Os EUA se cansaram do mundo?
O candidato republicano nas eleições presidenciais norte-americanas de novembro de 2016 será verdadeiramente menos inclinado às intervenções militares que seu adversário democrata – situação inédita desde a Segunda Guerra Mundial. A tentação da retirada, que assombra a política externa de Barack Obama, envolve cada vezBenoît Bréville
Confuso”, “fraco”, “indeciso”, “traidor”, “covarde”, “ingênuo”, “incoerente”, “sem visão”, “inexperiente”: durante oito anos, os republicanos não tiveram palavras suficientemente duras para qualificar Barack Obama e sua política externa. O presidente teria solapado a grandeza e o prestígio dos Estados Unidos por se recusar a recorrer à força.
Embora não deixem jamais de sublinhar quanto Obama humilhou os Estados Unidos, os dois principais candidatos em disputa nas primárias republicanas atribuem veementemente esses discursos aos extremistas. Em dezembro de 2015, Ted Cruz criticou os “neoconservadores ensandecidos que querem invadir todos os países do planeta e enviar nossos filhos para morrer no Oriente Médio”.1 No mesmo mês, falando à superconservadora Heritage Foundation, ele salientou, recorrendo ao exemplo líbio, o caráter nefasto das intervenções norte-americanas e concluiu: “Não temos nenhum lado a apoiar na guerra civil da Síria”. Essas declarações lembram até certo ponto uma frase de Obama: em 10 de setembro de 2013, o presidente considerou que o conflito sírio era “a guerra civil de outros”.
Donald Trump também não pretende se lançar numa expedição ao Oriente Médio. “Gastaríamos milhares de bilhões de dólares, e a infraestrutura de nosso país está prestes a se desintegrar”, deplorou-se em 3 de março. Também neste caso julgaríamos estar ouvindo o atual ocupante da Casa Branca: “Nas últimas décadas, a guerra nos custou US$ 1 trilhão, num momento em que nossa dívida explodia […] e atravessávamos tempos econômicos difíceis. Já é hora de nos ocuparmos da construção de nossa própria casa”, disse Obama em 2011, ao anunciar a retirada iminente dos soldados que ainda se achavam no Afeganistão.
“Fazer um exame no cérebro”
Do lado democrata, é comum que os candidatos contrários ao intervencionismo militar apareçam bem colocados na corrida eleitoral. Foi o caso do adversário da Guerra do Vietnã George McGovern, em 1972, do pastor negro Jesse Jackson, em 1984 e 1988 (ele denunciou, por exemplo, as manobras dos Estados Unidos para derrubar o governo da Nicarágua), e mesmo de Obama, crítico da invasão do Iraque. Por outro lado, precisamos remontar a 1952 e à candidatura de Robert Taft para descobrir um republicano hostil às expedições militares e capaz de conquistar os votos de seu partido. O senador de Ohio opunha-se ao Plano Marshall e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que julgava ineficazes e excessivamente onerosos, achando que a América só devia recorrer à força caso a “liberdade de seu povo” fosse diretamente ameaçada. Perdeu por pouco para Dwight Eisenhower. A partir daí, a chave do sucesso nas primárias republicanas consiste em afirmar a vocação dos Estados Unidos para guiar o mundo. Esse era ainda o tema central dos programas de política externa de John McCain em 2008 e de Mitt Romney em 2012. A reviravolta atual no seio do Partido Republicano é tanto mais surpreendente quanto a ala conservadora se mostrou durante oito anos indignada com a “fraqueza” de Obama, a pretexto de que ele às vezes se mostrava hesitante em bombardear países estrangeiros.
