Petrobras na encruzilhada entre o curto e o longo prazo
Análise de dividendos e investimentos, impactos ambientais e impactos econômicos da Petrobras
Afinal, a Petrobras existe unicamente para distribuir lucros? Embora a pergunta possa parecer simples, sua resposta gera intensas divergências entre economistas, acionistas, funcionários e gestores públicos. Surgem disputas teóricas em relação à definição de empresas de economia mista e suas estratégias, assim como divergências práticas sobre as prioridades de empresas com grande relevância social, poder de mercado e significativa importância para o desenvolvimento nacional. Em 2024, as controvérsias em torno das estratégias da Petrobras se destacam especialmente ao anunciar a distribuição de R$ 72,4 bilhões aos acionistas, após registrar um lucro superior a R$ 124 bilhões. É crucial reconhecer que o setor de petróleo e gás se diferencia em diversos aspectos dos mercados de commodities convencionais. Ele é caracterizado por uma alta verticalização e oligopolização, onde grandes empresas privadas e estatais dominam. Em outras palavras, ao lidar com recursos energéticos essenciais, não se pode fazer uma análise estritamente baseada em fatores econômicos.
Este texto aborda a questão, ancorado em três aspectos cruciais: análise de dividendos e investimentos; impactos ambientais da atividade da empresa; e impactos econômicos.
Os dividendos pagos referentes ao exercício de 2023 foram adequados?
O primeiro ponto a ser abordado refere-se ao questionamento da legitimidade do valor distribuído aos acionistas em relação às operações de 2023, considerando o descontentamento do mercado financeiro e a expressiva queda nas ações da Petrobras entre 8 e 11 de março de 2024. As manchetes dos jornais, ao anunciarem queda do lucro líquido da Petrobras de 33,8% em relação ao exercício anterior, acabam por ofuscar o fato de que o lucro de 2023 foi o segundo maior já registrado pela companhia.
Ademais, a redução do lucro líquido deveu-se à queda do preço do petróleo no último ano, não a uma redução na atividade da empresa. Em 2023, a Petrobras bateu recorde na produção total própria no pré-sal, registrando um aumento de 10% em relação a 2022. Além disso, os investimentos em Exploração & Produção cresceram 47,9%, enquanto aqueles em Refino, Transporte e Comercialização aumentaram 30,6% no mesmo período.
É imprescindível observar que, a partir de 2021, a Petrobras passou a adotar uma política de distribuição de dividendos substancialmente diferente de seu histórico e até mesmo das práticas do setor em todo o mundo. Basta observar que os dividendos distribuídos em 2021 superam a soma do que foi pago aos acionistas entre 2010 e 2020. Outra forma de perceber a mudança nas políticas de distribuição de lucros é examinar a relação entre os dividendos pagos e o investimento líquido da empresa. Essa informação é relevante para identificar o horizonte estratégico da atuação da companhia, já que investimentos mais expressivos no presente indicam maiores lucros e produção futura.
A despeito dessa realidade, durante os governos Temer e Bolsonaro, foi inaugurada a “política de retorno máximo ao acionista”, como afirmou o ex-presidente da companhia, Roberto Castello Branco, em sua posse em janeiro de 2019. Desde então, a Petrobras passou a adotar uma política de distribuição de dividendos substancialmente diferente de seu histórico e das práticas do setor em todo o mundo. Ao privilegiar a distribuição de dividendos para os acionistas, Temer e Bolsonaro acabaram por optar por uma estratégia que comprometia os investimentos líquidos da companhia no longo prazo.
Até 2020, a proporção entre os dividendos pagos sobre os investimentos líquidos nunca havia ultrapassado os 27%. Em 2021, essa razão aumentou para 829,94%, indicando predomínio de uma estratégia de curto prazo, que levou a empresa a ampliar os pagamentos aos acionistas e reduzir os investimentos. Esse comportamento foi reproduzido em 2022, quando a razão foi de 778,17%. Em 2023, a razão dividendos/investimentos diminuiu, mas permaneceu excessivamente elevada (232,63%).
