Os desafios para uma participação social mais ativa das periferias no G20 e na COP 30
Favelas e periferias devem ser inseridas no processo de construção e realização dessas conferências que ocorrem no Brasil em 2024 e 2025
Em um mundo cada vez mais desafiado pela crise climática e socioeconômica, a participação social nas negociações políticas se torna crucial. Em novembro, o Brasil sediará, no Rio de Janeiro, a Cúpula do G20, fórum que reúne os vinte países mais ricos do mundo para discutir temas relacionados ao futuro. Com o lema “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, o governo federal procura integrar o debate sobre a justiça social e ambiental na agenda do dia, visando preparar os caminhos para a Conferência das Partes da UNFCCC, a maior conferência sobre mudanças climáticas do mundo, que vai acontecer em Belém do Pará, em 2025, sendo a COP de número 30.
Essas informações, ainda que básicas, estão longe de estar na boca do povo. Enquanto sociedade civil, a coalizão “O Clima é de Mudança” e a rede “Confluência das Favelas” têm cobrado a inserção das favelas e periferias brasileiras no processo de construção e realização dessas conferências, com o objetivo de fortalecer um movimento contínuo de concertação política entre a periferia e o centro, entre a favela e o asfalto e, não menos importante, entre o Sul Global e o Norte Global. É importante ressaltar também a priorização que precisa ser dada ao saber técnico que vem dos territórios periféricos, por meio de mapeamentos e vivências socioambientais anteriores, somadas a estudos geográficos, sociais, biológicos e científicos. Sim, a periferia produz tudo isso desde sempre, apesar das dificuldades.
O Brasil tem fortalecido sua proposta de participação social, abrindo fóruns de diálogo com a sociedade civil organizada, como ocorreu na COP 28, em Dubai. No entanto, ainda há muitos desafios a serem superados e estratégias a serem avaliadas. Um exemplo é a entrada do Brasil para a Opep+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), anunciada na mesma reunião. Essa decisão causou espanto e questionamentos na mídia, já que o fim da exploração de combustíveis fósseis é uma demanda prioritária no movimento ambientalista global.
Sob a liderança do presidente Lula e condução da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, nosso país assumiu um papel de destaque na pauta ambiental, levando para o âmbito internacional um pilar do governo federal: a participação social. E ao olhar para as periferias e favelas sob as lentes da coalizão O Clima é de Mudança e da Confluência das Favelas, percebemos que coletivos de organizações periféricas que estão na linha de frente no combate ao racismo ambiental vivem diante de uma lacuna de participação. É alarmante perceber que em nossos territórios muitos de nós sequer conhecem ou enxergam maneiras de incidir nos espaços de decisão relacionados ao meio ambiente. E são esses espaços os responsáveis por tomar decisões que podem garantir – ou não – as nossas vidas.
De Norte a Sul, as favelas seguem crescendo e sendo afetadas por diversas violações de direitos – em seu âmago, devido ao racismo. As três maiores favelas do Brasil são Sol Nascente, em Brasília, Rocinha, no Rio de Janeiro, e Baixadas da Estrada de Nova Jurunas, em Belém, como aponta o Censo IBGE 2022. Ao mesmo tempo que essas capitais são os principais palcos dos encontros políticos do G20 e da COP, são também onde a sociedade civil tem feito os maiores esforços para que os encontros tragam benefícios efetivos para a esfera local e cheguem nas periferias de fato, além da narrativa e da passagem das comitivas.
A agenda de Desenvolvimento Sustentável, prioridade do governo Lula, perpassa o Plano de Transformação Ecológica e os eventos internacionais que o Brasil sediará. Essa janela de oportunidade (2023-2025) reforça um desafio posto: é necessário fazer com que a sociedade esteja cada vez mais integrada em processos decisórios unilaterais, mas que terão efeitos práticos no dia a dia. Essa é a única forma de construir um futuro possível, sustentável e inclusivo. Precisamos reunir esforços para garantir a adoção eficaz e transparente dos acordos internacionais, colaborando o posicionamento do Brasil como referência no combate às mudanças climáticas e à desigualdade social – assim, em conjunto, já que não dá para falar de um tema sem falar do outro.
Nesse sentido, é importante estimular o alinhamento das periferias do Sul Global, fortalecendo a voz dos países em desenvolvimento nas negociações internacionais e promovendo o engajamento de todos os setores da sociedade, especialmente de grupos minoritários historicamente excluídos das decisões. É inegável que estamos em estado de emergência oficialmente, com 64% dos municípios em situação de emergência por tempestades, inundações, enxurradas e alagamentos nos últimos cinco anos, aponta o Observatório do Clima com dados do Diário Oficial da União via Política por Inteiro e IBGE.
Investir no intercâmbio de saberes entre os negociadores e quem está lidando com a crise climática na ponta, fortalecer a articulação entre os diferentes setores da sociedade civil e garantir a representatividade nas negociações internacionais são medidas essenciais para superar esses desafios. Entre dezembro de 2023 a março de 2024, uma frente de articulação se formou no estado do Rio de Janeiro para discutir a adaptação urgente de territórios que sofrem com constantes enchentes e alagamentos. Dessa discussão, feita nos territórios, por quem vive essa injustiça climática diariamente, surge uma campanha estadual que encaminha para a Secretaria Nacional de Favelas e Periferias um compilado bem objetivo de demandas.
