Para que servem as Forças Armadas
As forças armadas da modernidade se encontram submetidas à dialética dos fenômenos sociais, a qual aponta que mudanças quantitativas tendem a provocar alterações qualitativas
Introdução
As Forças Armadas emergiram predominantemente junto aos Estados Nacionais no decorrer do século XIX. Entretanto, durante os séculos XV e XVIII ocorreram várias transformações sociais, políticas e econômicas que criaram as condições necessárias para o pleno estabelecimento delas. Assim, sua história constitui uma parte da história desses estados, os quais as foram moldando ao mesmo tempo em que eram por eles moldadas ao longo do tempo.
O contexto histórico europeu envolvido pelo surgimento delas agregou vários elementos. A estrutura feudal se mostrou muito relevante, haja vista que os senhores feudais mantinham suas próprias milícias para proteger suas propriedades e enfrentar as contendas travadas entre feudos. As monarquias, assentadas na centralização do poder, levaram os reis a buscar formas de consolidá-lo, particularmente em função do estabelecimento de tropas permanentes, equipadas, treinadas e leais aos monarcas. Os frequentes prenúncios de invasão territorial e as constantes ameaças de conflagrações entre os recentes Estados evidenciaram a necessidade de agrupamentos armados e devidamente preparados.
Por sua vez, a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, trouxe inovações tecnológicas que alteraram a organização castrense, as táticas de combate e exigiram a criação de exércitos eficientes e profissionais. As Revoluções Americana e Francesa trouxeram à tona a ideia de constituição de um exército representativo da nação e não do monarca, juntamente com o ideal nacionalista emergente, que começou a moldá-lo como um instrumento de defesa da soberania nacional.
Em decorrência, as Forças Armadas tornaram-se símbolos de identidade nacional e de patriotismo, desempenhando um papel importante na construção dos países. As Constituições Federais passaram a regular a formação e o funcionamento delas com base no princípio do adequado relacionamento entre militares e civis. Porém, em Estados frágeis, ocorreu a intervenção delas em assuntos e conflitos políticos internos. Tal princípio afirma a concessão de autonomia profissional aos militares pelos civis, a subordinação deles aos líderes políticos civis, a não intervenção deles na política e a não ingerência política nas Forças Armadas por parte dos civis.
Um Exemplo Padrão
Como exemplo ilustrativo e referencial, pode ser mencionado o caso do Estado Nacional germânico, cujo surgimento e evolução se estenderam por séculos. De fato, desde a Idade Média, a região atualmente conhecida como Alemanha fazia parte do Sacro Império Germânico, o qual se mostrava fragmentado, pois era constituído por diversos principados, ducados e cidades autônomas, que dificultavam a formação de uma identidade nacional unificada. No século XVI, a Reforma Protestante, liderada por figuras como Martinho Lutero, começou a moldar uma identidade cultural e religiosa entre os povos de língua alemã, mas as divisões religiosas também contribuíram para a fragmentação política.
As invasões napoleônicas que ocorreram nos primórdios do século XIX fomentaram o desejo de unificação e resistência contra um inimigo comum. Em contrapartida, o Congresso de Viena, também ocorrido nessa época, estabeleceu a denominada Confederação Alemã, uma aliança frouxa, destituída de poder central forte. Porém, após a guerra franco-prussiana, surgiram alianças formais e informais entre integrantes da nobreza, as quais foram capazes de criar uma organização federada de estados. Outrossim, emergiu um desejo de unificação e resistência contra um inimigo comum. Consequentemente, o nacionalismo começou a ganhar força. Durante os anos seguintes, intelectuais e movimentos sociais promoveram a ideia de uma Alemanha unida. O pensamento romântico de então, junto à literatura imperante, alimentou o afeto nacionalista.