Essa reviravolta se compreende melhor quando se analisa a evolução geral da política externa norte-americana desde 2009. Durante seus dois mandatos na Casa Branca, o ex-senador de Illinois foi acusado de conduzir uma política que nenhum grande princípio sustenta. À diferença dos presidentes Harry Truman (“contenção” da União Soviética), Dwight Eisenhower (“repressão” do comunismo), Richard Nixon (distensão truculenta), Jimmy Carter (“direitos humanos”), Ronald Reagan (confronto com o “império do mal” soviético) ou ainda George W. Bush (“guerra contra o terror”), ele não deixará uma doutrina com seu nome, mas um conjunto de escolhas não raro contraditórias. Obama participou, em 2011, de uma coalizão para derrubar Muamar Kadafi na Líbia e depois não quis mais saber desse país; recomenda bombardeios com drones discricionários e totalmente ilegais (pelo direito internacional e norte-americano), mas se empenha num esforço diplomático multilateral para assinar um acordo sobre o programa nuclear iraniano e sabe se mostrar audacioso quando decide rever as relações com Cuba.
O presidente deve navegar entre forças que tentam influenciar sua diplomacia: a opinião pública, suscetível a passar do isolacionismo ao intervencionismo bastando que um ataque terrorista seja cometido ou que um jornalista norte-americano seja decapitado; os eleitos do partido contrário, sempre prontos a acusá-lo de fraqueza; seus consultores, ministros e auxiliares; os aliados dos Estados Unidos, à espera de que Washington se comporte de acordo com seus interesses; e os adversários, à espreita do menor passo em falso para avançar seus peões. Alguns presidentes tomavam decisões em estreita colaboração com o secretário de Estado: Truman e Dean Acheson, Eisenhower e John Foster Dulles, Reagan e George P. Shultz. Outros recorriam ao consultor para a Segurança Nacional ou ao secretário de Estado: Nixon e Henry Kissinger, Carter e Zbigniew Brzezinski. Obama decide sozinho ou com seu círculo mais próximo: Benjamin Rhodes, Denis McDonough, Mark Lippert. São homens de menos de 50 anos, que atuaram não durante a Guerra Fria, mas depois do 11 de Setembro de 2001, e reforçam a corrente anti-intervencionista.2
Obama nomeou pessoas experientes para outros postos-chave do dispositivo diplomático e militar: Robert Gates, Leon Panetta e Chuck Hagel para o Departamento de Defesa; Hillary Clinton e John Kerry para o Departamento de Estado etc. Essas vozes pesaram algumas vezes, como em 2009, quando Hillary convenceu Obama a apoiar o golpe de Estado contra Manuel Zelaya em Honduras. Contudo, em momentos de crise, elas nem sempre foram ouvidas. “Sua Casa Branca é de longe a mais centralizada e autoritária, em matéria de segurança nacional, desde Nixon e Kissinger”, analisa Gates em suas Memórias.3
Os primeiros desentendimentos entre Obama e seu círculo surgiram em 2009, a propósito do Afeganistão. O presidente prometera pôr fim a essa guerra, mas o general Stanley McChrystal, encarregado das operações in loco, explicou-lhe que a vitória exigia o aumento da presença militar norte-americana, avaliando suas necessidades em 40 mil soldados. Durante três meses, reunião após reunião, a secretária de Estado, o ministro da Defesa, o diretor da CIA, o consultor para a Segurança Nacional e o diretor da DNI (Director of National Intelligence) tentaram induzir Obama a satisfazer essa exigência. “Não é do interesse nacional”, teimava o presidente, que não queria “jogar fora US$ 1 trilhão”, pois preferia se ocupar do “esforço de reconstrução nacional a longo prazo”.4 Recusando-se a escolher entre a retirada e o envolvimento militar ilimitado exigido pelo general McChrystal, ele optou por uma proposta conciliadora: a presença de 30 mil soldados por um período de dezoito meses. “A América deve mostrar sua força pondo fim às guerras e evitando os conflitos”, declarou em 1º de dezembro de 2009 para justificar sua opção. A maior parte dos especialistas em questões militares julgou essa posição intermediária particularmente ineficaz, pois sugeria aos talibãs que esperassem a tempestade passar.