Tabela 1 – Dividendos Pagos & Investimento Líquido da Petrobrás, em Bilhões US$
Fonte: Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)[1]
Ao comparar as políticas de distribuição de dividendos com outras empresas do setor, é possível identificar a discrepância da política de remuneração dos acionistas praticada pela Petrobras. Enquanto grandes empresas petrolíferas mundiais, como Exxon Mobil, Shell, Total, BP e Chevron, pagaram dividendos em 2023 que não ultrapassaram 80% do investimento líquido, a Petrobras distribuiu dividendos correspondentes a 233% do investimento líquido, em um momento em que a empresa registra um dos maiores lucros líquidos de sua história. A Petrobras pagou em 2023 dividendos não apenas generosos, mas superiores aos sustentáveis para um setor com tantos desafios.
É inegável que o governo brasileiro detém a maior fatia de ações individuais da companhia, com uma participação de 28,67% no total. Ao considerar outros órgãos estatais, essa participação governamental alcança 36,61%. No entanto, ao analisar a composição global do quadro acionário, os investidores estrangeiros atualmente possuem a maior porção do capital social da empresa, com 47,51%, em comparação com os 14,96% detidos por investidores brasileiros. Essa distribuição sugere que um aumento na distribuição de lucros pode reduzir os impactos positivos do crescimento da empresa na economia nacional.
Tabela 2 – Resultados consolidados da Petrobras e grandes petrolíferas de 2023, em Bilhões US$
Fonte: Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)[2]
Tabela 3 – Principais Indicadores Petrobrás – 2022 e 2023
Fonte: Petrobras.[3]
Tabela 4 – Investimentos Petrobras
FONTE: PETROBRAS[4].
Transição energética e ecológica e o papel da Petrobras
Uma das razões para a redução do lucro da Petrobras entre 2022 e 2023 foi a queda nos preços do petróleo, o que impactou negativamente o valor das ações da empresa e o potencial de lucro a ser distribuído. Entretanto, é crucial considerar os impactos sociais, ambientais e econômicos globais associados a essa redução nos preços do petróleo. Ambientalmente, a diminuição desses preços desestimula a expansão da produção de combustíveis fósseis, pois torna inviáveis produções em instalações com custos mais elevados. Ao mesmo tempo, a diminuição nos preços dos combustíveis fósseis dificulta a consolidação de bases energéticas menos intensivas em carbono. Portanto, é de suma importância que empresas de economias mistas em setores estratégicos, como a Petrobras, também assumam a responsabilidade de cumprir seu papel na descarbonização do planeta.
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A Petrobras tem a capacidade de produzir mais de 3,6 milhões de barris de petróleo e 157,99 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. Essa produção desempenha um papel determinante no desenvolvimento econômico, na geração de empregos e renda e no equilíbrio de nossa balança de pagamentos. No entanto, contribui para o aquecimento global, além de serem ganhos assentados em recursos finitos. Assim, mesmo que seja mais lucrativo no curto prazo para a Petrobras ampliar investimentos em combustíveis fósseis, a empresa deve utilizar seu potencial inovador, suas cadeias produtivas e seu capital para transitar para outras fontes energéticas, garantindo sua existência a longo prazo e contribuindo para uma economia de baixo carbono.
Comprometida com sua função social, a Petrobras assumiu compromissos com a sustentabilidade e o desenvolvimento de combustíveis mais limpos, impulsionando a produção e a eficiência em diversas áreas. A empresa anunciou que as plataformas P-32 e P-33 serão submetidas a um processo de reciclagem alinhado às melhores práticas de ASG (Ambiental, Social e Governança). Isso significa que a empresa está preocupada com o ciclo de vida completo de seus ativos, buscando minimizar o impacto ambiental e social de sua desativação. A Petrobras está expandindo as vendas de diesel R, um tipo de diesel renovável que contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a companhia está conduzindo um novo teste de bunker + bio, um combustível marítimo mais sustentável. Recentemente, ela lançou o asfalto Cap Pro W, um asfalto com menor emissão de gases de efeito estufa. Todas essas iniciativas evidenciam o compromisso da Petrobras em tornar-se uma empresa mais sustentável e responsável.
É evidente que haverá pressões advindas de seu caráter e empresa de capital misto e, a depender do desfecho das disputas entre grupos de interesses, a empresa será mais ou menos capaz de honrar integralmente os compromissos ambientais assumidos. Além das pressões internas, também há que se destacar o substantivo espaço que a empresa ocupa na economia nacional, em setor estratégico para o desenvolvimento.
