Patos sem cabeça
Os bancos privados continuam a dispor com facilidade de todos os créditos reinvindicados e emprestam aos Estados endividados em atos caridososSerge Halimi
As reuniões de dirigentes europeus são cada vez mais frequentes, e fracassam; a Casa Branca e o Congresso debatem o tempo todo, sem resultado. “Os mercados” se aproveitam da situação e tratam os futuros eleitos como patos sem cabeça, marionetes das forças que eles mesmos forjaram e não sabem mais como controlar. Ao mesmo tempo, delineiam-se eleições presidenciais na França, na Rússia, nos Estados Unidos, em outros lugares: os pleitos saturam o espaço cívico e midiático, criando um sentimento irreal de desconexão entre o dito e o feito. Pois, mesmo se não se espera grande coisa dos candidatos, pelo menos seus percursos, defeitos, aliados, entornos e redes são conhecidos. A atenção da população se volta mais facilmente a Barack Obama e Newton Gingrich, Nicolas Sarkozy e François Hollande que aos fundos especulativos e às instituições de crédito. Mas a que servem esses representantes?
Sarkozy, cuja política monetária é o pilar dos interesses do banco BNP-Paribas,1 acusa o primeiro-ministro britânico David Cameron de querer fazer de seu país “uma zona offshoreno centro da Europa”. Indignado, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, criticou “a cobiça sem limites, a busca contínua por juros mais elevados nos mercados de capitais com grande impacto para as crises bancária e econômica, que logo afeta países inteiros, como a crise desencadeada em 2008”.2 Isso não impede, porém, que Schäuble entregue de bandeja meia dúzia de nações europeias arruinadas a essa “cobiça sem limites”. “Seria fatal suprimir completamente os efeitos disciplinares das taxas crescentes de juros. Quando o crédito se torna mais caro para todos os Estados, a tentação de emprestar diminui muito”,3 explica Jens Weidmann, diretor do Bundesbank, o Banco Central alemão. E se os países mais endividados não aprenderem a conter suas “tentações”, se a recessão impedir que voltem ao equilíbrio financeiro, se os “juros cada vez mais elevados” dos credores os estrangularem, a União Europeia os ajudará – multando-os. Por outro lado, os bancos privados continuam a dispor com facilidade de todos os créditos reivindicados e emprestam aos Estados endividados em atos caridosos. Aos culpados, a fartura!
As gentilezas concedidas ao capital não impedem que ele seja duramente criticado, e esse paradoxo figura também nos discursos que anunciam o ano eleitoral. No dia 6 de dezembro de 2011, no Kansas, o presidente Obama advertiu os cidadãos que a mobilidade social e a democracia estavam ameaçadas no país: “A desigualdade deforma nossa democracia e confere uma voz desproporcional àqueles que podem pagar lobistas. […] Os abatimentos fiscais servem aos mais ricos. Alguns bilionários pagam taxas de imposto de 1% – um por cento!”. Obama lembrou ainda que “o mercado nunca foi essa instância permissiva em que é possível tomar tudo o que se pode, de qualquer um” e que é necessário “reconstruir a classe média do país”.
Ninguém acredita que esse objetivo será alcançado, que o domínio do capital sobre o sistema político será reduzido ou que de fato haverá uma reforma na fiscalização dos mercados. Nada foi feito nos últimos três anos e não há indícios de que essa realidade mude com a reeleição de Obama. Nesse sentido, o presidente dos Estados Unidos encarna aquilo em que o sistema atual se transformou: uma casca de noz à deriva sobre a qual um capitão degenerado vocifera contra um furacão. Se este ano eleitoral não trouxer a vontade política e os meios apropriados para retomar o poder das mãos das finanças, as eleições não terão utilidade nenhuma.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).