É tarefa para o governo federal articular uma ação eficiente e exemplar, que demonstre a capacidade produtiva em tecnologias ambientais e a integração de diversos setores da inteligência brasileira sob a liderança de um Estado fortalecido. Durante as últimas semanas de chuva, a falta de ação governamental abandonou favelas e territórios periféricos à calamidade pública, deixando milhares de pessoas desabrigadas em todo o Rio, vitimando doze pessoas em causas decorrentes das enchentes. Segundo dados do Mapa da Desigualdade 2023, os prejuízos avaliados já ultrapassaram os R$ 487 milhões e afetam mais de 2 milhões de pessoas diretamente na Região Metropolitana. Uma estatística que, mesmo subnotificada, demonstra a urgência de um plano de ação para as mudanças climáticas, que crie protocolos de emergência eficientes, estabeleça metas e um cronograma para adaptação do Estado para resiliência climática. O estado do Rio é responsável por mais de dois terços das mortes por desastres ambientais que ocorreram no país na última década, segundo dados do Mapa da Desigualdade. Por ser um território afligido pelo racismo ambiental, é fundamental ter essas comunidades na construção de estratégias que enfrentem as causas dessas estatísticas.
A carta ao governo federal, “Campanha RJ Não é Disney”, assinada pela coalizão O Clima é de Mudança, Meu Rio, Casa Fluminense e mais cinquenta organizações do estado fluminense afirma:
“Paralelamente, a Confluência Nacional de Favelas promove um espaço de escuta e atenção para as tecnologias sociais e verdes já aplicadas em diferentes periferias e compartilha dores e a construção de soluções transitando pelo civil e pelo governamental. É Maceió afundando por conta do trabalho de mineradoras, Acre lidando com alagamentos, Minas Gerais com rompimento de barragens, Manaus com insalubridade do ar, Petrópolis com deslizamentos constantes, Porto Alegre com uma milimetragem de chuva muito acima da normal e o Rio de Janeiro com a sensação térmica de 60º. Tudo isso com dados de mortes e perdas. Quantos mais?”
Outras formas de mobilização, como o GT Clima e o GT Racismo Ambiental da Frente Parlamentar Ambientalista também nos apresentam o risco que corremos no Legislativo se não pressionarmos absurdos que se revestem de desenvolvimento mas apresentam somente destruição e desrespeito a comunidade originárias, indígenas e quilombolas, que são os verdadeiros protetores da floresta.
A luta pelo território é a mãe de todas as lutas. É a luta que mais mata mundo afora. A construção de um futuro mais sustentável e justo só acontecerá com uma participação ativa das periferias, da juventude, de mulheres, de pessoas negras, pessoas portadoras de deficiências, das comunidades quilombolas e das comunidades indígenas. Os grupos que vivem no território, reconhecem e protegem os biomas cotidianamente, independente de fóruns e organizações. O G20 e a COP 30 podem ser oportunidades para o Brasil fortalecer seu compromisso com esses grupos e mostrar ao mundo que é possível construir um modelo de desenvolvimento inclusivo, que beneficie todos os setores da sociedade, respeitando os territórios, a memória ancestral e a natureza.
Thiago Nascimento é fundador de diversos projetos de impacto voltados para periferias, como o LabJaca, laboratório de geração cidadã de dados sobre favelas e periferias, o Próxim8, centro de inclusão produtiva que está em três favelas do Rio de Janeiro, a coalizão O Clima é de Mudança, rede voltada para replicabilidade de tecnologias sociais sustentáveis para combater a crise climática, e a Confluência das Favelas, um fórum permanente de discussão entre favelas do país. Hoje ocupa o cargo de diretor executivo do LabJaca e o conselho de organizações, como Instituto Talanoa e Plataforma Cipó. Tem especialização em Gestão de Projetos pela FGV e é graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Uerj.
Vinícius Lopes é bacharel em Relações Internacionais com ênfase em Gestão e Avaliação de Políticas Públicas pela PUC-Rio, com intercâmbio na Universidade de Colônia. É ativista climático, pesquisador e articulador político. É co-fundador da coalizão O Clima é de Mudança, que leva a voz de favelas e periferias aos espaços de poder sobre clima, e participou das COP27, em Sharm el-Sheikh, e COP28, em Dubai. Atualmente é Pesquisador Junior na Plataforma CIPÓ.
Marcele Oliveira é produtora cultural, comunicadora e ativista climática. Mestre de Cerimônias do Circo Voador e atual diretora executiva do Perifalab, acompanha a pauta climática desde 2019 com a Agenda Realengo 2030, que atua na Zona Oeste do Rio. É co-fundadora da coalizão O Clima é de Mudança, sendo a gestora de comunidade da campanha RJ Não é Disney, que pauta a implementação de um Plano de Adaptação Climática. Integra o time de Jovens Negociadores pelo Clima da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima do RJ como residente do Comitê RioG20.