Pandemia, violência policial, fundamentalismo religioso e outras ameaças
Mobilização dos entregadores marca contraofensiva ao pandemônio fascista, que se alimenta do assalto retrógrado à educação brasileira
Para a grande maioria dos jovens brasileiros está colocada a necessária conciliação entre escola e trabalho. No momento atual, com uma retração profunda do mercado de trabalho, resta a esses jovens recorrer a suas velhas bicicletas e incorporar-se ao exército de entregadores em domicílio que hoje vemos pelas ruas.
Parte importante desses entregadores parou de trabalhar em várias cidades em 1º de julho deste ano, repetindo a paralisação nacional no dia 25. Em São Paulo, alguns milhares deles saíram às ruas, numa inédita e impressionante mobilização para exigir melhores condições sanitárias, de trabalho e fornecimento de alimentação durante as extenuantes jornadas, o caminho para o reconhecimento de vínculo empregatício. Para os milionários aplicativos de entrega, eles não são trabalhadores precários, são donos de seu tempo e destino, ecoando o “empreendedorismo” que hoje, elevado à categoria de disciplina curricular, assola a educação brasileira.
Dirigindo-se a esses jovens (e a muitos outros não tão jovens), o líder do movimento, Paulo Galo, falou da violência nas periferias das cidades brasileiras, juntamente com a pandemia. É um extenso cardápio a que ele chama de pandemônio. Começa com a violência policial, ramifica-se para o racismo, a homofobia, a violência de gênero, todos ramos de um mesmo tronco chamado capitalismo, como acertadamente afirmou Paulo Galo.
Isso não acontece só nas periferias pobres e nem só por ação policial. Entre os casos recentes de violência assassina contra jovens convém lembrar o incêndio ocorrido no Rio de Janeiro, em fevereiro de 2019, no Centro de Treinamento do Flamengo, o agora tristemente célebre Ninho do Urubu, onde containers serviam de dormitório a atletas adolescentes. Nesse “alojamento”, verdadeira arapuca revestida de material altamente inflamável e com gambiarras elétricas ligando vários condicionadores de ar, morreram dez jovens. Até agora nem sinal de punição aos responsáveis que, sem exagero, podem ser classificados como homicidas. E já se passaram dezoito meses. Antes disso, os garotos assassinados já estavam esquecidos, memória de um sacrifício, igualmente lançada ao fogo, na fogueira de vaidades do “amado” Flamengo.
Os ataques e ameaças à juventude, seja por ações criminosas, seja por omissões igualmente criminosas, não são novos. Trata-se de rotina há muito conhecida, especialmente pela população negra e pobre. O que há de novo, sim, é o agravamento assustador da violência policial.
Não se pode esquecer do que ocorreu na madrugada de 1º de dezembro de 2019 na favela de Paraisópolis, em São Paulo, com o ataque de policiais a um baile funk. Jovens acabaram encurralados em uma viela, onde vários foram derrubados, pisoteados, asfixiados, mortos. É inevitável a associação com o caso George Floyd (Minneapolis, 25 de maio de 2020), com a diferença que em Paraisópolis foram nove George Floyd assassinados.
Episódios assim, nem sempre com a mesma repercussão, têm se repetido por todo o país. Jovens são assassinados, com muita frequência por integrantes das polícias militares, não por acaso corporações de forte penetração do bolsonarismo.
Em meio a essa situação discute-se a classificação correta do bolsonarismo, num debate importante do ponto de vista metodológico. Ficamos com a análise do cientista político Armando Boito Jr., para quem o bolsonarismo é, de fato, um movimento de caráter fascista, por seu enraizamento em parcela significativa da sociedade e por diversas outras características típicas do fascismo. Assim é o recurso à violência, o racismo, a negação da ciência, a banalização da morte, o moralismo hipócrita, a condenação de livros e as perseguições a artistas, professores e intelectuais.
Polícia na escola
É preciso lembrar que, no Brasil, a atual versão fascista do capitalismo tem se alimentado do assalto à educação, conduzido por forças obscurantistas. Esse assalto tem se apresentado de diferentes formas, uma das quais sob a capa das autointituladas “escolas cívico-militares”.
Em 2015, em Goiás, surgiu a primeira dessas escolas sob gestão da PM, cujo modelo foi a seguir reproduzido em outros estados e municípios. Com a chegada de Bolsonaro à Presidência, o Ministério de Educação abraçou com entusiasmo a proposta das “cívico-militares”, que têm sido estimuladas pela promessa de generosas verbas federais. A intenção declarada é que elas se espalhem por todo o país pelo menos até 2023. Para isso, em setembro de 2019 foi lançado o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, que, entre outras iniciativas, convoca militares da reserva das Forças Armadas para apoiar a gestão escolar e educacional. Os estados também podem destinar policiais e bombeiros militares para apoiar a administração escolar.
