A mentira sempre foi sempre considerada uma ferramenta justificável ao ofício do político segundo a filósofa Hannah Arendt, porém a novidade hoje está na resposta do público, que a tolera mais e vive numa era de combate político e intelectual, onde as instituições democráticas são abaladas. Situação marcada pelo populismo e desprezo pela ciência, a exemplo de Jair Bolsonaro, que desde a posse como presidente deu mais de 2 mil declarações falsas ou distorcidas, segundo levantamento da agência de verificação de notícias Aos Fatos.
Com o primeiro caso de Covid-19 no Brasil não foi diferente, declarações desinformativas sobre o novo coronavírus fizeram com que plataformas como o Twitter e o Instagram excluíssem algumas das publicações do presidente em suas redes sociais. Diante disto, a pesquisa Pandemia no Planalto: estratégias discursivas de Jair Bolsonaro sobre a Covid-19, para o Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, teve o objetivo de mostrar como as estratégias discursivas de Bolsonaro, se encaixam na pós-verdade.

Para isto, foram analisadas 170 declarações de janeiro a setembro de 2020 sobre a pandemia, com o conteúdo retirado dos perfis oficiais de Jair Bolsonaro nas redes sociais e dos principais veículos de comunicação do país, checados por duas agências: Lupa e Aos Fatos. As declarações foram classificadas como: falsa, contraditória, imprecisa, exagerada, insustentável e subestimada.
Arendt categoriza a verdade na política em duas formas: a factual, usada pela imprensa, e a racional, usada pela política, que está próxima da especulação. Na factual é possível comprovar a veracidade com documentos, investigação e testemunhas, como, por exemplo, o fato da Organização Mundial da Saúde ter suspendido o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, após pesquisas científicas de instituições renomadas em todo mundo concluírem não haver eficácia nas medicações: esse é um fato com base comprovatória.
Já a racional se aproxima da opinião, como quando Jair Bolsonaro traçou um elo entre sua cura e as medicações, agradecendo a cloroquina por estar livre da Covid-19, o que é especulatório, por não haver comprovação e a veracidade estar apenas na razão emitida pelo locutor.
Discussões sobre notícias falsas são constantes em veículos de comunicação contemporâneos, no entanto, mais do que boatos e rumores que visam influenciar crenças, manipular politicamente e causar confusões, a pós-verdade aceita a crença pessoal e a valoriza mais que o fato. Diferente de uma mentira que pode ser contestada e encerrar o assunto, falas distorcidas e contraditórias precisam de mais desdobramentos para serem esclarecidas. Por isso, na pós-verdade prolongar a discussão e causar discórdia vale mais que ser vitorioso.
Entre os resultados deste recorte de pesquisa, é possível afirmar que o uso da pós-verdade nas declarações de Jair Bolsonaro refletem não apenas na circulação de mentiras em um momento de crise de saúde pública que ameaça a vida dos brasileiros, mas de contradições e imprecisões de um chefe de Estado, que colabora para promover discórdia e dúvida na população. Mesmo com o país representando 10% dos óbitos por Covid-19 no mundo, ultrapassando as vítimas da Gripe Espanhola e a Guerra do Paraguai, os olhos do presidente, não viram no mundo quem enfrentou a pandemia melhor que o Brasil[1].
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Elisama Reis é jornalista, especialista em Mídia, Cultura e Informação pela USP.
[1]“Não vi no mundo quem enfrentou melhor a pandemia do que nós”. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/08/4869697-bolsonaro—nao-vi-no-mundo-quem-enfrentou-melhor-a-pandemia-do-que-nos.html. Acesso em 29 de setembro de 2020.