Política externa: a hora e a vez da participação social
A criação de um Conselho de Política Externa já ultrapassou a fase de discussão e agora avança para debater a sua estrutura e seu funcionamento
A ideia de que a política externa é um assunto exclusivo de diplomatas ainda é forte e está presente no imaginário da maior parte das pessoas, incluindo agentes políticos e gestores públicos. No entanto, há diversas pautas e temas nos quais a sociedade civil não apenas atua internacionalmente, mas também formula e executa políticas internacionais. Sendo uma política pública, a política externa deve atender ao princípio da participação social, criando um canal permanente e institucional que incorpore as diversas vozes e visões da sociedade.
Durante o G20 Social, em novembro, no Rio de Janeiro, o debate sobre a democratização da política externa avançou com a sessão “Conselho Nacional de Política Externa: Democratizando a Política Pública”, em que a sociedade civil, a academia e o Itamaraty compartilharam experiências e visões sobre um futuro Conselho de Política Externa (CONPEB). A proposta do CONPEB foi apresentada formalmente ao MRE, à Secretaria Geral da Presidência e à Assessoria Internacional do Presidente, em Brasília, no início do ano, e tornada pública em junho, no evento States of the Future, no BNDES, no Rio, no âmbito do G20, por vários segmentos da sociedade organizada, e que se traduz na criação de uma instância permanente de participação social e governamental, de caráter consultivo, sobre as relações exteriores do Brasil.
Essa proposta nasce de uma longa trajetória de participação social, que remonta à Conferência Rio/92, avança nos debates sobre a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), incorpora a rica experiência do Fórum Social Mundial, inclui a permanente atuação social nos órgãos da ONU e do Mercosul e tem seu marco na Conferência Nacional sobre Política Externa, realizada na Universidade Federal do ABC (UFABC), em 2013. Desde 2023, a retomada do Mercosul Social, a realização dos Diálogos Amazônicos, o próprio G20 Social e o refortalecimento das pautas de gênero, antiracista e de inclusão das populações indígenas na política reforça o quadro de amplas demandas de participação social no âmbito externo. Portanto, no atual momento, a criação de um Conselho de Política Externa já ultrapassou a fase de discussão sobre a sua legitimidade e pertinência e agora avança para debater a sua estrutura e seu funcionamento.
O Itamaraty está aberto ao diálogo e já declarou que o tema está sendo tratado no Ministério das Relações Exteriores. A pedido do ministro Mauro Vieira, uma ampla consulta interna realizada pela Assessoria de Diversidade e Ações Afirmativas do MRE aponta para um significativo apoio de diplomatas e oficiais de chancelaria à ideia de consolidar a participação social na política externa, o que vai ao encontro da orientação do próprio governo, que determinou que a participação social deve existir em todas as esferas do Estado.
Diante de um mundo cada vez mais complexo, dos notórios riscos que a democracia e os direitos humanos enfrentam na atualidade, e assumindo que todas as políticas públicas devem ser construídas com base na participação social, a hora e a vez do Conselho de Política Externa (CONPEB) devem se traduzir, o quanto antes, em uma instância que reflita a diversidade, o pluralismo e a representatividade das experiências e contribuições da sociedade brasileira nas relações internacionais.
Ana C. Delgado é Presidenta da Associação Brasileira de Relações Internacionais-ABRI.
Gilberto M.A. Rodrigues é Membro do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB) e professor associado da UFABC.
Graciela Rodriguez é Coordenadora da Rede Brasileira pela Integração dos Povos-Rebrip.