De modo geral, essas escolas são instaladas em regiões de grande vulnerabilidade social, sob a justificativa de incentivar a disciplina, fortalecer o patriotismo, o respeito à família e à hierarquia, para melhorar os índices de rendimento, além de diminuir a violência nas escolas e nos bairros periféricos. Nem por isso a truculência deixa de se manifestar, como tem sido revelado pelas várias denúncias de abusos morais e sexuais, além de violências físicas, a professores, estudantes e familiares, praticadas pelos militares que trabalham em escolas cívico-militares (Basílio, 2019).
É preciso destacar que esse tipo de escola é apoiado por uma fatia importante das famílias, o que praticamente o transforma em um projeto da sociedade. Não é por outro motivo que a militarização está chegando até mesmo aos primeiros anos de educação fundamental e ao ensino infantil (Mendonça, 2019).
Recentemente, a Prefeitura de Moiporá (GO) comemorou a formatura das primeiras turmas de sua escola “cívico-militar”, uma turma de Jardim II e outra de 5ª série do ensino fundamental. Como essas escolas são a partir do 6º ano do ensino fundamental e/ou do ensino médio, a Prefeitura driblou a determinação estadual associando-se à uma ONG, ironicamente chamada “Guardiões da Vida”, que se encarregou da gestão.
Paralelamente, começaram a surgir escolas “cívico-militares” na rede privada. Reportagem da BBC Brasil (14 jun. 2020) relata que a primeira cívico-militar privada foi criada no Paraná, em 2018, por uma associação de policiais militares. Seguiram-se outras em Brasília e no Ceará. Em algumas delas colégios já existentes foram simplesmente transformados em “cívico-militares”, contando para tanto com a parceria de militares. Empresários da educação, percebendo o avanço do conservadorismo nas famílias, resolveram explorar o novo filão.
Nas escolas militarizadas, o cotidiano dos estudantes é profundamente alterado. O ensino está acompanhado de normas rígidas de convivência e de comportamento e num ambiente de repressão. Exemplo disso está no uso obrigatório de uniforme militar, além da exigência do corte de cabelo para os meninos segundo o padrão militar e a obrigatoriedade de que as meninas mantenham seus cabelos presos. Para as meninas ainda é vetado o esmalte escuro, assim como acessórios muito chamativos. Mascar chiclete, falar palavrão ou se comunicar com gírias também são práticas banidas nessas escolas (Ricci, 2018).
Argumenta-se que elas apresentam maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do que as outras escolas públicas. Nada se diz sobre a “pedagogia do medo” nelas instaurada (Luz, 2019), o forte investimento material e os altos salários dos militares que ali atuam (Basílio, 2019). Além disso, é possível observar que diferentes instituições escolares que atuam de forma não militarizada obtêm resultados similares ou melhores que as escolas de gestão militar. Há várias pesquisas demonstrando que o desempenho escolar está fortemente relacionado às condições sociais e econômicas dos estudantes. Uma delas é a de Seabra, de 2019, que já inclui escolas com disciplina militar e chega à mesma conclusão. Ou seja, novamente fica claro que a comparação entre escolas sem analisar a composição do alunado em cada uma delas serve apenas para produzir argumentos falaciosos.
Miguel Arroyo, professor Emérito da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em entrevista à Carta Capital, afirmou que a militarização de escolas públicas de periferia é um projeto que se articula a outras ações desse governo visando criminalizar a pobreza. Podemos afirmar que temos hoje a confluência do conservadorismo com o fundamentalismo religioso numa guerra ideológica pelo protagonismo na formação do “novo homem” brasileiro.
Ofensiva fundamentalista
Junto com a militarização, a ameaça à formação da juventude igualmente se dá pela penetração do fundamentalismo religioso nas escolas, nos bairros, nas famílias, verdadeira lavagem cerebral, capaz de fazer do próprio jovem cúmplice de sua tragédia. Sem esquecer que a lavagem cerebral também contamina parte dos professores.
Ao fundamentalismo, juntam-se grupos retrógrados, promovendo o medo no ambiente escolar. É o caso do movimento “Escola sem Partido”, que denuncia uma suposta “doutrinação ideológica” nas escolas e universidades.