Situação semelhante ocorreu em 2011, no início da Primavera Árabe. Teria sido necessário intervir militarmente para depor Kadafi, alegando que ele ameaçava massacrar os insurgentes de Bengasi? Dessa vez, com exceção de Hillary, o círculo de Obama se mostrou um pouco mais circunspecto. Gates declarou, publicamente, que quem defendesse uma nova expedição ao Oriente Médio deveria “fazer um exame no cérebro”.5 Mas vinham pressões da mídia, do exterior – principalmente da França e do Reino Unido, decididos a ir à luta – e do Congresso, onde o senador democrata John Kerry e seu colega republicano John McCain reclamavam juntos a criação de uma zona de exclusão aérea. De novo, o presidente fez uma escolha “centrista”: aceitou intervir, mas no quadro de uma vasta coalizão, com mandato das Nações Unidas – que previa unicamente a criação de uma zona de exclusão aérea – e sem liderar as operações.
Pode-se detectar aí uma “doutrina Obama”? Os Estados Unidos pretendiam “liderar da retaguarda” (lead from behind) para defender seus interesses sem se expor muito – bombardeando com drones, privilegiando o uso eventual de forças especiais ou permitindo que outras lhes tomassem o lugar. “Liderar da retaguarda não é liderar. É abdicar”, trovejou o jornalista neoconservador Charles Krauthammer no Washington Post.6 A guerra na Síria mostrou que, para o presidente norte-americano, não se tratava de doutrina, e sim, como no caso afegão, de escolha circunstancial: Obama tentou apaziguar os partidários e os detratores do recurso à força sem satisfazer ninguém.
Sete países bombardeados desde 2009
O precedente líbio só fez reforçar suas reticências quanto a intervenções militares. Durante dois anos, de 2011 a 2013, ele multiplicou as condenações verbais, apelou de início ao presidente Bashar al-Assad e proclamou depois seu apoio aos rebeldes – sem pensar jamais em utilizar o Exército. A Síria não é a Líbia, um país sem aliados de verdade. A situação mudou em agosto de 2013, quando Al-Assad foi acusado de usar armas químicas nos arredores de Damasco e franquear assim a linha vermelha traçada um ano antes por Obama. Poderiam os Estados Unidos permanecer inativos quando seu prestígio estava em jogo? Na Casa Branca, um consenso se delineou em torno da necessidade de “punir” Al-Assad. “As grandes nações não blefam”, preveniu o vice-presidente Joe Biden, habitualmente pouco favorável a aventuras militares.7 O próprio Obama pareceu convencido e chegou a pedir ao Pentágono que escolhesse os alvos para os bombardeios.
No último instante, porém, após uma discussão com McDonough, seu consultor mais anti-intervencionista, o presidente mudou de ideia e pediu à equipe que lhe achasse uma saída honrosa. Essa decisão desencadeou uma chuva de recriminações na França, na Arábia Saudita, em Israel e nos países do Golfo. Valeu a Obama a pecha de “covarde” por parte dos republicanos e, ao mesmo tempo, deixou exasperados inúmeros democratas (principalmente Kerry, que se declarou “ludibriado”).8 Obama “enviou uma péssima mensagem ao mundo”, escreveu o ex-ministro da Defesa Leon Panetta, em suas Memórias: “Esse episódio salientou sua fraqueza mais evidente […]. Com muita frequência, a meu ver, o presidente antepõe a lógica do professor de Direito à paixão do líder”.9
Não poucos conservadores viram na decisão de Obama um sinal de mudança, ao qual imputam uma longa série de desgraças: se os Estados Unidos houvessem punido Damasco em 2013, afirmam, a Organização do Estado Islâmico (OEI) não prosperaria; o Irã não desempenharia um papel tão considerável no drama sírio; Moscou não ousaria anexar a Crimeia etc. Obama respondeu que a Rússia nem ligou para os rugidos marciais de George W. Bush ou para a presença de 100 mil soldados norte-americanos no Iraque quando se envolveu no conflito georgiano em 2008. Em sua opinião, ver nas atitudes de Vladimir Putin a marca de um retorno em grande estilo da Rússia equivalia a “ignorar a natureza do poder em matéria de política externa. O verdadeiro poder significa conseguir o que se deseja sem recurso à violência. A Rússia estava muito mais forte quando a Ucrânia parecia um país independente, mas era na verdade uma cleptocracia controlada por Moscou”.10 Ademais, Washington de modo algum ficou inativo durante a crise ucraniana: Obama, além de reativar a Otan na Europa central, pressionou a União Europeia para que ela impusesse sanções diplomáticas e econômicas à Rússia.