Em tal cenário, apareceu a distinta e contumaz figura de Otto von Bismarck, primeiro-ministro da Prússia. Ele soube muito bem utilizar a guerra franco-prussiana, a dos ducados, a austro-prussiana e o emprego da diplomacia para realizar a unificação dos estados germânicos. Em janeiro de 1871, foi proclamado o Deutsches Kaiserreich, o Império Alemão, no Palácio de Versalhes, com a união da maioria dos estados alemães sob um governo imperial liderado pelo prussiano Guilherme I.
Nesse ínterim, as forças armadas teutônicas foram se constituindo, e é viável distinguir algumas etapas desse processo. Sua alvorada se encontra na Idade Média, onde eram compostas principalmente por cavaleiros e tropas feudais. Cada senhor feudal era responsável por manter suas próprias fileiras destinadas ao resguardo de propriedades e à participação em guerras locais. O Sacro Império Romano-Germânico, que existiu de 962 a 1806, viu a formação de exércitos imperiais, cujos imperadores detinham autoridade sobre as tropas, mas dependiam dos interesses dos príncipes e nobres para fornecer grupos de combatentes.
A partir do Renascimento até o século XVII, ocorreram dois eventos: o primeiro foi o emprego de mercenários nas contendas. Incluíam os Condotieri, figuras carismáticas e habilidosas na posição de comando, os Landsknechts, conhecidos por seu uso de armas de fogo, roupas coloridas e efetividade durante a luta, e os Suíços, vistos como disciplinados, competentes em táticas de combate e reputados em conflitos armados. Eram atraídos por pagamentos e promessas de riqueza, mas podiam mudar de lado rapidamente, tornando complexa a dinâmica da guerra. O segundo foi o término da Guerra dos Trinta Anos, que induziu muitos estados germânicos a criarem exércitos estáveis e profissionais.
Transcorrido algum tempo após o início do século XVIII, o Reino da Prússia começou a se destacar militarmente. As reformas empreendidas por Frederico II, o Grande, transformaram o exército prussiano em uma força altamente disciplinada e eficaz, reconhecida por sua organização avançada e pelo emprego de táticas inovadoras. As guerras de unificação entre 1864 e 1871 foram cruciais para o desenvolvimento das forças armadas. As vitórias obtidas nas contendas Austro-Prussiana, em 1866, e Franco-Prussiana, nos anos de 1870 e 1871, consolidaram o poder militar da Prússia e possibilitaram a unificação da Alemanha. Com a fundação do Império Alemão em 1871, o Exército Imperial Alemão, o Reichswehr, foi estabelecido, incorporando os exércitos dos estados membros, com o domínio e a liderança da Prússia, tornando-se um símbolo do nacionalismo germânico.
Este estabelecimento bélico recém-criado, de modo semelhante a outros em diversos países, não foi capaz de cumprir o basilar princípio alusivo ao relacionamento entre civis e militares, anteriormente mencionado, haja vista as várias ingerências dos fardados em assuntos de política interna. Com efeito, logo após o aprazamento do processo de unificação, eles começaram a se movimentar nessa direção, uma vez que Bismarck, apesar de ser um político astuto, dependia muito do apoio castrense para sustentar suas políticas interna e externa. Ademais, o Kaiser Wilhelm I e, posteriormente, Wilhelm II, mantinham laços estreitos com os uniformizados.
Durante a República de Weimar, ocorreu a ascensão de movimentos extremistas e a manifestação de uma instabilidade política. O exército mantinha uma postura crítica em relação ao governo civil e interveio em assuntos políticos, apoiando movimentos paramilitares. É o caso da organização Freikorps, composta por veteranos de guerra dispensados das fileiras castrenses, inconformados com o retorno à vida civil e decepcionados com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. O então ministro da Defesa, Gustav Noske, utilizou-os para combater a Liga Espartaquista, integrada por dissidentes dos partidos sociais-democratas que pretendiam instaurar uma república soviética pangermânica e a República Soviética da Baviera, um governo revolucionário de curta duração que almejava substituir a República de Weimar.