Hoje, alunos e famílias não hesitam em apontar o dedo acusador contra professores que expressem opiniões críticas ou simplesmente ensinem ciência. Abordar temas como a evolução das espécies, o golpe de 1964 ou questões de gênero ficou arriscado. A educação sexual tende a ser banida das escolas e virar assunto exclusivo para o âmbito familiar, embora estudos indiquem que é justamente no seio das famílias que se dá a maioria dos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes[1].
No governo Bolsonaro esse processo explodiu com perseguições a professores e diretores de escola, incluindo punições administrativas e denúncias à Justiça. Estas, ao que se sabe, por enquanto não têm ido adiante, mas certamente ampliam o clima de medo e autocensura.
Costuma-se associar o fundamentalismo religioso às igrejas evangélicas de formação recente, especialmente pentecostais e neopentecostais. Isso não é completamente correto, pois há grupos fundamentalistas em igrejas protestantes tradicionais e em algumas correntes católicas. Da mesma forma, há também denominações evangélicas de formação recente que rejeitam o fundamentalismo, têm posições muito mais abertas em matéria de questões de gênero e alguns de seus dirigentes assumem bandeiras políticas tipicamente de esquerda.
No entanto, pentecostais e neopentecostais são, de fato, a ponta de lança do fundamentalismo religioso no Brasil, tendo estes se destacado por uma ofensiva de doutrinação sem precedentes. O uso competente dos meios de comunicação de massa (em particular da televisão), a modernização da chamada música gospel e certa tolerância em matéria de costumes (especialmente no modo de se vestir) têm permitido aos neopentecostais não apenas crescer entre os pobres, mas também conquistar parcelas significativas das classes médias. Isso, além de ampliação exponencial do número de adeptos, tem lhes rendido outro dividendo: influência política (Zan e Krawczyk, 2019).
A ascensão de religiosos neopentecostais na política brasileira os transformou em “…uma espécie de fiel da balança no tabuleiro eleitoral nacional desde fins dos anos 1990” (BURITY, 2018, 15-66). Esse processo, que ganhou mais força ainda a partir de 2016, tem feito com que a chamada “cultura evangélica” conquiste espaços, através da aliança com o governo federal e da construção de um bloco evangélico no Congresso.
Com a eleição de Bolsonaro, eles praticamente chegam ao poder, em associação com militares, com outros grupos conservadores e com parcelas importantes do empresariado. A “cultura evangélica” ganha então ainda mais influência junto à política educacional do Brasil, na qual tem procurado estabelecer seus padrões morais e de sociabilidade. Os blocos de poder evangélico tornam-se ainda mais aguerridos no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas estaduais e câmaras municipais, apresentando e defendendo projetos que limitam a autonomia escolar e censurando a diversidade de opinião nas escolas. Contam para tanto com a mobilização da sociedade civil, através de suas igrejas e da indústria cultural evangélica.
Limitação do conhecimento
As ameaças à juventude não se esgotam no que foi descrito até aqui. Há algo ainda mais perigoso, por seu caráter insidioso, difícil de identificar como ameaça porque associado ao senso comum do culto ao trabalho. Trata-se da tendência de utilizar parte do ensino público como etapa de preparação para o mercado do trabalho, algo que já estava colocado em algumas redes estaduais e que foi sacramentado pela reforma do ensino médio aprovada pelo governo Temer. Não que o governo federal tenha voltado a investir em boas escolas técnicas, capazes de associar ampla e diversificada formação básica com ensino profissional, mas pela redução do conhecimento.
Limita-se o espaço de disciplinas como História, Sociologia e Geografia na Base Nacional Curricular Comum, já que estas não podem ocupar mais de 1.800 horas do total de 3.000 horas destinadas ao ensino médio. Em contrapartida, entram diferentes opções formativas e o ensino de “empreendedorismo” passa a ter um lugar privilegiado em todas as séries do ensino médio, colocando o foco no desenvolvimento de “competências socioemocionais”. Se não há emprego disponível, crie o seu, empreenda e fique rico. Afinal, só você mesmo é responsável por suas dificuldades.
A ideia é apresentar o “empreendedor” (leia-se capitalista) como herói da vida moderna cujo exemplo deve ser seguido. No entanto, é preciso ter “resiliência”,[2] uma das “competências” necessárias. É necessário trabalhar duro e não temer o fracasso, mas aprender com ele e voltar à carga, insistir, persistir. Além, claro, de agarrar as oportunidades, nem que a única seja entregar comida pedalando uma bicicleta velha. Nada de queixar-se da vida e sempre manter o sonho vivo, que um dia o sucesso chega. Desce o pano, o público aplaude de pé!