A decisão síria em agosto de 2013 imprimiu, apesar de tudo, um novo rumo à diplomacia norte-americana. Pela primeira vez desde 2009, Obama não fez média na questão militar: negociando com a Rússia um acordo para o desmantelamento do arsenal químico de Damasco, pôs fim ao costume de responder militarmente a toda “provocação” aos Estados Unidos. Essa ruptura confirmou a escolha, por Washington, de uma estratégia de “entrincheiramento”.11 Da retirada das tropas do Iraque e do Afeganistão ao corte dos orçamentos do Exército, passando pela recusa de lançar novas expedições militares, Obama procurou reduzir a presença norte-americana no mundo a fim de se concentrar nos problemas internos e conter o ativismo desestabilizador dos anos Bush. A ideia do entrincheiramento está, de resto, claramente formulada no Guia Estratégico publicado em 2012 pelo Departamento de Defesa: “Com vistas a atingir nossos objetivos de segurança, desenvolveremos táticas moderadas e pouco onerosas […]. As forças norte-americanas não estão mais à altura de desfechar operações prolongadas em grande escala”.
Esse posicionamento não tem muito a ver com isolacionismo: os Estados Unidos conservam dezenas de bases militares pelo mundo afora, o maior Exército do mundo e serviços de inteligência tentaculares; bombardearam sete países (Iraque, Síria, Afeganistão, Líbia, Iêmen, Paquistão e Somália) em outros tantos anos; continuam a intervir nos negócios de outros Estados e a fazer de tudo para desestabilizar governos, principalmente na América Latina.12 A mudança também não é fruto de idealismo, no sentido de que visaria a uma redistribuição de poderes em nível mundial, nem de pacifismo. Como repete sempre, Obama não é contra a guerra, é contra as “guerras imbecis”, as que não se prestam aos interesses norte-americanos e geram uma relação custo-benefício negativa. Hoje, os refugiados tomam o caminho da Europa, da Turquia ou do Líbano; os preços do petróleo continuam baixos; os atentados ocorrem em Ancara, Bruxelas, Túnis e Bamako: por que Washington organizaria uma expedição militar ao Oriente Médio? Mas um ataque de grandes proporções ao solo norte-americano – maior que o tiroteio de 2 de dezembro de 2015 em San Bernardino, Califórnia, que fez catorze mortos – pode mudar o jogo a qualquer momento. “Se formos arrogantes, [os outros países] ficarão ressentidos conosco; se formos uma nação humilde, mas forte, eles gostarão de nós”, declarou George W. Bush em outubro de 2000, acrescentando: “Não creio que nossas tropas devam ser utilizadas para empreender a chamada ‘construção nacional’”. Logo depois, veio o 11 de Setembro…
Obama chegou à Casa Branca decidido a virar a página desse acontecimento e suas consequências a fim de se ocupar da Ásia, cujo desenvolvimento o impressiona. Esse é o sentido do “giro” iniciado em 2010: “O ‘reequilíbrio’ com a Ásia desempenhou, na estratégia de ‘entrincheiramento’ da administração Obama, o mesmo papel que a abertura para a China no ‘entrincheiramento’ norte-americano no fim da Guerra do Vietnã”, escreveu Stephen Sestanovich, professor da Universidade Colúmbia. “Ele demonstra que os Estados Unidos não estão, como disse Nixon, prestes a ‘desaparecer como grande potência’”.13 Embora Obama tenha engendrado vários atos simbólicos (visitas de Estado, abertura de uma base militar na Austrália, reforço da frota norte-americana no Pacífico…) e permitido a assinatura, em 4 de fevereiro de 2016, do Acordo de Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), essa reorientação não pôde ser concluída.
