Políticas públicas e estratégia eleitoral
Neste cenário de recessão, de aumento do desemprego e empobrecimento generalizado, o que vai acontecer quando o governo federal encerrar o auxílio emergencial? Mesmo considerando que o Renda Brasil se efetive, sobram 40 milhões de brasileiros que se habilitaram por sua condição de pobreza a acessar o auxílio emergencial e que não terão mais nenhum recurso para enfrentar as adversidades. O que vai acontecer com a popularidade de Bolsonaro?
A pouco mais de dois meses das eleições municipais, o governo Bolsonaro prepara o lançamento de um conjunto de políticas sociais para os eleitores de baixa renda. Anuncia o Renda Brasil (R$ 300?) para substituir o Bolsa Família (R$ 190), indicando que o valor será maior que o deste último e que os beneficiários serão em maior número (6 milhões de pessoas), o que faria esse programa chegar a cerca de 25 milhões de brasileiros.
Para isso, o governo não quer injetar dinheiro novo nos programas sociais. Ele propõe acabar com o seguro-desemprego e o abono salarial (R$ 61 bi), com o salário-família (R$ 2 bi), com o seguro-defeso para os pescadores (R$ 2,8 bi), com a farmácia popular (R$ 2,8 bi) e com outros programas, como o financiamento da agricultura familiar. Estudo recente do Itaú-Unibanco propõe uma redução de R$ 76 bi nos programas sociais existentes para manter o teto de gastos.1
Lançará também o Casa Verde e Amarela, em substituição ao Minha Casa Minha Vida. O novo programa, com uma ótica de mercado, incorporará regularização fundiária e recursos para reformas para quem já tem residência. As taxas de juros serão também diferenciadas por região, sendo as menores para o Nordeste. O acesso ao crédito do Casa Verde e Amarela para aquisição ou reforma deverá atingir 956 mil famílias na primeira fase e os recursos deverão estar disponíveis em sessenta dias.2
O que muda? Acabam os fortes subsídios que o MCMV tinha para a faixa de renda de até R$ 1.800 de renda familiar, que dessa maneira perde o acesso ao novo programa. E é provável que a questão da regularização fundiária não passe do anúncio, pois seria necessário enfrentar os interesses do capital imobiliário e desapropriar áreas que em sua maioria pertencem a grandes empresas.
Não é preciso dizer o quanto as maiorias empobrecidas são sensíveis a ações que buscam aliviar o quadro de carências vividas no seu cotidiano. Apesar de ter sido contra a definição do valor de R$ 600 para o auxílio emergencial, definido pelo Congresso Nacional, Bolsonaro foi quem se beneficiou com a elevação de seus índices de popularidade com a distribuição desse auxílio para 65,3 milhões de pessoas. Os efeitos sociais dessa ajuda foram identificados por estudo recente de Marcelo Neri (ver tabela).3
Evolução da renda per capita durante a pandemia
Renda per capita | 2019/milhões de pessoas | % | Jul. 2020/milhões de pessoas | % | Variação |
Até ½ salário mínimo | 65,2 | 31,04 | 52,1 | 24,62 | –13,1 |
De ½ a 2 salários mínimos | 111,94 | 53,29 | 132,45 | 62,58 | +20,51 |
+ de 2 salários mínimos | 32,92 | 15,67 | 27,09 | 12,8 | –5,83 |
Total | 210,06 | 100 | 211,62 | 100 |
O impacto do auxílio emergencial foi muito expressivo. Mas o que mais impressiona nesses números é o fato de que 87% tinham renda de até R$ 70/dia em julho de 2020. E vale notar que 52,1 milhões de brasileiros e brasileiras não contam com mais de R$ 17,42 por dia para todas as suas necessidades.
A Caixa Econômica Federal pagou quatro parcelas do auxílio emergencial até 23 de julho. Desse total, 19,2 milhões já eram beneficiários do Programa Bolsa Família; 10,5 milhões constavam do Cadastro Único e outros 35,6 milhões não tinham nenhum registro de pagamento de benefícios anterior à pandemia (54% do total).4
Da segunda quinzena de junho à segunda semana de agosto, de acordo com o Datafolha, a aprovação do governo Bolsonaro foi de 32% para 37%, sua melhor taxa de ótimo e bom. O segmento em que ele mais cresceu foram os beneficiários desse programa emergencial.
Neste cenário de recessão, de aumento do desemprego e empobrecimento generalizado, o que vai acontecer quando o governo federal encerrar o auxílio emergencial? Mesmo considerando que o Renda Brasil se efetive e chegue aos 25 milhões de pessoas que o governo se propõe a atingir, sobram 40 milhões de brasileiros que se habilitaram por sua condição de pobreza a acessar o auxílio emergencial e que não terão mais nenhum recurso para enfrentar as adversidades. O que vai acontecer com a popularidade de Bolsonaro?
O grande empresariado exige que o governo mantenha o teto dos gastos sociais, diminua os custos trabalhistas, reduza as políticas de saúde, educação, assistência social, e não aceita nenhum aumento de tributos. O que o governo está fazendo é abaixar o piso, isto é, cortar o orçamento das políticas existentes. Além do ataque a essas políticas sociais, as universidades, a pesquisa científica e a cultura sofrem brutais reduções. O único orçamento que cresce é o da Defesa, cujos gastos efetivos passaram de R$ 67 bi em 2018 para R$ 75 bi em 2019, com tendência de alta em 2020.5
Silvio Caccia Bava é editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
1 “Itaú diz que cortes bancariam novo programa social dentro do teto”, Folha de S.Paulo, 23 ago. 2020.
2 Fabio Pupo, “Bolsonaro faz investida em área social usando como base programas de Lula”, Folha de S.Paulo, 24 ago. 2020.
3 Marcelo Neri, citado por Vera Batista, “Qual foi o impacto imediato da pandemia do Covid sobre as classes econômicas brasileiras?”, Blog do Servidor, 25 ago. 2020.
4 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-07/auxilio-emergencial-653-milhoes-de-brasileiros-recebem-4a-parcela.
5 Rodrigo Zeidan, “O mito dos gestores militares”, Folha de S.Paulo, 22 ago. 2020.