Com a ascensão de Adolf Hitler e do Partido Nazista, a relação entre o Exército e o governo tornou-se mais complexa. Embora os militares inicialmente apoiassem Hitler, a liderança militar, especialmente o Alto Comando, começou a se sentir ameaçada pela crescente influência das SA, as tropas de choque do partido, e, posteriormente, das SS, destinadas a fazer a proteção pessoal de Hitler. A ingerência militar na política, portanto, foi marcada por um alinhamento inicial e uma eventual marginalização.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha foi dividida em Ocidental e Oriental. Na ocidental, regida pela democracia, a Guerra Fria e as preocupações com segurança fortaleceram o papel dos militares. Vale lembrar que ela se rearmou, passou a fazer parte da OTAN e se tornou elemento relevante no processo de estabilização do continente europeu atuando como um contrapeso à influência soviética em países vizinhos. Por outro lado, o governo da oriental, sob a liderança do Partido Socialista Unificado da Alemanha, utilizou os militares e as forças de segurança para reprimir dissidências e garantir o controle da sociedade, tal como a revolta de 1953, uma onda de greves e protestos operários em centenas de locais, violentamente refreada por eles.
As Forças Armadas germânicas também se envolveram em ações humanitárias ou cívico-sociais. Os integrantes de suas fileiras prestaram ajuda às vítimas da Primeira Guerra Mundial. Ofereceram assistência e logística a migrantes sírios que fugiram da guerra em seu país e a aqueles oriundos de países africanos que escaparam da fome e da pobreza no ano de 2015, cujo pico atingiu mais de um milhão de pessoas. Em 2020, no transcorrer da epidemia de COVID-19, transportaram equipamentos médicos, distribuíram vacinas, enviaram médicos e enfermeiros a hospitais sobrecarregados, realizaram testes, contribuíram com pesquisas feitas no Instituto de Medicina Tropical, levaram suprimentos médicos para outros países e colaboraram com a polícia e autoridades civis na garantia da ordem pública. Atualmente, encontram-se fornecendo alimentos, medicamentos e abrigos para refugiados da guerra da Ucrânia.
Durante o período do Império Alemão, entre 1871 e 1918, a Alemanha teve algumas colônias na África, no Pacífico e na China. Nelas, os militares estabeleceram hospitais e postos de saúde. No decorrer de surtos de doenças, implementaram medidas sanitárias e campanhas de vacinação. Construíram pontes, canais de água e prédios escolares. Frente a desastres naturais, prestaram socorro, forneceram alimentos, abrigos e assistência às populações afetadas. Em algumas situações, protegeram as comunidades indígenas contra abusos de colonos ou de outros grupos. Envolveram-se em estudos sobre culturas locais que levaram à preservação das mesmas. Observe-se, entretanto, que tais ações, quando ocorreram, muitas vezes eram parte de uma estratégia mais ampla de controle colonial e não refletiam um compromisso genuíno com o bem-estar das populações.
Outrossim, exerceram protagonismo em duas guerras mundiais. Na primeira, as forças armadas germânicas não se apresentaram como um conjunto unificado, pois os quatro reinos da época — Baviera, Prússia, Saxônia e Württemberg — tinham seus próprios exércitos. Na segunda, a Wehrmacht se mostrou como um agrupamento ofensivamente organizado e atualizado, além de competente para recuperar territórios perdidos e conquistar novos espaços geográficos. No momento, os integrantes da Bundeswehr estão auxiliando a Ucrânia na guerra contra a Rússia por meio do fornecimento de sistemas de armas, de apoio logístico e de treinamento de soldados.
