Paquistão: o novo elo fraco dos EUA
Num contexto geopolítico instável, um dos mais sólidos pontos de apoio de Bush acaba de ceder. A proclamação do estado de sítio pelo general Pervez Musharraf é uma grave confissão de fraqueza da parte do ditador paquistanês
As ondas de instabilidade provocadas no Oriente Médio devido à “guerra contra o terrorismo internacional” não param de convulsionar novos países. O mais recente: Paquistão.
Cinqüenta meses após a tomada de Bagdá, o panorama geopolítico regional é desolador. Ao impasse militar se somou uma enxurrada de desastres diplomáticos. Sem que o risco terrorista tenha diminuído. Nenhum dos conflitos – Israel-Palestina, Líbano, Somália – foi resolvido. No Iraque, apesar da presença de quase 165 mil militares norte-americanos, as perspectivas ainda parecem igualmente incertas. A vida diária para os civis permanece um inferno. Os atentados assassinos se sucedem. Além disso, surgiu uma nova tensão na fronteira entre o Curdistão iraquiano e a Turquia, onde poderiam se enfrentar dois aliados dos EUA.
Outro paradoxo, as intervenções norte-americanas tiveram o efeito de livrar o Irã – “pior inimigo dos EUA” – de dois grandes adversários: o regime do partido BAAS no Iraque e o dos talibãs no Afeganistão. Assim, raramente um rival terá proporcionado tantos benefícios a seu principal inimigo. Isso permitiu a Teerã concentrar-se em seu programa nuclear. Suscitando temores. Os Estados Unidos e Israel agora ameaçam bombardear as instalações atômicas iranianas. O que acrescentaria mais caos ao caos regional e acarretaria altas dos preços do petróleo insuportáveis para numerosas economias.
No Afeganistão, as forças da Otan estão na defensiva. Com mais de 15 mil homens no país, os Estados Unidos exigem de seus aliados, entre os quais a França, o envio de tropas suplementares. Pois os talibãs retomaram a iniciativa, os atentados suicidas se multiplicam, a cultura da papoula e a exportação de ópio explodem. A reconstrução se faz em marcha lenta e as instituições “democráticas” se enfraquecem. Controladas por “senhores da guerra”, as províncias se afastam cada vez mais do governo de Cabul. “Se nós partirmos”, admite um diplomata ocidental, “Hamid Karzai [presidente do Afeganistão] não sobrevive dez dias.”
É nesse contexto geopolítico instável que um dos mais sólidos apoios do presidente George W. Bush na região acaba de ceder no Paquistão. A proclamação do estado de sítio em Islamabad, em 3 de novembro último, pelo general Pervez Musharraf é uma grave confissão de fraqueza da parte deste, o que disparou o alerta vermelho em Washington.
Tendo sido já autor de um golpe de Estado em 1999, o general Musharraf fora recrutado a toda pressa pelos Estados Unidos, no final de 2001 – e sob a ameaça, como ele mesmo contou, de ver seu país aniquilado por um ataque nuclear maciço –, na guerra contra o regime dos talibãs e contra as bases afegãs da Al-Qaeda. O governo Bush pareceu não perceber a contradição no fato de se aliar a um ditador para “instaurar a democracia” no Afeganistão.
Com essa aliança, Musharraf obteve um certificado de respeitabilidade internacional, bem como cerca de 11 bilhões de dólares para equipar melhor seu exército e suas forças de repressão. O Paquistão, país com cerca de 167 milhões de habitantes, é o único Estado muçulmano que possui a bomba atômica e pode lançá-la a 2.500 quilômetros, com mísseis de longo alcance. Esses dados lhe conferem uma importância estratégica tanto maior pelo fato de o país estar situado em pleno “foco perturbador”, na orla das crises afegã, iraniana e do Oriente Médio.
O grande pavor, em Washington, é que os muçulmanos paquistaneses, aliados aos talibãs, acabem por se apoderar do controle do Estado e ponham as mãos na bomba atômica. Detestado pelo poder judiciário, o general Musharraf acaba de amordaçar os principais meios de comunicação e reprimir os dois principais partidos da oposição, o de Nawaz Sharif e o de Benazir Bhutto. Sua impopularidade faz dele, apesar das aparências, o elo frágil do sistema político. O objetivo da diplomacia norte-americana é, portanto, a curto ou médio prazo, substituí-lo. Não por Bhutto ou por Sharif, os quais, no melhor dos casos, servirão para fazer a mudança “democrática”. Mas por um outro homem forte, talvez o general Ashfaq Kyani, mantido na rédea curta pelos norte-americanos.
*Ignacio Ramonet é jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.