A Petrobras e a dinâmica econômica
Outro elemento de grande relevância sobre a estratégia de atuação da Petrobras são os impactos econômicos derivados de seus investimentos diretos e indiretos, receita tributária e estabilidade de preços. O efeito multiplicador dos investimentos diretos e indiretos da Petrobras desempenha um papel crucial na economia brasileira. Ativam extensa cadeia e abrangem pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura.
Só em 2023, a receita de vendas da Petrobras foi de R$ 511,9 bilhões, o que equivale a 4,7% do PIB do Brasil no ano. Segundo a LCA Consultores, para cada R$ 1 investido pela Petrobras, R$ 3 são adicionados à economia, o que reforça a importância da elevação dos investimentos da Petrobras em 2023, somando R$ 12,6 bilhões, cifra 28,7% maior que a realizada em 2022. Mesmo com o crescimento, a empresa continua com níveis de investimentos substancialmente inferiores aos verificados antes da Lava Jato e inferiores aos desafios de desenvolvimento sustentável almejados pelo país.
As extensas cadeias produtivas associadas aos investimentos da Petrobras constituem um componente vital para o fortalecimento da economia. A empresa frequentemente trabalha em parceria com fornecedores e empreiteiras locais, gerando impactos indiretos que se propagam por diferentes setores. A empresa envolve em suas operações mais de 2 mil fornecedores, entre os quais mais de 80% são pequenas e médias empresas. Em 2022, o contrato com fornecedores movimentou R$ 239 bilhões, empregando mais de 100 mil trabalhadores. Isso reforça o impacto da Petrobras nos mais distintos agentes envolvidos na cadeia produtiva de petróleo e gás. Essa colaboração não apenas promove o crescimento de pequenas e médias empresas, mas também favorece o desenvolvimento regional, atenuando disparidades socioeconômicas e promovendo uma distribuição mais equitativa dos benefícios econômicos.
Os investimentos da companhia não se limitam à criação de empregos e estímulo à produção. Eles também têm impactos econômicos significativos, influenciando positivamente a arrecadação de impostos e tributos. Em 2023, a Petrobras pagou R$ 240,2 bilhões em tributos, configurando-se como uma das principais contribuintes para a receita do país. Também desempenha um papel vital no financiamento de políticas públicas, infraestrutura e serviços essenciais, promovendo um ambiente econômico mais robusto e sustentável. Assim, é possível constatar que os tributos pagos pela empresa, ainda que impactem o potencial de lucro a ser distribuído aos acionistas, contribuem para o desenvolvimento nacional, tanto na geração de emprego e renda como no financiamento de políticas públicas.
A contribuição da empresa para o desenvolvimento econômico e social sustentável não pode ser negligenciada, uma vez que a empresa prospecta, processa e comercializa um recurso finito, que deve deixar um legado positivo para as gerações futuras. Isso, sem falar no fato de que se trata de um setor com elevadas barreiras à entrada, baixa concorrência e que comercializa um bem essencial para o funcionamento da economia. Se não for adequadamente regulado e tributado, produzirá distorções que penalizam o desenvolvimento do país e seu povo.
No âmbito dos preços de combustíveis, a Petrobras exerce influência direta na estabilidade econômica. A empresa, como líder do setor de petróleo e gás, toma decisões sobre a precificação de combustíveis que impactam toda a economia. Ao buscar um equilíbrio entre a viabilidade financeira da empresa e preços justos para os consumidores, contribui para a estabilidade dos preços no mercado interno. O preço dos combustíveis tem implicações diretas nos índices de inflação e impactam a produção e comercialização de todos os bens. Ao adotar medidas que consideram a manutenção de preços justos e previsíveis, a empresa contribui para a estabilidade macroeconômica, promovendo um ambiente mais favorável para investimentos, estabilidade dos preços e crescimento sustentável do país.