Após o término da segunda conflagração, a comunidade mundial entrou em um período denominado Guerra Fria, no qual a OTAN adotou um novo pensamento estratégico adequado a esse momento histórico. Depois desse período, ele foi substituído por outro, permeado de várias diretrizes, dentre as quais a destinação de um novo papel às forças armadas, qual seja, garantir a estabilidade de um mundo carregado de incertezas. Em decorrência, a ONU criou as Forças de Manutenção da Paz, um grupo multinacional apelidado de capacetes azuis, para atuar em zonas de conflito. Como membro delas, as forças armadas germânicas participaram de várias missões conciliadoras. Entre 1995 e 2000, estiveram na Bósnia e Herzegovina. No ano de 1999, marcaram presença em Kosovo. Durante o período de 2005 a 2011, atuaram no Sudão. Em 2013, realizaram incumbências em Mali. Em 2014, cumpriram tarefas na República Centro-Africana.
Constata-se, que as organizações castrenses teutónicas, desde sua formação até a presente data, concretizaram quatro tipos de operações, quais sejam, ingerência na política interna, realização de trabalhos cívico sociais, participação em guerras e desempenho em ações de pacificação. Embora com variação de incidência, frequência e intensividade, essas mesmas ações também seguem praticadas por outras instituições bélicas dos mais diferentes rincões do planeta. Portanto, fica aclarada e explícita a comum serventia delas para cada um dos países que as possuem.
Entrementes, vale realçar que a ingerência na política interna, em particular aquela consequente da autonomia desfrutada pelos fardados no âmbito do Estado, se mostra como algo execrável, inadmissível e antagônico ao regime democrático, embora seja muito difícil de ser contida. Quanto às ações cívico-sociais, estas costumam ser executadas pelos militares com base em vários argumentos, tais como a criação de relações positivas com a população, a melhora da percepção pública das forças armadas e o aperfeiçoamento das competências logísticas. Apesar da relevância de tais ações e da plausibilidade das alegações apresentadas, sabe-se que as mesmas são por eles concretizadas devido principalmente à dose de tempo acessório existente no interior das corporações bélicas. Ademais, essas ações podem ser realizadas por outras instâncias da administração pública, por setores da iniciativa privada, por organizações não governamentais e pelo trabalho voluntário das pessoas que a ele se dedicam.
Atribuição Essencial das Forças Armadas
No que diz respeito à participação em guerras a análise e o julgamento tendem a ser mais extensos e intricados, pois envolve a principal função das forças armadas, a razão essencial da sua existência. E de início se faz necessário reafirmar que se trata dos estabelecimentos bélicos surgidos e organizados na modernidade, conforme exposto anteriormente, os quais persistem continuar existindo com as transformações sofridas no decorrer do tempo, nesta suposta e contestável era pós-moderna.
E, por ser um fato relevante, cabe apontar que o empenho em conflagrações deixou de ser uma exclusividade das forças armadas. De fato, o fim da Guerra Fria, com a disponibilização de ex-soldados, e a emergência da ideologia neoliberal, estimuladora do empreendedorismo, possibilitou o surgimento das forças armadas privadas, que passaram a ladeá-las, abalando seu protagonismo e exibindo um dote competitivo.
Existem diversas delas que operam em várias partes do mundo. Dentre outras, podem ser mencionadas a Acadmi, uma das mais conhecidas, envolvidas em operações no Iraque e no Afeganistão; a Triple Canopy, que oferece apoio militar em zonas de guerra; a Aegis Defense Services, famosa por suas ações no Iraque; e a Frontier Services Group, focada em logística e segurança na África. Elas atuam em múltiplas áreas, tais como segurança de instalações e pessoas, apoio logístico, treinamento militar, interrogação de prisioneiros e combate na linha de frente. São cercadas de controvérsias, especialmente quanto à sua regulamentação legal e aos princípios éticos no emprego da violência.
No decorrer do tempo, muitos países as contrataram para diversos fins. Os Estados Unidos as utilizaram no Iraque e em outras regiões. O Reino Unido as usou para proteger embaixadas no exterior. A Rússia continua empregando-as em conflitos na Ucrânia e na Síria. A África do Sul as enviou para atuar em conflagrações ocorridas em Angola e na Serra Leoa. O Iraque as colocou para proteger tropas e instalações durante a Guerra do Iraque.
