Palavra 42
Hóspedes do vento
Ergueu-se, abriu os braços, não sabendo como saudá-los senão assim, camisa aberta, arreganhado, ele Neno, ele total, a mangueira repleta
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Perdendo Heitor
Noites que ela guardaria pelo cheiro do cigarro, da terra batida das estradas furtivas, do desodorante impreciso que ele passava, e, por fim, de muito usá-la, aprová-la, repeti-la, ele a tinha declarado única, nunca conhecera carne, cheiro melhor
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Tantas palavras
Quase ri dessa idéia absurda, outra que me cruzava o pensamento sem que eu soubesse de onde nem por que ela vinha. Mas me contive a tempo diante de um par de olhos que pareciam estar levando bem a sério a aventura
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O assassino bossa-nova
Espalham rapidamente as fotografias anteriores na mesa e decidem onde colocar a moça. Ela já está com um vestido longo, azul, semelhante aos usados na virada para os anos sessenta
AquiRodrigo Gurgel
A edição desta semana apresenta três contistas. Na verdade, três bons contistas, de mão firme e mira certeira.
Chico Lopes – que, a partir desta edição, torna-se colaborador mensal do Palavra -, autor de Nó de sombras e Dobras da noite, ambos publicados pelo Instituto Moreira Salles, apresenta duas narrativas inéditas, pertencentes a um livro de catorze contos que ainda aguarda editor: “Hóspedes do vento”- e “Perdendo Heitor”. No primeiro, dois andarilhos vagam rumo a uma cidade imprecisa, talvez a cidade ideal de todos os nossos sonhos; no segundo, o tema da busca retorna, mas toldado pela paixão, pelo desejo e por um final irônico, quase perverso.
Luiz Paulo Faccioli, que já colabora para este Palavra – dentre seus textos, há uma incisiva análise crítica da tradução brasileira de O Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell -, traz um conto inédito de seu novo livro, Trocando em miúdos, a ser publicado em outubro pela Editora Record. O livro compõe-se de quinze contos, livremente inspirados em quatorze canções de Chico Buarque, sem qualquer intenção de fidelidade. Para esta 42ª edição, Faccioli – que já publicou Elepê (contos, WS Editor) e Estudo das teclas pretas (novela, Editora Record) – escolheu a narrativa “Tantas palavras” – uma bordadura de sutilezas -, releitura da canção homônima gravada por Chico Buarque em 1984.
Marco Polli, colaborador do Palavra desde a nossa primeira edição, e autor do blog Ângulo, publica o conto inédito “O assassino bossa-nova”. Às vezes – nem sempre, é verdade – há razões existenciais para se matar: a melancolia, certa taciturnidade a que a vida nos condena, a falta de inspiração, a necessidade de exercitar os próprios dotes artísticos, ou apenas a passagem do tempo – e um angustiante sentimento de inadequação.
Boa leitura – e até a próxima semana!
Rodrigo Gurgel, editor.