suas mais famosas peças de teatro ao revolucionário inglês do século XVII? Ao mencionar a “união fecunda do tipo grotesco com o tipo sublime” em seu prefácio, o dramaturgo francês fornecia elementos de uma longa meditação sobre o lugar dos grandes homens na história. Confrontada à queda do Império e à Restauração, a jovem geração romântica não podia deixar de estabelecer um paralelo incisivo entre Cromwell e Napoleão. No entanto, é preciso salientar que o Cromwell de Vitor Hugo nada mais é que um Napoleão Bonaparte que nunca se tornaria rei ou imperador. Ou seja, um monarca republicano.
Em 1642, quando realizou uma revolução, a Inglaterra achava que se encaminharia para uma reforma religiosa. Em virtude de qual delírio os “cabeças redondas” puritanos, alimentados pelo relato bíblico, puderam confundir a esse ponto o Rio Tâmisa com o rio Jordão? Como alguns ingleses, contemporâneos de Cromwell, puderam acreditar que Jesus Cristo desceria do seu lugar, à direita do Pai, para dar à Grã-Bretanha o rei de que precisava?
As Ilhas Britânicas conheceram nos anos de 1640 uma terrível crise de crescimento. A Inglaterra, a Escócia e a Irlanda eram reinos separados. E, sob vários ângulos, antagônicos. Na falta de promover eficientemente a unificação dos três reinos, Carlos I tentou impor aos escoceses, presbiterianos, a conformidade religiosa com a Igreja anglicana. Mas Edimburgo levantou-se e os escoceses atravessaram o Rio Tweed, que separa os dois países. Diante da ameaça, o rei não teve outra saída senão convocar o Parlamento a contragosto.
Os parlamentares pediam reformas. O rei os mandou embora uma primeira vez, mas precisou convocá-los novamente. A revolta dos católicos irlandeses dessa vez foi o estopim: os parlamentares dirigiram ao rei sua “Grande Remontrance” [Grande Repreensão] em novembro de 1641 e, menos de um ano mais tarde, a guerra civil estourou entre Carlos I e o Parlamento (no verão de 1642). Ninguém, nem mesmo Cromwell, pensava ainda em república. A revolução inscreveu-se primeiro na lógica abstrata da necessidade. Cromwell, em sua psicologia mais íntima, estava atento às mensagens de sua consciência. No processo revolucionário – do qual se tornou pouco a pouco um dos principais protagonistas –, ele decifrou o propósito providencial de Deus.
Este escolheu Cromwell pelo menos tanto quanto Cromwell escolheu Deus. Esse Deus, evidentemente, era o senhor dos exércitos, o eterno Sabaoth. Mas era permitido perguntar-se se não era também o dos ingleses. Cromwell estava de acordo com seu tempo e encontrou na revolução o sentido de sua vocação. Deus o chamou e lhe concedeu a vitória contra seus inimigos – os monarquistas, os parlamentares “presbiterianos”, os escoceses e os irlandeses. O exército era sua única e verdadeira Igreja.
Nascido em 1599, no leste da Inglaterra, Cromwell levou uma existência modesta de proprietário rural desencantado e falido. Lia a Bíblia e se interessava por cavalos: essa era sua única formação. Porém, o que é bom para os cavalos também pode ser bom para os homens. Quando a revolução estourou, ele organizou a cavalaria, cansado dos debates do Parlamento do qual participava desde 1640. Era um homem de ação, briguento, mais à vontade quando se tratava de dar ordens nos campos de batalha do que quando precisava discorrer na Câmara dos Comuns. Diferentemente de Napoleão, Cromwell tinha mais de 40 anos quando se tornou soldado. Ele queimou as etapas: capitão, coronel, e finalmente em 1644, tenente-general. Era oficiosamente o segundo comandante da New Model Army. Mas era o melhor, e isso começou a se saber.
Como Napoleão, Cromwell se tornaria imperador? Quem sabe? Até lá, ainda era preciso ganhar muitas batalhas, fazer o processo do rei, proclamar a república… sem esquecer de reprimir as cabeças quentes do exército e da revolução – eram frequentemente as mesmas – que podiam fazer tudo ir por água abaixo em razão de seu esquerdismo insensato.