Sua frequente utilização pode ser atribuída a vários motivos. O aspecto econômico é bem atraente, haja vista que os custos de manutenção são mais reduzidos, uma vez que podem ser contratadas para missões específicas. Apenas para ilustrar, no ano de 2023, a Rússia gastou 109 bilhões de dólares com suas forças armadas e apenas um bilhão com o grupo Wagner. Elas são mais adaptáveis e ágeis em responder a situações de crise, podendo mobilizar rapidamente pessoal e recursos. Ajudam a reduzir a responsabilidade política dos governos em situações de combate ou em ações controversas.
Além das forças armadas privadas, existem grupos de civis que já atuaram e continuam atuando como combatentes, de modo semelhante aos militares. Observe-se que é muito difícil fazer comparações de desempenho entre eles; no entanto, vale apontar que cada agrupamento tem suas próprias vantagens e desvantagens, e a dinâmica da pugna pode ser fortemente influenciada pela interação entre eles. Na República Democrática do Congo, a partir de 1996, civis se juntaram a milícias em resposta a conflitos locais, frequentemente motivados por questões de terra, recursos e etnia. Durante as guerras na ex-Iugoslávia, na década de 1990, muitos civis também se juntaram a milícias baseadas em etnias, lutando em nome de suas comunidades.
No Afeganistão, logo no início do atual século, após a invasão liderada pelos Estados Unidos, conjuntos de paisanos afegãos se agregaram a grupos de resistência, como os talibãs, em resposta à ocupação. Na Síria, em 2011, durante a guerra civil, um número crescente de cidadãos comuns se organizou para lutar contra o regime de Bashar al-Assad. No Iémen, em 2014, paisanos se uniram a diferentes facções, incluindo os Houthis, e às forças leais ao governo, em meio ao colapso do Estado. Na Ucrânia, desde 2022, civis estão armados e organizados em unidades de defesa territorial para proteger suas comunidades. Acrescente-se a existência de países possuidores de milícias, ou seja, organizações compostas por cidadãos paisanos armados, como Armênia, Bahrein e Etiópia. Estima-se que há muitas dezenas de milhares de civis atuando como combatentes, desde o final do século passado até a presente data.
Outrossim, vale expor que as guerras destacadamente enfrentadas pelas forças armadas da modernidade foram a de segunda e de terceira geração, próprias da era moderna. A de segunda, se caracterizou pelo uso extensivo de trincheiras, metralhadoras e artilharia pesada, isto é, a Primeira Guerra Mundial. A de terceira se pautou pelo emprego de estratagemas de manobra e táticas de movimento, ou seja, a Segunda Guerra Mundial.
Porém, nesta presumível e controversa época pós-moderna emergiram as de quarta e de quinta geração. A de quarta, se refere a um confronto descentralizado, envolvedor de Estados com praticamente nenhum monopólio das forças de combate e encurtador do contato entre beligerantes e civis. A de quinta, diz respeito ao emprego de ações não cinéticas tais como a divulgação de informações não verídicas, a realização de ataques cibernéticos, o uso da inteligência artificial e o emprego de sistemas autônomos.
Quanto a essas guerras, é preciso asseverar que, de forma tardia, as instituições bélicas da maioria dos países do mundo se encontram em um processo de adaptação às suas dinâmicas e requerimentos. Elas foram retardatárias, não agiram de forma antecipada. No momento, estão construindo e colocando em prática uma nova Polwar, uma política de guerra atualizada. Muitos desses países estão realizando operações simuladas de contraterrorismo em cooperação com forças de segurança locais e utilizando drones, inteligência artificial e guerra eletrônica. Os Estados Unidos e a China têm investido significativamente em capacidades cibernéticas para proteger suas infraestruturas e realizar ações ofensivas no ciberespaço. Israel tem se inclinado para sistemas de defesa destinados à interceptação de mísseis e ataques aéreos. A incrementação de seu serviço de inteligência, visando à prevenção de ataques, avança celeremente. A tática da dissuasão está ganhando terreno com base em um arsenal nuclear não declarado. Operações rápidas e eficazes estão sendo incentivadas. A manutenção da aliança com os Estados Unidos se torna cada vez mais relevante pelo fornecimento de apoio militar e diplomático.