A Primavera Árabe, com efeito, chamou os Estados Unidos de volta ao Oriente Médio em 2011. Em suas conversas com Jeffrey Goldberg, Obama deixa entrever certo cansaço, se não desinteresse por essa região, que parece considerar um caso perdido. Ele se volta para os povos da Ásia, África e América Latina, “que não se perguntam como matar norte-americanos, mas como promover uma melhor educação, como criar algo de valor real”. Os Estados Unidos gastaram mais dinheiro para “reconstruir” o Afeganistão do que com os dezesseis países europeus privilegiados no Plano Marshall após a Segunda Guerra Mundial,14 sem conseguir criar ali nenhuma ordem. A guerra e a ocupação do Iraque ou a intervenção na Líbia não deram resultados melhores. Esses tropeços sucessivos acabaram por convencer Obama do caráter limitado do poderio norte-americano: este não pode tudo, não pode, em especial, modelar o Oriente Médio a seu gosto.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos alternaram períodos de certeza e dúvida quanto à sua capacidade de reger o mundo. A euforia que se seguiu ao fim do conflito deu lugar, nos anos 1950, ao questionamento de sua supremacia: os norte-americanos são suficientemente fortes para frear o avanço do comunismo, que fez grandes progressos com a Revolução Chinesa e a obtenção da bomba atômica pela União Soviética? “A incapacidade de preservar nossos recursos, o peso crescente de nossos compromissos orçamentários e o aumento vertiginoso de nossa dívida pública” empurram o país pela encosta de um “declínio relativo”, alarmava-se em 1952 o ex-comandante supremo das forças aliadas Douglas McArthur, que queria atingir a Coreia com a bomba atômica. A década seguinte assistiu ao retorno da tentação hegemônica. Em seu discurso de posse, em 20 de janeiro de 1961, John F. Kennedy proclamou: “Suportaremos qualquer fardo, aceitaremos qualquer provação, ajudaremos qualquer amigo. E nos oporemos a qualquer adversário para garantir o triunfo ou a sobrevivência da liberdade”.
As fases de tranquilidade correspondem o mais das vezes a períodos em que as desigualdades econômicas diminuem, em que o futuro parece auspicioso para a classe média. Tão logo o horizonte se anuvia, o poderio se torna um peso insuportável. Nos anos 1970, enquanto as taxas de juros e o endividamento das famílias aumentavam, ao mesmo tempo que os dois choques do petróleo enfraqueciam a economia do país, o desastre vietnamita e a influência crescente dos soviéticos na Ásia e na África punham a descoberto as fraquezas do predomínio militar dos Estados Unidos. E em 1976, segundo um estudo do Council on Foreign Relations, 43% dos norte-americanos achavam que o país devia “ocupar-se primeiro de seus próprios assuntos”, um recorde desde o início dessas pesquisas em 1964 (20%).
Duas formas do mesmo nacionalismo
Em 2013, novo recorde: 52%. De acordo com uma pesquisa de março de 2014, apenas 30% dos norte-americanos gostariam que seu país defendesse a Polônia caso ela fosse atacada pela Rússia; o número caía para 21% em se tratando da Letônia; e mesmo o Reino Unido mal chegava aos 56%. Pesquisa após pesquisa, somente os ataques com drones e os bombardeios contra a OEI, decididos após a tomada de Mossul e a decapitação do jornalista James Foley em agosto de 2014, obtiveram amplo apoio.