No início de agosto, foi aprovado pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo o novo currículo para o ensino médio no estado, regulamentando assim para o território paulista a reforma do ensino médio, que havia sido legislada em 2017 para todo o âmbito nacional. São Paulo regride na história do ensino médio técnico profissional brasileiro, criando uma forma encoberta de dualidade escolar, desvinculando a formação cientifica da formação para o trabalho e separando de fato a preparação para o prosseguimento dos estudos superiores e a preparação para o mundo do trabalho, tal como o explicam Sala e Piolli (2020).
Tanto o “novo” ensino médio, quanto as escolas militarizadas, o fundamentalismo e o movimento Escola sem Partido restringem as possibilidades de o jovem desenvolver pensamento independente e crítico. O primeiro pela limitação do conhecimento. O segundo pela disciplina militar. O terceiro por sua interpretação literal da bíblia, que leva à negação da ciência e pela teologia da prosperidade abraçada pelos neopentecostais e sua estreita ligação com a ideologia do capital. Por fim, o movimento Escola sem Partido, por impor uma suposta neutralidade ao ensino, reforçando assim as ideias dominantes, que são as ideias da classe dominante, como bem definiu Karl Marx.
O resultado do assalto à educação por essas forças retrógradas estabeleceu as condições para o bolsonarismo e seus robôs digitais nadar de braçada nas redes sociais, alimentando o pensamento fascista. Tendo conquistado a Presidência com essa estratégia, o fascismo intensifica sua guerra cultural impondo uma agenda de revisão histórica, censura a livros didáticos, desprezo pelo conhecimento.
Do pandemônio à pandemia
A pandemia de Covid-19 nos surpreendeu em meio a essa situação, por si só extremamente grave. Diante dela, recrudescem essas e outras tendências que já estavam presentes na atual fase da educação brasileira. Ao mesmo tempo, desmascaram-se muitas das consequências dos princípios neoliberais que têm pautado nossa organização social.
Com os desafios educativos que nos coloca a quarentena, as desigualdades educacionais tornaram-se mais visíveis. Elas se aprofundam pelas precárias condições de trabalho docente e pela insistência em manter a “normal” rotina escolar, entrando na vida privada das famílias e professores. Plataformas fechadas de Educação à Distância (EaD) transformam o educador num mero monitor do aprendizado, que deve acontecer em ambientes muito pouco propícios para aulas remotas. Mães e pais têm que assumir parcialmente o lugar do professor, na maioria dos casos sem ter a escolarização minimamente necessária para esse papel, sem tempo para exercê-lo e para acompanhar as tarefas das crianças, e sem condições de familiarizar-se com a lógica dos aplicativos.
A pandemia desmascara também o espaço crescente das corporações de tecnologia da informação (TI) na educação básica e superior (privada e pública) e na formação de professores. Por exemplo, a reforma do ensino médio permite que 20% da carga horária obrigatória possa ser oferecida a distância. Na educação superior já pode chegar a 40%. Essas corporações, ávidas por capitalizar em cima da catástrofe sanitária e social global, entram de forma mais agressiva na captação de recursos públicos, nas estratégias de expansão e diversificação de seus serviços e consumidores – redes de ensino, escolas, professores e pais – e na legitimação do uso de EaD em todos os níveis.
Não faltam relatos que mostram o fracasso da educação com recursos remotos, apesar dos grandes esforços dos professores e das famílias. Governos e empresários impõem soluções pré-fabricadas, ignorando a experiência dos docentes, que mostra a importância do espaço relacional, dos vínculos criados com os professores e colegas para socialização e aprendizagem escolar.
As enormes dificuldades que manifestam estudantes e famílias com a educação a distância e o tempo que adolescentes e jovens estão afastados do cotidiano escolar, de seus amigos e de uma rotina que incorpore a escola tendem a elevar em muito a evasão escolar. Se a isso acrescentarmos as dificuldades econômicas que a maioria das famílias vai enfrentar, poderemos imaginar como a evasão vai se tornar um problema ainda mais grave, especialmente no ensino médio e superior.
A EaD também possibilita a intromissão familiar no próprio momento da aula, o que, segundo alguns professores relatam, já está acontecendo. Tem havido casos de pais que invadem e interrompem aulas remotas para insultar professores dos quais discordam.
“A educação não pode parar” é parte de uma narrativa oficial que surge neste tempo de quarentena e que coloca as crianças, os jovens, as famílias e os professores na obrigação de aceitar estarmos vivendo “uma nova normalidade”. Em realidade trata-se de uma falsa normalidade, que obriga todos a seguir no ritmo acelerado e pragmático. É uma narrativa que reproduz e aprofunda a visão utilitarista da vida, que ressignifica o tempo subjetivo e emocional, o tempo excepcional, o tempo presente e sua relação com o lazer. É a primazia de valores e comportamentos essenciais à nova ordem capitalista.
O aprofundamento das desigualdades educacionais está acontecendo ao mesmo tempo em que as desigualdades sociais também se tornam mais visíveis e se aprofundam. O aumento do desemprego e a diminuição dos salários, justificados por empresários e governos pela suspensão de grande parte das atividades econômicas na quarentena, acontecem enquanto se reduzem as perdas conjunturais de grandes empresas. O país carece de políticas que garantam os direitos sociais e, enquanto as insuficientes medidas emergenciais não chegam a todos os que realmente precisam, ficam as famílias à mercê de ações sociais filantrópicas.
Novas lideranças
Se havia dúvida quanto à tragédia que iria representar o desmonte gradativo das poucas políticas de amparo social de que o país dispunha, isso agora fica escancarado. Que o diga o SUS. Os efeitos da privatização desenfreada, junto com a política econômica da austeridade a qualquer preço, são potencializados pela pandemia jogando mais água para o moinho do desastre. Começam a aparecer estudos sobre ocorrência a curto prazo de situações de fome extrema pelo mundo. Um relatório da ONG Oxfam cita o Brasil como um dos possíveis epicentros emergentes da fome, junto com a Índia e a África do Sul.
Situações como essas sugerem que não se pode descartar ocorrência de convulsões sociais, sem direção, motivadas pelo desespero. A resposta violenta do fascismo com certeza já está desenhada.
Cabe aos movimentos sociais e organizações políticas canalizar esse desespero para ações com foco e estratégia, sob pena de assistirmos a um massacre. Nesse sentido, o surgimento de novas lideranças antifascistas, como as dos entregadores e de algumas torcidas de futebol constituem um sopro de esperança em meio ao pandemônio e à pandemia.
Nora Krawczyk é professora da Faculdade de Educação/Unicamp e membro do GT 5 – Estado e Política Educacional. E-mail: [email protected].
Dirce Zan é professora da Faculdade de Educação/Unicamp e membro do GT 3 – Movimentos Sociais, Sujeitos e Processos Educativos. E-mail: [email protected].
Referências bibliográficas
QUEIROZ, CH. Violência. No contexto da pandemia, agressões contra mulheres crescem no Brasil. Revista Fapesp, julho de 2020, ano 21, n. 293
MENDONÇA, E. Militarização de escolas públicas no DF: a gestão democrática sob ameaça. RBPAE – v. 35, n. 3, p. 594 – 611, set./dez. 2019
RICCI, R: A militarização das escolas públicas. Le Monde Diplomatique Brasil, 31 de agosto de 2018.
ZAN,D e KRAWCZYK,N. A disputa cultural: o pensamento conservador no ensino médio brasileiro. Revista Amazônia, v.4, 2, 2019.
BURITY, J. A onda conservadora na política brasileira traz o fundamentalismo ao poder? Pp. 15- 66. In: TONIO, R.; ALMEIDA. R. (Orgs.). Conservadorimos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora Unicamp, 2018.
SALA, M. e PIOLLI, E. Itinerário técnico e profissional na reforma do Ensino Médio paulista: dualidade e dualidade da dualidade. Esquerda Diário, 10/8/2020.
LUZ, D. A pedagogia do medo: escola militarizada no DF. Jornalistas livres. 13/10/2019.
BASÍLIO, A. L.: A violência dos colégios militares: professor torturado e 120 denúncias só no MP do Amazonas. Carta Campinas, 12/08/2020.
BASÍLIO, A. L.: 5 Pontos que colocam em xeque a militarização das escolas. Carta Capital, 26/12/2019.
[1] “No Estado de São Paulo, levantamento do Instituto Sou da Paz, feito com base em dados da Secretaria de Segurança Pública e das corregedorias das polícias Civil e Militar, mostrou que em 2019 sete em cada dez vítimas de feminicídio foram mortas dentro de casa…. A análise do Instituto revelou também que em 80% dos casos a vítima conhecia o autor do crime. Dados do 13 anuário do FBSP indicam que a grande maioria de estupros é cometida contra meninas de até 13 anos”. Queiroz, Ch. 2020, p.56.
[2] É interessante lembrar que esta palavra tem sua origem na física para explicar a propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. No sentido figurado significa: capacidade de se recobrar ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.