Considerações Finais
Note-se que as guerras de quarta geração utilizam os espaços terrestre, marítimo, aéreo e virtual. Entretanto, o espaço sideral deve ser acrescentado, pois já se encontra na berlinda. Nele aparecem as contendas espaço-espaço onde satélites atacam satélites, solo-espaço onde os satélites são atacados da Terra e espaço-solo onde os satélites atacam alvos localizados na Terra. Embora os satélites apareçam como elemento central, misseis também podem ser envolvidos caso percorram e sejam interceptados fora da atmosfera. A esse respeito, cabe apontar o ataque de um deles a partir do Iêmen pelos rebeldes Houthis contra Israel em 2023 e a Operação Promessa Verdadeira ocorrida em 2024, patrocinada pelo Irã, também contra Israel.
Pertinente às guerras de quinta geração, podem ser citados a conflagração na Síria e o conflito na Ucrânia, com o uso intensivo de propaganda, desinformação e ataques cibernéticos. Infere-se, então, que esses confrontos não necessitam obrigatoriamente de forças armadas estatais; elas são facultativas. Civis especialistas devidamente qualificados são capazes de participar com relativo sucesso, haja vista as ações dos grupos de hackers. Aliás, muitos paisanos já estão envolvidos nelas, principalmente nas tarefas de prevenir e obliterar ocorrências. É o caso dos Estados Unidos, que, segundo a revista Newsweek, possuem uma unidade secreta composta por cerca de sessenta mil desfardados. Tal acontecimento é uma consequência do irrefreável processo de civilinização provocado pelo avanço tecnológico, que aproxima cada vez mais civis e militares.
Acrescente-se ainda que as guerras contemporâneas estão utilizando robôs de três tipos, quais sejam: controlados por humanos, supervisionados por eles e autônomos. O uso desses últimos é reduzido devido a uma série de fatores limitantes que estão sendo superados, mas já está acontecendo. Perto da cidade ucraniana de Avdiivka, uma máquina de quatro rodas que carregava uma carga de munição para as tropas russas foi rastreada por um drone ucraniano. Em determinado momento, a mesma foi alvo de outro drone, que se chocou contra ela, explodindo-a em pedaços. Em outros locais da Ucrânia, drones aéreos estão vigiando e atacando robôs terrestres, e outros, equipados com tecnologia de interferência, estão abatendo drones aéreos. Na Grã-Bretanha, já existe a intenção de formar uma unidade combatente com trinta mil deles, e nos Estados Unidos mantém-se a previsão de transformar em robôs um terço do exército.
Derradeiramente, cabe dizer que as forças armadas da modernidade se encontram submetidas à dialética dos fenômenos sociais, a qual aponta que mudanças quantitativas tendem a provocar alterações qualitativas. Assim sendo, o momento de sua superação se aproxima a cada dia que passa, uma vez que estão se mostrando anacrônicas e se inclinando progressivamente para o lado da dispensabilidade. Com efeito, seu desaparecimento está cada vez mais perto devido ao volume de modificações que sofreram ao longo do tempo, culminando na robotização. Sua metamorfose estrutural provavelmente consistirá na substituição dos entes fardados por legiões de robôs autônomos, movidos pela inteligência artificial e bastante semelhantes aos seres humanos. E, como pode ser depreendido, a função de manter a paz no mundo sob a égide da ONU também deverá seguir rumo ao perecimento, porquanto os possíveis conflitos em várias partes do planeta não contarão com a primazia de sujeitos, e sim com o protagonismo de androides soberanos semelhantes às pessoas comuns.
Antônio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em educação pela USP e autor de Democracia e Ensino Militar (Cortez) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes)