Para além do crer ou não crer
Série do Youtube, em parceria com o Google e JusRacial, aborda a temática da intolerância religiosa
Com objetivo de colaborar com o combate à intolerância religiosa, a série “Crer ou não crer” traz dez episódios, todos disponíveis no Youtube, com convidados de diferentes áreas de atuação e denominação religiosa – de rappers e lideranças indígenas a padres e babalorixás. A produção é da JusRacial, uma organização que trabalha pela democratização da Justiça, em parceria com o Youtube e o Google. “Eu penso que o crer ou não crer propõe um espaço de reflexão, um espaço de diálogo e, especialmente, resgata e reafirma a ideia de que é possível uma convivência harmoniosa [entre diferentes], muito na contramão do que tem sido a história do Brasil”, relata Hédio da Silva Jr, apresentador da série.
Em um mundo de tantas certezas inconsistentes, e violências normalizadas por toda a sociedade brasileira, a série “Crer ou não crer” propõe um espaço de reflexão e alternativa. Se historicamente os povos e religiões de matriz africana foram marginalizados e oprimidos, aqui há espaço para todos, inclusive para aqueles que não creem, o que também é um direito. “É necessário sair do diagnóstico tem racismo no Brasil. Precisamos romper com essa história que você só pode enfrentar esse problema com sanção, com punição, com repressão. Repressão tem um papel muito limitado. Repressão fica restrita ao efeito, mas não à causa do problema. Eu sempre levo a título de comparação, um exemplo norte-americano. Você teve a marcha sobre Washington em 63, o ato pelos direitos civis em 64. As ações afirmativas começaram a ser implementadas em 65. O Obama foi presidente da República, família negra, dois mandatos. Isso não impediu o George Floyd de ser morto daquela forma”, explica Hédio, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ex-Secretário de Justiça do estado de São Paulo.
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A escolha dos convidados buscou representar a diversidade brasileira. Nomes como Ailton Krenak, Glicéria Tupinambá, Jéssica de Oya, Jihad Hammadeh, Yuri Marçal, entre outros, debatem temas como ativismo, liberdade de expressão e espiritualidade. Sheila Leoneli, uma das produtoras da série, explica que trazer falas representativas de uma grande parte da população era um dos objetivos do trabalho. “Ainda sofremos muita intolerância religiosa, mas esse é um momento em que também nós podemos falar, um momento de contradição, um movimento de, como o Nego Bispo diria, contra colonizar, né? E essa oportunidade do doutor Hédio, que é essa pessoa que tem um histórico de luta contra a intolerância contra as religiões de matriz africana, poder estar exposto de uma outra maneira, para um público muito maior é importantíssimo. Os nossos líderes têm que estar no meio do povo.”
Neste programa independentemente de sua ancestralidade ou crença, há espaço para identificação e desmistificação do diferente. A partir do diálogo, Hédio e seus convidados exercem um exemplo de democracia e tolerância ao tratar de um tema social tão complexo. A série “Crer ou não crer” mostra que o diferente só é estranho enquanto não reconhecido, pois a partir do momento em que tomamos consciência, nos tornamos essencialmente iguais. “Eu acho que a gente teme muito o que a gente não conhece. Então essa educação antirracista não é só postar uma coisa no Facebook, no Instagram. É você fazer trabalho de base, como uma comunidade, como sociedade, né? Você começa ali, pequeno, e vai aumentando até o momento em que todo mundo conheça as religiões de matriz africana, as religiões islâmicas, que sofrem tanto preconceito nesse momento. Como o Nego Bispo diz, sempre cito, não é mais o momento de desenvolvimento, é o momento de envolvimento, e eu acho que essa série propõe envolver as pessoas”, finaliza Sheila.
É com esse pensamento que podemos ser culturalmente diferentes e mesmo assim nos conectarmos, pois enquanto o discurso de ódio e o medo do diferente prevalecer, não haverá espaço para a democracia e a justiça. Assim, a série “Crer ou não crer” é uma ótima recomendação para quem quiser ir na contramão da intolerância e exercer o direito de crer, ou não.
Nanna Tariki faz parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.