Para quem a Belo Sun mente?
Apesar de o processo estar atualmente suspenso na justiça federal, o fato é que não existe manifestação inequívoca do poder público sobre os limites da capacidade de suporte da região da Volta Grande do Xingu para segurar simultaneamente a terceira maior hidrelétrica do planeta e a maior mineradora de ouro a céu aberto do Brasil
Em fevereiro de 2017, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas/PA) autorizou a instalação da maior mineradora de ouro a céu aberto do Brasil. Trata-se do Projeto Volta Grande, da empresa canadense Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc. e que será instalado na beira do Rio Xingu, exatamente na região mais impactada pela usina de Belo Monte.
A licença emitida pela Semas/PA autoriza a construção do projeto que, segundo o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), prevê a remoção de 2,78 megatoneladas de rocha durante os onze anos de exploração da mina – informação sobre a dimensão do empreendimento que definitivamente não coincide com aquela anunciada pela própria empresa em seu site oficial. Segundo apresentação publicada pela Belo Sun, o Volta Grande deve remover 39,767 megatoneladas de rocha para a extração de 32,63 toneladas de ouro em aproximadamente dezessete anos,1 o que corresponde a um projeto de mineração expressivamente diferente daquele autorizado pela Secretaria de Meio Ambiente paraense.
Em 2015, a Belo Sun complementou as pesquisas sobre recursos minerários na região e confirmou que a dimensão da jazida é praticamente dez vezes maior que aquela identificada no início. Essa informação, no entanto, nunca foi levada oficialmente ao órgão ambiental do Pará. Se fosse, o projeto teria de ser reavaliado, o que atrasaria o cronograma de implantação prometido aos investidores e significaria reiniciar o processo de licenciamento ambiental.
Evitar notificar o órgão ambiental do redimensionamento do empreendimento não tem sido a única omissão deliberada da empresa no processo de licenciamento ambiental. Ela também se omitiu de incluir, nos estudos de impacto ambiental por ela contratados, qualquer avaliação sobre impactos cumulativos e sinérgicos entre o projeto de mineração e a usina de Belo Monte, informações altamente relevantes considerando que a mineradora pretende se instalar à beira do Rio Xingu, exatamente na região do “trecho de vazão reduzida” pela hidrelétrica, o que significa a sobreposição de áreas diretamente afetadas pelos dois empreendimentos.
Também se omitem os órgãos ambientais, Ibama e Semas/PA, em reconhecer que as incertezas socioambientais do futuro da Volta Grande do Xingu impedem a avaliação consistente da viabilidade de qualquer outro empreendimento na mesma região. Desde novembro de 2015, a Volta Grande sofre com a seca gerada com a instalação da UHE Belo Monte. Em média, apenas 20% da vazão natural do Rio Xingu deverá continuar passando pelos 100 quilômetros de extensão do rio na região onde hoje moram indígenas e ribeirinhos. Ninguém sabe ao certo o nível de resiliência de espécies de fauna e flora, nem da manutenção das condições de vida para seus moradores. Por esses motivos, o Ibama estabeleceu a obrigação de manter um robusto sistema de monitoramento das condições socioambientais da região até 2025, a fim de identificar os impactos da usina e sua verdadeira dimensão. Assim, nesse contexto, é inadmissível que o órgão ambiental do estado do Pará tenha aceitado a abertura do processo de licenciamento ambiental da mineradora.
No entanto, a Semas/PA não só abriu o processo de licenciamento ambiental, como também emitiu as licenças prévia e de instalação da mineradora sem a mínima consideração com as preocupações ambientais sobre a sensibilidade da região, já fortemente impactada. Muito pelo contrário, nega-se a demandar estudos complementares sobre avaliações de impactos sinérgicos e cumulativos solicitados pelo Ministério Público Federal e até mesmo pela Norte Energia, concessionária da usina de Belo Monte.
Além disso, a Semas/PA deixou deliberadamente de cumprir as obrigações legais relacionadas aos direitos dos povos indígenas, negando-se a realizar processos de consulta livre prévia e informada antes de emitir as duas licenças ambientais. Tampouco se importou com o parecer técnico da Funai que alertou sobre a insuficiência dos estudos de avaliação de impacto ambiental sobre povos indígenas que a mineradora pretendia aprovar perante o órgão indigenista. Foi exatamente essa última omissão da Semas/PA que levou o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) a suspender, em 12 de abril de 2017, a licença de instalação da Belo Sun até a aprovação desses estudos.
Apesar de o processo estar atualmente suspenso na justiça federal, o fato é que não existe manifestação inequívoca do poder público sobre os limites da capacidade de suporte da região da Volta Grande do Xingu para segurar simultaneamente a terceira maior hidrelétrica do planeta e a maior mineradora de ouro a céu aberto do Brasil.
Entretanto, a empresa canadense já publicou seus planos de expansão para alcançar a totalidade das ricas jazidas identificadas no Xingu. Apesar da precisão dos dados técnicos referentes às características da região e do potencial econômico da jazida, uma informação relevante que é omitida no site destinado a investidores internacionais é a presença, na vizinhança, das terras indígenas Trincheira Bacajá, Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Ituna Itatá – esta última destinada à proteção de índios isolados.
Para alguém a Belo Sun está mentindo!
*Biviany Rojas Garzón é advogada e cientista política do Instituto Socioambiental (ISA).