Sem dúvida, “a opinião pode ser trabalhada” e é possível tornar popular hoje uma guerra que não o era ontem.15 Obama não se dispõe a isso, do mesmo modo que Cruz e Trump, que até mesmo propôs retirar os Estados Unidos da Otan, pois essa organização seria “obsoleta” e muito cara. Como mostrou o historiador britânico Perry Anderson, intervencionismo e isolacionismo são duas facetas de um único nacionalismo. Um legitima o domínio dos Estados Unidos, valorizando seu universalismo (que justifica o ativismo messiânico de Washington, pronto a guiar o planeta pela senda do bem), e o outro consagra seu excepcionalismo (que busca preservar o caráter especial de uma sociedade isolada do mundo).16
Predominante antes da Segunda Guerra Mundial, o isolacionismo desapareceu quase completamente do campo conservador nos tempos da Guerra Fria e ressurgiu após o fim da União Soviética. Assume agora duas formas: a de uma retração total, propugnada pelo libertário Ron Paul, e a de um anti-intervencionismo conservador, promovido por Patrick Buchanan, ex-auxiliar de Nixon e Reagan: “Se não pararmos de agir como o Império Britânico, acabaremos como o Império Britânico”,17 alertava Buchanan em 2006. Essa corrente, bem fraca nos anos 1990 e 2000, ganhou força sob a presidência de Obama. Reagrupada em volta do Cato Institute e da revista The American Conservative (fundada em 2002 por Buchanan a fim de se opor à guerra no Iraque), ela ressalta os desastres afegão e iraquiano, mas também o contexto da crise econômica e social. Com efeito, a dívida pública induz alguns republicanos a preferir uma redução de despesas à manutenção dos orçamentos militares. Em agosto de 2011, o Congresso votou um plano de austeridade (conhecido como “sequestro”) que prevê US$ 1 trilhão de cortes nos orçamentos do Exército em dez anos. Os “falcões do orçamento” venceram os “falcões militares”.
O sucesso das candidaturas de Trump e Cruz confirma a nova tendência e revela o abismo crescente entre a condução da política externa e os eleitores tentados pelo isolamento. Ainda hoje, os grupos de estudo mais influentes, os altos funcionários do Pentágono e do Departamento de Estado, os editorialistas do Wall Street Journal, do Washington Post, da Fox News ou da CNN continuam aferrados ao intervencionismo, e sua voz é forte como sempre. “A condução da política externa está quase toda nas mãos de neoconservadores de direita ou de intervencionistas liberais de esquerda”, constata Benjamin Friedman.18 A maior parte desses observadores lúcidos declarou que se absterá caso Cruz ou Trump representem o Partido Republicano nas eleições presidenciais. Ou mesmo que votará em Hillary. A candidata democrata apoiou a guerra no Iraque, bem como os bombardeios na Síria e na Líbia; julga que falta firmeza ao acordo nuclear assinado com o Irã; e não hesita em criticar Obama desde que deixou o Departamento de Estado. Hillary, ultimamente, tem amenizado suas falas para repelir os ataques de seu rival Bernie Sanders – que sempre pertenceu às hostes antibelicosas dos democratas –, mas nem por isso deixa de ser a candidata mais intervencionista, a que mais tranquiliza a elite norte-americana com sua política externa. “Os realistas e os outros pesquisadores céticos quanto às intervenções estão confinados sobretudo à universidade”, avalia Friedman.
Concentrar-se nos Estados Unidos: esse argumento volta sempre aos lábios de Cruz, Trump e Obama para justificar sua falta de ímpeto guerreiro. Os três partilham a ideia de que os aliados de Washington – da Arábia Saudita à França, passando pelos países do Golfo, pela Alemanha e pelo Japão – deveriam parar de recorrer aos norte-americanos e assumir sua parte de responsabilidade no policiamento internacional. Enfim, se todos deixam clara sua vontade de pôr a OEI fora de combate e alguns recomendam até aplicar-lhe o método do “bombardeio de saturação”, todos concordam também, paradoxalmente, em considerar que o Oriente Médio já não está no centro dos interesses norte-americanos.
Sem dúvida justa no plano econômico, essa ideia suscita, do ponto de vista moral e político, as seguintes perguntas: os Estados Unidos podem decretar da noite para o dia que não querem mais saber de uma liderança conquistada à força de canhonaços durante sessenta anos? Podem se retirar, sem remorsos nem reparações (indenização financeira, apoio diplomático, estabelecimento de uma cooperação fundada num intercâmbio justo etc.), de uma região que sistematicamente desestabilizaram? O importante “não é ter a paz [no Oriente Médio], é determinar a que ponto os Estados Unidos estão implicados na ausência de paz”, resumiu cinicamente Jeremy Shapiro, pesquisador da Brookings Intitution e consultor do Departamento de Estado. Não se pode, porém, fazer tábula rasa da história: mesmo não mantendo mais soldados na área, os Estados Unidos continuarão responsáveis pelo caos que criaram.
Benoît Bréville é jornalista e integra a redação do Le Monde Diplomatique França.