Para não morrer, resistir é preciso: o futuro começa agora

PLDO 2021

Para não morrer, resistir é preciso: o futuro começa agora

por Vários autores
13 de julho de 2020
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Os efeitos da crise sanitária de 2020 demandarão recursos adicionais para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde, pois procedimentos ambulatoriais e cirúrgicos não emergenciais foram postergados. O adiamento de tratamentos e exames de diagnóstico também agrava as condições de saúde de doentes crônicos, o que requererá maior investimento no SUS no ano pós pandêmico

 

Divulgar os males seria contribuir para agravar os problemas e para exasperar o povo? Os fatos angustiam, mas conhecê-los é um caminho necessário para o encontro e aceitação das soluções. (D. Paulo Evaristo Arns, 24 de junho de 1976)

Censurar ou selecionar as informações oficiais sobre a atual pandemia é a nova tática do governo Bolsonaro, repetindo métodos adotados na ditadura civil-militar de 1964, que manipulou os índices do custo de vida, roubando o salário de milhões de assalariados, bem como omitiu os casos e mortes provocadas pela meningite no início dos anos 1970.

Da mesma forma que ocorreu no passado, o pastiche em torno da Covid-19 penalizará sobretudo os trabalhadores formais e informais, os desempregados e os mais pobres, submetidos a uma maior prevalência e incidência da doença, pesando sobre os ombros deste governo as mortes evitáveis de brasileiras e brasileiros. 

O governo federal vem há anos cortando despesas sociais e de garantia de direitos como consequência de uma política que prioriza metas fiscais. (André Lucas/DPA)
O governo federal vem há anos cortando despesas sociais e de garantia de direitos como consequência de uma política que prioriza metas fiscais. Cenas da favela de Paraisópolis (André Lucas/DPA)

Na contramão da orientação da Organização Mundial da Saúde, tendo como pano de fundo uma salada ideológica que mistura eugenismo, isolamento vertical e imunidade de rebanho, Bolsonaro e Guedes promovem uma falsa dicotomia entre saúde e economia, operando, de forma consciente ou não, uma política de Estado genocida, prisioneira da austeridade fiscal.

Essa constatação poderia explicar a existência de bilhões de reais, de um lado, parados no orçamento do Ministério da Saúde, que não são transferidos em tempo hábil para estados e municípios, que estão na linha de frente do combate da Covid-19, visando à compra de respiradores, equipamentos de proteção individual e insumos; e, de outro, longe das mãos das famílias de baixa de renda que precisam do auxílio emergencial de R$ 600, o que permitiria a adesão às medidas de isolamento social, compensando parcialmente os efeitos da queda da renda e do desemprego provocadas pela atual depressão econômica.

O que está ficando cada vez mais evidente para a opinião pública? Na verdade, além de promover o caos social, o atual governo quer esconder os efeitos desastrosos da sua política econômica ultraliberal, na tentativa de apagar este ano da história, considerando os danos causados pela austeridade fiscal antes da chegada da Covid-19 e durante esses mais de 90 dias da epidemia no Brasil.

Em particular, essa tentativa de “apagão” está presente no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) da União para 2021, encaminhado ao Congresso Nacional em abril deste ano, ou seja, o poder executivo já tinha conhecimento da gravidade do novo coronavírus. De forma irresponsável, exceto pelo fato de que, na prática, não foi estabelecida meta de resultado primário diante do quadro de incerteza sobre o comportamento da arrecadação federal em 2021, o governo brasileiro resgatou o ideário da austeridade para 2021, estabelecendo o teto de despesa primária da Emenda Constitucional (EC) 95/2016 como a âncora fiscal para controlar as contas públicas.

Os efeitos da crise sanitária de 2020 demandarão recursos adicionais para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde, pois procedimentos ambulatoriais e cirúrgicos não emergenciais foram postergados, tais como exames de rotina e cirurgias eletivas, para priorizar os decorrentes de suspeita e/ou contágio pelo novo coronavírus, que se acumularão às demais necessidades de saúde da população a serem atendidas independentemente dessa situação. O adiamento de tratamentos e exames de diagnóstico também agrava as condições de saúde de doentes crônicos, o que requererá maior investimento no SUS no ano pós pandêmico.

Outras despesas decorrentes desse quadro ocorrerão em 2021: compras adicionais para a recomposição dos estoques mínimos requeridos de materiais e medicamentos nas unidades de saúde, estudos e pesquisas em curso sobre a Covid-19, aquisição de insumos para a produção de vacinas e medicamentos para a prevenção e tratamento dessa doença, manutenção e reforma e/ou substituição de equipamentos e/ou instalações que tiveram a depreciação acelerada em decorrência do uso intensivo durante 2020 para combater a “gripezinha”.

Essa situação requer que o PLDO 2021 encaminhado pelo governo federal seja alterado pelo Congresso, inicialmente, para que nenhuma despesa com ações e serviços públicos de saúde seja objeto de limitação de empenho por frustração de receita ou arrecadação abaixo da previsão bimestral, a ser estabelecida na Lei Orçamentária de 2021, em consonância com uma meta de resultado primário que será a diferença entre a despesa (limitada pelo teto) e a arrecadação observada, de modo que, na prática, o governo não terá meta a cumprir.

Contudo, é preciso alterar também a diretriz estabelecida para o piso federal do SUS no PLDO 2021. É oportuno alertar que o piso constitucional é uma referência de aplicação mínima, portanto, não proíbe destinar recursos adicionais para o atendimento das necessidades de saúde da população, especialmente no ano subsequente ao da crise da Covid-19, que provavelmente persistirá nos próximos anos, mesmo com vacina disponível.

Restabelecer as regras da EC 95/2016 significa manter as despesas primárias nos níveis de 2016, bem como definir o piso federal do SUS nos níveis insuficientes do piso congelado de 2017, ambos somente atualizados pela variação do IPCA/IBGE, sem considerar o crescimento demográfico em torno de 0,8% ao ano (e de cerca de 3,8% da população idosa) e a incorporação tecnológica de novos equipamentos e medicamentos nas unidades públicas de saúde para o atendimento das necessidades da população. 

O SUS terá perdas bilionárias se o Congresso aprovar o PLDO 2021 ora apresentado pelo governo. A perda decorrente da volta da regra da EC 95 para calcular o piso federal do SUS em comparação ao valor que está disponível atualmente no orçamento do Ministério da Saúde é da ordem de R$ 35 bilhões (diferença entre R$ 158,9 bilhões do orçamento atualizado para as ações e serviços públicos de saúde em 2020 e R$ 123,6 bilhões que é o valor desse piso). 

É preciso mudar a política econômica de 2021 e o PLDO 2021 é um dos instrumentos para promover essa mudança. Compete ao Congresso Nacional assumir essa tarefa histórica que salvará vidas e promoverá a retomada do crescimento econômico em 2021 com proteção social. Uma das lições mais importantes desta pandemia foi a importância de sistemas públicos de saúde com infraestrutura e financiamento adequados.

Bruno Moretti é economista e assessor técnico no Senado Federal; Carlos Ocke é economista e técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Erika Aragão é professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde – Abres; Francisco R. Funcia é professor e coordenador-adjunto do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS, consultor técnico da Comissão de Orçamento e Financiamento do CNS e Economista do Idis; e Rodrigo Benevides é economista (UFRJ) e mestre em Saúde Coletiva (IMS/UERJ).



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