Por dentro da Rockstar Games
A fabricante de videogames Rockstar Games acaba de lançar com grande pompa um novo título: Red Dead Redemption II. Mundialmente famosa pela série GTA, ela forjou para si uma imagem de companhia original, oferecendo jogos tidos como subversivos. Mas essa reputação não consegue esconder uma estratégia meramente comercial
Quando, em 1998, os escoceses Samuel e Dan Houser fundaram a Rockstar Games, uma filial da Take-Two Interative, os videogames eram ainda, em grande parte, identificados com uma forma de lazer para adolescentes, sem grande interesse.1 À medida que o mercado se estendeu a uma clientela adulta, a Rockstar passou a desenvolver títulos que atraíam a atenção por sua originalidade e caráter provocador. Nos diversos jogos de Grand Theft Auto (GTA), o jogador encarna um criminoso em um universo urbano aberto, o que suscitou bom número de polêmicas. Acusada de incitar a juventude ao crime e à violência, a empresa dos irmãos Houser logo começou a gozar de uma reputação maligna… cuidadosamente cultivada.
Os dois empresários compreenderam que, para seduzir uma clientela ao seu estilo, simples passatempos não bastavam. Seus jogos foram concebidos como verdadeiras obras, que necessitam de investimentos pesados (mais de US$ 250 milhões para o GTA V) e um trabalho artístico meticuloso. “Era para um público cuja existência havíamos detectado”, explica Dan Houser. “Pessoas que jogam videogame, leem livros e gostam de música.”2
A receita obteve um sucesso esmagador com o GTA IV, lançado em 2008. Esse episódio põe em cena um imigrante que tenta, em vão, viver o sonho norte-americano. Foi saudado pelo Libération (28 abr. 2008) como “o maior jogo do mundo”, antes de ser considerado “uma obra-prima” que “retoma a tradição dos grandes afrescos sociais analíticos, como os de Balzac, Zola ou Welles”.3 O episódio seguinte, lançado em 2013, foi considerado decepcionante quanto ao tema, mas seu humor negro, inscrito num universo de filme de ação ultraviolento e por vezes estapafúrdio, seduziu os críticos. Colou-se então um rótulo à série principal da Rockstar: L’Express falou em “jogo de ação subversivo” (14 set. 2013); Stratégies, em “filão subversivo” (14 nov. 2013); e Le Monde percebeu um “espírito subversivo” (20 dez. 2013). “Para os editores [como a Rockstar], a senha se resume a uma palavra: subversivo”, já havia dito Le Figaro (6 jun. 2012). Comentários similares se multiplicaram com variantes: por exemplo, o “espírito punk” atribuído ao jogo por Les Inrockuptibles (22 maio 2010). A sátira, a paródia e a transgressão alimentam o GTA e outras produções da Rockstar. Dissertando sobre a liberdade concedida ao jogador em Red Dead Redemption (um bangue-bangue que se desenrola durante a Revolução Mexicana), Dan Houser conclui que seus produtos “são talvez mais anarquistas espiritualmente” que os jogos de ação concorrentes.4 Os GTA seriam até “anticapitalistas”, uma vez que, por sua violência incontida, denunciariam a da sociedade norte-americana: “Dizem que o mercado não é justo”, continua Houser, “e que esse nem sempre é o melhor caminho a seguir. Não são sequer os mais fortes que sobrevivem nele, apenas os que aproveitam a oportunidade”.5
Se a interpretação ideológica dos conteúdos pode ensejar análises contraditórias sem fim, o elogio sistemático de seu caráter supostamente subversivo tende a ocultar uma evidência: esse posicionamento específico num mercado em plena expansão foi concebido também para ganhar dinheiro. Com mais de US$ 90 milhões em vendas e US$ 6 bilhões em receitas, o GTA V mostra uma rentabilidade sem precedentes.
Para obter esses resultados, os métodos escolhidos não primam pelo caráter “subversivo”. No setor dos videogames, as “horas de aperto” (crunch time) são consideradas estafantes e não forçosamente remuneradas à altura. Dan Houser pode orgulhar-se de ter “conseguido fazer um tipo novo de empresa”, mas a Rockstar não parece tratar seus funcionários melhor que os concorrentes.
Em 2006, os assalariados do estúdio de San Diego entraram na justiça para garantir o pagamento de horas extras.6 Quatro anos depois, a pressão sobre eles, quando da finalização de Red Dead Redemption, foi denunciada por centenas de esposas e companheiras. A gestão dos projetos pela sede da empresa (em Nova York) foi então descrita por um de seus antigos empregados como autoritária e instável. Comparada ao olho de Sauron (o órgão que permite ao tirano maléfico de O Senhor dos Anéis, a trilogia de J. R. R. Tolkien, vigiar seus inimigos), a direção da Rockstar reagiu petulantemente, publicando papéis de parede que ridicularizavam as acusações.7
Semanas de 72 horas
Essa polêmica foi uma oportunidade para a International Game Developers Association (IGDA), uma organização norte-americana que procura melhorar as condições de trabalho na indústria dos videogames, ressaltar as dificuldades mais comumente encontradas pelos assalariados – quase sempre jovens e sem filhos – num setor com pouca cobertura sindical.8 Em 2015, um “inspetor de qualidade” para o GTA ainda falava sobre suas semanas “horríveis” de 72 horas de trabalho, em grande parte noturno.9 Isso não impediu Dan Houser de se gabar das cem horas de trabalho semanal que alguns colaboradores tiveram de cumprir em várias ocasiões, em 2018, para terminar o Red Dead Redemption II, suscitando mais uma polêmica.10
O ex-presidente da Rockstar North, a filial da Rockstar Games especializada no desenvolvimento do GTA, havia, contudo, prevenido o milhar de pessoas que trabalhavam para a firma: “Se vocês quiserem chegar a uma produção de qualidade, trabalhem duro. A Nasa não envia cápsulas espaciais à Lua com empregados trabalhando apenas seis horas por dia. […] A indústria dos videogames é um setor no qual é preciso amar os jogos; e, quando as pessoas amam alguma coisa, consagram a ela o máximo de tempo”.11 Decididamente, as audácias formais vão bem com o conformismo econômico.
*Dominique Pinsolle é historiador e professor da Universidade Bordeaux-Montaigne, França.