Em síntese, os investimentos diretos e indiretos da Petrobras não só impulsionam a economia brasileira, mas também têm profundos impactos na estabilidade de preços, arrecadação tributária, desenvolvimento regional e controle da inflação. Não é surpreendente que alguns acionistas da empresa, incluindo fundos de investimento, corretoras de valores e outros agentes do mercado financeiro, no Brasil e no exterior, busquem aumentar a parcela dos lucros distribuídos na forma de dividendos, defendendo pragmaticamente seus próprios interesses privados.
Entretanto, é crucial evitar que essa perspectiva individual se sobreponha aos interesses nacionais de curto e longo prazo. Transformar a empresa em simples geradora de dividendos para um seleto e reduzido grupo de acionistas não pode ter precedência sobre questões fundamentais, como o nível de atividade econômica do país, a estabilidade dos preços, os índices de emprego e renda, a capacidade de arrecadação tributária e realização de políticas públicas redistributivas, além da habilidade de mitigar disparidades regionais. Além disso, a promoção de mudanças na matriz energética para uma economia com baixas emissões de carbono e o fomento ao desenvolvimento sustentável devem ser prioritários. Portanto, é essencial que o rumo da Petrobras seja debatido amplamente por toda a sociedade brasileira.
Euzébio Jorge Silveira de Sousa é professor de Economia na FESPSP e Strong Business School, pós-doutorando na UFRGS e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp.
Rafael Rodrigues da Costa é coordenador executivo da Cátedra Celso Furtado – FESPSP, pesquisador visitante na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
[1] COUTINHO, Felipe. Direção da Petrobrás mantém investimentos baixos e dividendos insustentavelmente altos em 2023. Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), 8 mar. 2024.
[2] COUTINHO, Felipe. Direção da Petrobrás mantém investimentos baixos e dividendos insustentavelmente altos em 2023. Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), 8 mar. 2024.
[3] PETROBRAS. Desempenho financeiro da Petrobras no 4T23. Rio de Janeiro, 07 de março de 2024. Disponível em: https://www.investidorpetrobras.com.br.
[4] PETROBRAS. Desempenho financeiro da Petrobras no 4T23. Rio de Janeiro, 7 mar. 2024. Disponível em: https://www.investidorpetrobras.com.br.
Eis a questão da subversão dos valores da democracia e liberdade com empresas e capitalismo acima das nações e dos Estados nacionais e democracias e repúblicas voltando ao faroeste da idade média ou feudalismo ou lei do mais forte excluindo maioria e concentrando cada vez mais a renda…Primeiro que democracia mesmo somente prevalecendo direitos ou interesses da maioria dos cidadãos na sociedade o que nem existe ainda no Brasil e nem mesmo nos EUA e Europa e talvez um pouco mais na pequena Islândia que avocou o poder de fato democrático e exigiu auditória das dividas públicas internas e externas e começou a colocar banqueiros na cadeia e o resto fugiu…Mas lá não tem gados religiosos como aqui…Então todas as empresas deveriam servir a maioria na sociedade ou democracias e Estados efetivamente governados pela vontade da maioria e não estar acima da maioria como partidão único do Stalin ou de Hitler, imperadores, papas, reis, nobres, barões, maomé e chefes tribais judaicos ou a capetada toda e agora na ditadura do capitalismo global…Acho inclusive que áreas acadêmicas das ciências, história e filosofia também deveriam servir a humanidade ou sociedades e democracias e não meramente os lucros dos barões deste capitalismo visando apenas lucros e negócios…Falta uma revolução mas agora efetivamente consolidando ideais democráticos de fato e sem tapeação ou faz de conta ou engana bobo…Este discurso fundamentalista de supostos socialismo e comunismos também não tem nada de democrático como vimos onde Stalin repetiu Czares, imperadores, papas, maomé e chefes tribais mas foi mais cruel ainda pois matou seis vezes mais do que no holocausto do Hitler…Não adianta discurso ou teoria ou mera ideologia fofa se agem iguais na prática ou ação e todos agiram iguais até agora na velha educação heterônoma impondo tudo de cima para baixo e de fora para dentro e violando livre arbítrio ou democracia efetiva que índios ainda tinham mais antes da chegada dos europeus colonizadores com suas ideologias, armas e bíblias ferrando todos até hoje….Até o suposto deus único dos europeus repete o porrete dos imperadores, papas, reis, maomé e chefes tribais judaícos assim como ditadura do capitalismo…Coisa dos capetões…,