Palavras que cuidam: entre o afeto e a escuta
A comunicação, quando orientada pela empatia, não apenas transmite informação — ela cria vínculos, alivia angústias e devolve sentido à existência
Um dia eu cuido, e no outro vou narrar. Assim tem sido a minha rotina, entre a escuta atenta das fragilidades humanas e a pulsação inquieta das palavras. Minha trajetória profissional, que une o jornalismo e o cuidado direto a pessoas idosas, nunca foi uma encruzilhada, mas sim uma travessia, que se complementa e revela a potência da comunicação como prática terapêutica e política.
Não é sempre que a farmacologia dá conta de aliviar a dor. Existem sofrimentos que não cabem nos protocolos, que exigem escuta, presença e sensibilidade. Com formação em Comunicação e atuação no cuidado de pessoas em fim de vida, fui percebendo que a palavra pode ser tão eficaz quanto um remédio — e, muitas vezes, mais humana. A escuta atenta, o acolhimento verbal e não verbal, o diálogo sincero e respeitoso tornaram-se instrumentos essenciais no acompanhamento de idosos em sofrimento.
Na convivência com pessoas em cuidados paliativos, compreendi que narrar histórias, nomear emoções ou simplesmente estar presente com palavras de conforto pode ressignificar a dor. A comunicação, quando orientada pela empatia, não apenas transmite informação — ela cria vínculos, alivia angústias e devolve sentido à existência. Nesses encontros, descobri que cuidar também é conversar, acolher silêncios, criar espaço para que o outro seja percebido e ouvido.

O cuidado, nesse panorama, se transforma em resistência à desumanização. Idosos com déficit cognitivo, por exemplo, muitas vezes são excluídos dos processos de decisão e diálogo. Ao praticar a escuta e o respeito à subjetividade dessas pessoas, vi brotar uma forma de cuidado que devolve dignidade: escutar quem já não fala com clareza, respeitar quem já não lembra, estar com quem a sociedade insiste em apagar.
Essa experiência revelou uma ponte profunda entre os campos da comunicação e da saúde. Em tempos de medicalização excessiva e de relações cada vez mais aceleradas, recuperar a centralidade da palavra e da escuta é um gesto político. É afirmar que o cuidado não é apenas técnica, mas também relação. E que, muitas vezes, o que mais cura é ser reconhecido, ouvido e amado.
Entre afagos e frases, sigo costurando existências. Como jornalista, dou voz a quem foi silenciado. Como cuidadora, acolho com presença e afeto. Em ambos os caminhos, aprendi que a comunicação pode ser um cuidado não farmacológico poderoso — e que, onde há dor, pode haver também palavra. E onde há palavra viva, nasce o cuidado.
Clécia Rocha é Jornalista e Cuidadora de Idosos.