O Senhor Protetor da República
Niveladores e escavadores, levellers e diggers, desejavam uma representação política mais justa e uma melhor distribuição das riquezas. Cromwell não estava de acordo. Como tantos outros, este revolucionário era, no fundo, um conservador.
Levaram todo mundo. Em janeiro de 1649, Carlos I foi executado; em maio do mesmo ano, esmagaram os niveladores. A república seria conservadora, ou não seria. Aliás, a partir de dezembro de 1653, ela se tornou Protetorado. O Protetorado era uma ditadura provisória – como o são, em princípio, todas as ditaduras – mas que se inventou uma legitimidade dando-se, pela única vez na história inglesa, uma Constituição escrita. O “Senhor Protetor da República da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda” não era ninguém mais que Cromwell.
Pois é. Constituíram-lhe um título sob medida? Cromwell tentou dar garantias para a opinião pública: convocou um primeiro Parlamento do Protetorado, depois um segundo, sem nunca conseguir chegar a um entendimento durável com esses homens que discorriam e o entediavam, clamando pela caça impiedosa aos blasfemadores, heréticos, alcoólicos e fornicadores com a mesma sanha.
Era a retórica sem fundo da moral majority, sempre presente na Inglaterra. Cromwell estava desolado com tanta maldade e estreiteza de espírito, pretensamente a serviço do evangelho. Para Cromwell, mais valia convocar o cardeal franco-italiano Monsenhor Mazarin, o qual encantava literalmente Sua Alteza o Lorde Protetor. Este o convidou a tirar férias no país do pudding se a Fronde (guerra civil francesa, ocorrida entre 1648 e 1653) persistisse e se reascendesse. E pediu como preço de seus serviços que (o pequeno) Luís XIV se dignasse a chamá-lo de “Senhor meu irmão”. O rei da França se limitaria a um pudico “Senhor Protetor”.
Porém, com seu senso de grandeza inato, Luís XIV guardaria uma excelente imagem do revolucionário puritano que, revelaria ele, teria desejado “em segredo a qualidade de rei que recusava em público”. Em todo caso, a aliança franco-inglesa permitiria rechaçar os espanhóis. E lhes tomar a cidade de Dunquerque, inglesa e finalmente francesa em 1662.
Cromwell morreu em setembro de 1658. A revolução sobreviveu-lhe apenas alguns meses, pois, em 1660, os Stuart subiram novamente ao trono. O Lorde Protetor foi, de acordo com o rótulo que lhe conferiu um adversário monarquista, Lorde Clarendon, um “bravo homem mau”. Nosso “protetor” tinha o coração mole e não deixava de derramar algumas lágrimas na companhia de um dos “entusiastas” que mandara encarcerar. Os quakers o seduziam e o exasperavam ao mesmo tempo. No fundo, Cromwell era partidário da tolerância. Muito mais, considerando-o como um todo, que a maioria de seus contemporâneos. Mas o homem da ordem se agitava assim que ameaçavam atingir a propriedade ou as instituições civis. Esse fervoroso cristão nunca admitiu o zelo daqueles que dividem – mas era de uma notável abertura teológica com os batistas ou com seus irmãos “independentes”, adeptos da autogestão das igrejas contra o sistema presbítero-sinodal dos reformados.
Cromwell era incontestavelmente protestante. Como alguns outros, tinha muitas dificuldades para se encontrar em uma igreja; não esqueceu suas convicções quando se inflamou a favor dos vaudois1ou quando exigiu a readmissão dos judeus na Inglaterra, de onde foram expulsos em 1290. Certamente, ele não era tão compreensivo com os “papistas” irlandeses ou os anglicanos. O que não era de se espantar nesse século de ferro e de fogo.
Fazer uma biografia de Cromwell, sem complacência, sem heroicização póstuma, sem culto aos santos, mesmo puritanos, é escrever uma historia da fé, muito mais do que doutrinas políticas e religiosas. É preciso reencontrar toda a verdade de um homem, de um destino, de uma fé e de uma época. Que outro objeto atribuir à história senão essa confluência entre a convicção e a ação?